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"The Who nunca gravou nada tão ambicioso ou realista quanto 'Quadrophenia'", diz Pete Townshend

Roger Daltrey e Pete Townshend, do The Who, durante apresentação da banda na final do Super Bowl (07/02/2010) - Reuters/Brian Snyder
Roger Daltrey e Pete Townshend, do The Who, durante apresentação da banda na final do Super Bowl (07/02/2010) Imagem: Reuters/Brian Snyder

GARY GRAFF*

The New York Times Sindycate

07/12/2011 00h06

Há 46 anos Pete Townshend escreveu aquilo que chama de "a canção mais explícita e discriminatória sobre idade etária do rock and roll": "My Generation" (1965), do The Who, com sua letra desafiante que diz: "espero morrer antes de ficar velho".
 
Isso não aconteceu para Townshend e nem para o vocalista Roger Daltrey --apesar do baterista Keith Moon ter morrido em 1979, aos 32 anos, e o baixista John Entwistle em 2002, aos 57. Atualmente com 66 e 67 anos respectivamente, Townshend e Daltrey estão mais ocupados do que nunca, tanto individualmente quanto com The Who.
 
Neste ano, Townshend supervisionou uma edição especial de "Director's Cut" (versão do diretor) da ópera rock "Quadrophenia" (1973), cuidando da remasterização e da seleção de material não lançado anteriormente, além de escrever um novo ensaio de 13 mil palavras e comentários faixa-a-faixa para a caixa. Ele também está escrevendo um livro de memórias, "Who He?", e criando o musical "Floss". Como ele gosta de dizer: "É uma vida bem simples e estou só curtindo".
 
Por sua vez, Daltrey está se mantendo ocupado com sua própria banda, fazendo turnê com uma produção da ópera rock "Tommy" (1969) do The Who, além de tocar canções menos conhecidas do catálogo do grupo. "Dediquei minha vida em ser a voz da música [de Townshend]. Estou feliz nessa posição, sinto que fiz um bom trabalho para ele. Então se ele precisar de mim de novo, preciso estar preparado", diz Daltrey,

The Who - "The Real Me" ("Quadrophenia")

Townshend e seu problema de audição
Isso pode vir a acontecer já em 2012. Apesar de Townshend dizer que não sabe ao certo que forma "Floss" tomará --"Eu realmente não sei se há algo que Roger e eu poderíamos fazer juntos, ou até mesmo se eu participaria"-- ele espera levar "Quadrophenia" de novo para a estrada, como ele, Daltrey e Entwistle fizeram em 1996-1997, com uma banda expandida e convidados como Gary Glitter, Billy Idol e P.J. Proby.
 
Na verdade, ele estava pronto para revisitar "Quadrophenia" quase imediatamente após uma apresentação da obra em março de 2010, realizada por ele e Daltrey durante um concerto beneficente para o Teenage Cancer Trust, no Royal Albert Hall de Londres.
 
"Roger não ficou satisfeito com a apresentação", explica Townshend. "Ele queria fazer algumas mudanças na forma como é apresentada e em algumas das imagens de filme que usamos, mas eu estou feliz como está. Acho que a música tem um efeito lindo. Por isso tenho aguardado pacientemente".
 

Pete tem problemas sérios em seus ouvidos, e não é brincadeira. Ele agora precisa usar dois aparelhos auditivos. Há problemas técnicos que precisamos contornar para podermos tocar ao vivo, em um show longo, algo que é prioritário no meu entender

Roger Daltrey
O guitarrista ri. "Trata-se de uma inversão de papéis", ele acrescenta, "porque geralmente Roger é quem deseja sair em turnê e eu sou aquele que diz: 'ei, espere, eu tenho que escrever isso e fazer aquilo'. Eu é que costumo ser o implicante. Venho importunando o Roger há algum tempo para realizarmos essa turnê, e parece que agora nós provavelmente a faremos. Aguardo ansiosamente".
 
A questão é mais do que mudanças na produção, diz Daltrey. Ele também permanece preocupado com a audição de Townshend, o zumbido que o levou a separar o The Who em 1982 e a adotar precauções especiais para as turnês posteriores de reunião do grupo. "Pete tem problemas sérios em seus ouvidos, e não é brincadeira", explica Daltrey. "Ele agora precisa usar dois aparelhos auditivos. Há problemas técnicos que precisamos contornar para podermos tocar ao vivo, em um show longo, algo que é prioritário no meu entender".
 
"Acho que é apenas uma desculpa", brinca Townshend, apesar de admitir que sua audição está de fato muito comprometida. "Acho que [Daltrey] está sendo sincero quando diz que não deseja ser aquele que me deixará surdo, mas eu não acho que ele tenha algum controle sobre isso. Se alguém vai me deixar surdo sou eu mesmo, não o Roger. Eu gosto de incendiar no palco, eu preciso disso, e sei que se fizer isso vou ensurdecer".
 

As questões psicológicas de "Quadrophenia"
Enquanto a questão da turnê vai se resolvendo --"Nossa tendência é conversar muito antes de realmente fazermos qualquer coisa", nota Townshend com um sorriso-- os dois integrantes do Who estão bem ocupados com seus projetos individuais. Mergulhar de novo em "Quadrophenia", diz Townshend, foi um trabalho de amor, uma chance de revisitar uma parte da história do The Who que ele preza.
 
"O disco é tão importante para mim porque considero o último grande álbum do The Who. Sério", ele explica. "The Who nunca gravou nada tão ambicioso ou realista de novo. A banda estava em boa forma musicalmente, então as gravações em estúdio foram boas. E foi meio que o último álbum em que Keith Moon estava em forma para atuar como um integrante ativo de uma banda. Ele meio que foi para o espaço depois disso, então é um álbum comovente para mim. É um álbum precioso porque foi um momento de virada para mim".
 

A história de Jimmy [em 'Quadrophenia'] é que nada mais parece funcionar para ele, exceto ficar sentado na chuva rezando. Não é uma peça sinfônica de modo apropriado, mas é o mais perto que chegarei em toda minha vida, eu acho

Pete Townshend
Daltrey dá a Townshend quase todo crédito por "Quadrophenia". "O disco é mais obra do Pete do que 'Tommy'", diz o cantor. "Em 'Tommy', toda música foi composta pelo The Who. Pete pode ter composto as linhas principais da maioria das canções, mas todos os detalhes e complexidades faziam parte do caráter do grupo. 'Quadrophenia' não. Eu canto como um ator interpretando o papel do sujeito que ele estava tentando retratar em sua música".
 
Esse sujeito é Jimmy, um adolescente do Reino Unido nos anos 60 com uma personalidade "quadrifônica", que é refletida nos vários temas por todo o álbum. Townshend diz que estava tentando transmitir um senso de otimismo, mesmo em meio à abundância de ansiedade expressa no seu trabalho. "A história de Jimmy é que nada mais parece funcionar para ele, exceto ficar sentado na chuva rezando", disse Townshend, se referindo ao hino "Love Reign O'er Me", que fecha a peça. 
 
"Jimmy descarta a terapia, religião, família, o trabalho, a política e, é claro, o rock and roll. Ele descarta tudo, a moda, as garotas, a turma, e acaba em um lugar desolado. Mas é um novo começo para ele, de certo modo. Não é uma peça sinfônica de modo apropriado, mas é o mais perto que chegarei em toda minha vida, eu acho", acredita Townshend.

The Who - "Love Reign O'er Me" ("Quadrophenia")

Roqueiro envelhecido em novo musical
Townshend está empregando uma abordagem ambiciosa semelhante em "Floss". A história de um roqueiro que está envelhecendo, enfrentando questões "muito adultas" em sua vida e casamento --envelhecer de modo gracioso em vez de morrer precocemente-- Townshend a considera "no estilo de 'Tommy' e 'Quadrophenia'", mas com uma visão teatral mais bem definida.
 
"Eu a vejo como uma grande peça ao ar livre, uma peça musical, para apresentação ao ar livre ou arenas", diz Townshend, que está usando canções convencionais, mas também "'soundscapes (paisagens sonoras) em som surround' que contam com efeitos sonoros complexos e montagens musicais. É um projeto ambicioso, com certeza". Mas ele não deve surgir até meados do ano que vem, porque Townshend tem um prazo até março para "Who He?" 
 

Escrever um livro é um processo catártico, mas também é algo que me leva a tempos mais loucos. Às vezes preciso me sentar, permitir me desligar e dizer: 'olha, todo mundo sabe dessas coisas. Tudo o que estou fazendo é dar meu ponto de vista'

Pete Townshend
Após anos recusando ofertas de livros, ele está apreciando tanto escrever suas memórias a ponto de ter dificuldade para parar. "Estou cercado de caixas com recortes de jornal, diários, cartas, fotos e todo tipo de coisas", diz Townshend. "Às vezes acho difícil. Escrever um livro é um processo catártico, mas também é algo que me leva a tempos mais loucos. Às vezes preciso me sentar, permitir me desligar e dizer: 'olha, todo mundo sabe dessas coisas. Tudo o que estou fazendo é dar meu ponto de vista'. Mas já estou na metade e estou recebendo boas reações do meu editor".
 
Daltrey aguarda ansiosamente para ler o que seu parceiro tem a dizer --"Nós sempre nos recordamos das coisas de modo um pouco diferente", ele diz, "como quaisquer duas pessoas". Quanto ao futuro, ele ainda espera produzir um filme sobre a vida de Keith Moon, mas fora isso está tranquilo com qualquer coisa que vier, com ou sem o Who, em seu futuro.
 
"Já aceitei a ideia de que o Who é algo que parece acontecer mais do que planejamos", diz Daltrey. "Ele já durou muito mais e nos deu muito mais do que esperávamos ou poderíamos esperar. Cantar essas canções é o trabalho da minha vida, seja com o Pete ou com minha banda, e planejo continuar fazendo isso enquanto eu puder".
 
*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan