Topo

"Nunca tocarei nada que esteja associado à voz do Liam", diz Noel Gallagher sobre carreira solo; leia entrevista

Noel Gallagher em seu primeiro show solo após deixar o Oasis, em Londres (25/03/2010) - AP Photo / Yui Mok
Noel Gallagher em seu primeiro show solo após deixar o Oasis, em Londres (25/03/2010) Imagem: AP Photo / Yui Mok

GARY GRAFF*

The New York Times Sindycate

30/11/2011 06h00

Noel Gallagher não se assusta facilmente. O ex-guitarrista e principal compositor do Oasis assume que é --descaradamente-- franco e insolente. Ele nunca hesitou em elogiar a si mesmo e sua banda, nem em insultar qualquer outro músico que considerasse excessivamente badalado. Seu principal alvo: seu irmão mais novo, o cantor Liam Gallagher, com quem manteve uma rixa que às vezes chegava perto de fratricida.
 
"Eu sou amaldiçoado com um fluxo infinito de frases de efeito", diz Gallagher, de 44 anos, ironicamente. "As pessoas dizem que o modo como falo nas entrevistas mantém as pessoas interessadas. Mas elas apenas estão dizendo que sou honesto, algo como 'ei, aquele rapaz se dá bem com honestidade'. Não é deprimente?"
 
Mesmo assim, o homem frequentemente descrito como convencido e arrogante está um pouco nervoso, se não com medo, por causa de seu novo papel como artista solo. "Estou espantado até agora", diz Gallagher, cujo primeiro disco solo, "Noel Gallagher's High Flying Birds", estreou em 1º lugar nas paradas britânicas em outubro.
 
"Eu não acho que seja mais divertido ser o líder da banda do que um guitarrista e vocalista de apoio. Essa é o trabalho mais legal no rock. Você não precisa fazer nada exceto tocar a p**** da guitarra bem alto e cantar a harmonia", ele diz. "Ser o líder é uma nova experiência para mim. Apresentar-se é sempre intimidante, mesmo quando você está tocando guitarra na mesma banda por 20 anos".
 
 
Da infância difícil ao sucesso
Natural de Manchester, na Inglaterra, Gallagher teve uma infância difícil --sofreu abusos de seu pai alcoólatra, que deixaram Noel e Paul, o irmão mais velho, com gagueira. Noel e Liam dividiam um quarto e, quando a mãe finalmente deixou o pai deles e levou os três filhos consigo, eles continuaram se metendo em encrenca juntos.
 
Depois de Noel ter sido sentenciado a seis meses de liberdade condicional por furto em uma loja, ele começou a tocar a guitarra que seu pai lhe deu. Ele encontrava inspiração ouvindo rádio e em canções como "This Charming Man" dos Smiths e "Sally Cinnamon" do Stone Roses. "Era um dos primeiros singles deles e eu pensei: 'se eles podem fazer isso, eu também posso'".
 

Meu primeiro instinto, ao compor canções, não é negativo. Pelo contrário, é positivo. Tudo o que fiz tem alguma forma de esperança, eu acho. Não comporia uma canção sobre meus sentimentos a respeito de alguém, como o Beady Eye, por exemplo, porque gosto daquelas pessoas, com exceção do vocalista

Noel Gallagher
Foi em um show do Stone Roses que ele conheceu Graham Lambert, que tocava guitarra na banda Inspiral Carpets. Gallagher fez teste para cantar no grupo, mas acabou contratado como roadie. E acabou sendo proveitoso, porque foi como conheceu Mark Coyle, o técnico de som dos monitores de palco, com quem Gallagher discutia as canções dos Beatles, que também foram uma grande influência para ele.
 
Enquanto isso, Liam Gallagher entrou para uma banda chamada The Rain, que ele queria que Noel empresariasse. Mas Noel teve outra ideia: entrou no grupo para tocar, mas sob a condição de ser o principal compositor. "Ele nos disse que nos tornaria os maiores do mundo", lembrou o ex-guitarrista Paul "Bonehead" Arthurs no início da carreira do Oasis. "Ele assumiu o controle, mas compriu a promessa, não é?"
 
O então rebatizado Oasis assinou contrato com a Creation Records, do Reino Unido, e se transformou em uma sensação quase imediata, lançando uma nova onda de britpop. O domínio do grupo incluiu 70 milhões de álbuns vendidos em todo mundo, com oito deles chegando ao primeiro lugar nas paradas de sua terra natal e três ao Top 5 nos Estados Unidos. Emplacou sucessos como "Wonderwall" (1995), "Some Might Say" (1995), "Roll With It" (1995), "Don't Look Back in Anger" (1996) e "Champagne Supernova" (1996).
 
A carreira do Oasis também foi marcada por rixas com outras bandas, particularmente com o Blur e o Radiohead, e por comportamento errático --como os próprios Gallaghers reconheceram-- frequentemente causado por abuso de substâncias. A rivalidade entre os irmãos também não era segredo e as coisas finalmente chegaram ao ponto máximo em 28 de agosto de 2009, quando os dois tiveram uma discussão violenta nos bastidores do festival Rock en Seine, em Paris. 
 
O Oasis cancelou sua apresentação pouco antes de subir ao palco e cancelou a turnê europeia subsequente. Posteriormente naquela noite, Noel postou uma mensagem no site da banda declarando que "com alguma tristeza e grande alívio (...) eu deixei o Oasis nesta noite (...) porque simplesmente não consigo trabalhar com Liam nem mais um dia".
 
Noel Gallagher --que durante seu tempo no Oasis também colaborou com o vocalista do Stone Roses, Ian Brown, com o Chemical Brothers e com Paul Weller-- não perdeu tempo para seguir em frente. Enquanto o restante do Oasis se reagrupou para formar o Beady Eye, Gallagher fez uma apresentação solo nos concertos beneficentes do Teenage Cancer Trust de 2010, no Royal Albert Hall de Londres, acompanhado de Gem Archer do Oasis.
 
Instinto positivo e o segundo álbum
Noel garantiu suas apostas em sua carreira solo. O álbum é creditado aos High Flying Birds, apesar do grupo não contar com uma formação formal. "Isso meio que serve a dois propósitos", diz Gallagher. "Se eu algum dia tiver uma formação fixa, eu já apresentei 'a banda'. E também leva meu nome, então também é um lance solo. Todas as opções estão na mesa".
 
Trabalhar por conta própria não afetou suas composições, diz o guitarrista, mas influenciou as canções que compôs. "Isso afetou a forma como interpreto as canções. Se estou cantando uma história e ela é sobre uma garota, então eu sei quem é a garota e sei qual é a história, então interpreto a canção de modo diferente. O resto acho que é semelhante".
 
Aqueles que gostam de analisar a família Gallagher em busca de ataques nas canções de "High Flying Bird" fará isso em vão. "Não sou esse tipo de pessoa, sério. Meu primeiro instinto, ao compor canções, não é negativo. Pelo contrário, é positivo. Tudo o que fiz tem alguma forma de esperança, eu acho. Não comporia uma canção sobre meus sentimentos a respeito de alguém, como o Beady Eye, por exemplo, porque gosto daquelas pessoas, com exceção do vocalista".
 

Não penso mais como canções do Oasis. São minhas canções. Todas as canções que toco eu compus sozinho. Nunca tocarei nada que esteja associado à voz do Liam, só canções que cantei nos álbuns

Noel Gallagher
Gallagher caiu na estrada com o High Flying Birds, mas com uma formação diferente de músicos daquela que gravou o álbum. E planeja "tocar e excursionar incessantemente", incluindo material solo e canções do Oasis. "Não penso mais como canções do Oasis. São minhas canções. Todas as canções que toco eu compus sozinho. Nunca tocarei nada que esteja associado à voz do Liam, só canções que cantei nos álbuns".
 
Ele já tem um segundo álbum pronto, uma colaboração com Amorphous Androgynous com versões regravadas de quatro canções de "High Flying Birds", que ele espera lançar em meados do ano que vem. "Não quero falar muito a respeito, mas não é um álbum eletrônico. É rock psicodélico/pop e não sei como as pessoas reagirão. É menos estruturado do que meus álbuns tradicionais de música pop inglesa".
 
Mas o fantasma do Oasis permanece. Liam Gallagher, que planeja fazer um filme sobre o grupo, previu uma reunião inevitável porque --como ele disse aos jornalistas britânicos-- Noel "não é bom" sem ele. Ele também sugeriu um retorno do Oasis em 2015, para celebrar o 20º aniversário do maior sucesso da banda, o álbum "(What's the Story) Morning Glory". Noel rejeita a ideia, apesar de ter dado sua bênção para que Liam toque o álbum sem seu envolvimento. 
 
Noel diz que está interessado apenas em olhar para frente, não para trás. "Pretendo prosseguir gravando álbuns", diz Gallagher, que já se casou duas vezes e tem três filhos. "Nunca perdi a empolgação de compor uma canção. Quando eu termino uma música, é como ter um filho e há uma nova criança na família. Não vejo isso como um emprego e, felizmente para mim, eu tenho pessoas em todo o mundo que estão interessadas no que eu faço".
 
*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato