Livro "A Vida de James Brown" traz fotos raras e discografia do ícone do soul; leia trecho
Fotos raras, discografia completa e a história de um dos maiores ícones da música soul estão no livro "A Vida de James Brown", que sai este mês no Brasil pela Editora Madras. Escrito por Geoff Brown, antigo redator da revista "Black Music" e autor da obra "Michael Jackson - Uma Vida na Música", o livro ilustrado traça um panorama da vida e carreira do cantor. Leia abaixo trecho inicial de "A Vida de James Brown".
James Brown sempre soube reconhecer o verdadeiro valor do Natal. Nos dias próximos às festividades de fim de ano, ele criara a tradição de organizar entregas anuais de brinquedos para as crianças carentes na cidade de Augusta, Geórgia, sendo que seu vasto catálogo de gravações de black music incluía álbuns especiais de Natal e lançamentos de muitos singles temáticos como "Let's Make Christmas Mean Something This Year", "Santa Claus Goes Straight To The Ghetto" e "Let's Unite The Whole World At Christmas". É por essa razão que parece haver algo de inevitável e significativo a respeito da morte triste do aparentemente inesgotável, insuperável e indestrutível James Brown no dia de Natal no ano de 2006.
Não que ele estivesse se preparando para morrer. Longe disso, já que a agenda do "Homem Que Mais Trabalhava no Mundo Artístico" estava, na verdade, completamente lotada até o verão seguinte, e já havia gravado parte de um novo álbum. No entanto, o corpo físico que havia alcançado todos os seus limites sobre os palcos de todo o mundo nas décadas de 1950, 1960 e 1970 e que, em décadas posteriores, fora assolado por uma grande ingestão de drogas, enquanto buscava anestesiar a dor física e fugir de seus demônios, tinha outras ideias e, por fim, encerrou seu tempo depois de se estabelecer em uma das carreiras musicais mais marcantes dos anos do pós-guerra.
Na realidade, a primeira frase da introdução da primeira edição deste livro, publicada em 1996, observou que poucos artistas surtiram um efeito tão profundo no decorrer da história da música afro-americana desde a Segunda Guerra Mundial quando comparados a Brown. Sua influência fora, na verdade, muito mais ampla em função dos ritmos da música funk que ele criou na década de 1960, e que foram usados e adaptados pelo rock dos brancos e produções da música popular que se espalharam pelos continentes europeu e africano, assim como partes da Ásia. Ele se tornara o James Universal, como dizia o nome de um de seus últimos álbuns não tão essenciais em sua carreira, Universal James.
Os arranjos pioneiros criados pelo cantor e seus grupos no período entre 1965 e 1972 acabaram adicionando um gênero totalmente novo à música afro-americana, um gênero bastante estabelecido na história. Depois de ter se consagrado na posição do maior recordista de shows da black music na América, bem como o cantor mais fiel às raízes a fazer incursões no mercado da música pop dos brancos, tudo sem a ajuda de uma grande gravadora, inventou o estilo funk, a partir do qual Sly Stone e George Clinton desenvolveram outras variantes de grande influência. Por meio do efeito trickle down (ou, efeito de gotejamento) do estilo boogaloo, sua música agiu como uma indicação de grandes áreas da música popular ocidental até os dias de hoje. Quarenta anos depois, muitos ritmos dançantes deste século são descendentes diretos de seus mais revolucionários estilos.
Durante seus 73 anos, o sr. Brown, como ele preferia ser chamado, iniciou sua autobiografia duas vezes. Este livro foi escrito como uma visão alternativa de um ponto de vista mais objetivo, mas certamente não teve a intenção de fazer por ele o mesmo que os textos de Albert Goldman fizeram por Elvis Presley e John Lennon. Na verdade, este tomo deveria ter sido escrito pelo sr. Cliff White, o inigualável arquivista inglês e especialista do Padrinho da Soul Music.
Suas anotações no box de quatro CDs de 1991, "Star Time", acabaram rendendo a ele e a cada um de seus coautores (Harry Weinger, Alan Leeds e o sr. Brown) um Grammy. Entretanto, afundado até a cintura em entrevistas não publicadas, fitas não ouvidas, recortes não lidos e um entusiasmo minguante pelo projeto do livro, o sr. White transferiu o legado a mim. Cliff escrevera para mim quando editei o título de uma revista britânica, "Black Music", e lá estava sua chance de vingança.
Em primeiro lugar, algumas impressões gerais do sr. Brown transmitidas por intermédio do sr. White, possuidor de um conhecimento pessoal íntimo razoável quando comparados aos meus encontros, ocorridos em um nível mais profissional de jornalista/escritor com seu entrevistado. Não era preciso passar tempo demais no acampamento de James Brown ou estar na companhia do exército cada vez maior de seus ex-parceiros para perceber que ele era uma figura espinhosa e, às vezes, extremamente desagradável. Essa revelação sempre foi qualificada por meio de um “Mas...”.
O sr. White, sempre gingando pelas extremidades das caravanas de JB desde 1973, diversas vezes testemunhou o sr. Brown em ações explosivas: irracional, manipulador, criador de discórdias, vingativo, extraordinariamente egocêntrico, perverso e vigorosamente intimidador, com um temperamento que podia ser ouvido e sentido pelo som da batida de uma porta ao longo de um corredor, no dobrar de uma esquina, na descida tempestiva de um lance de escadas e ressoando pelas paredes de um santuário remoto onde a próxima vítima aguardava ser chamada para se apresentar na arena dos gladiadores. Se o temperamento volátil de James Brown fosse tudo o que tivéssemos para resumir essa lenda, poderíamos então encerrar este livro agora mesmo.
Em um momento de rara contenção, o próprio sr. Brown disse uma vez: “Não sou um homem violento, mas sei como ser”. Ele poderia muito bem ter admitido ser um incorrigível e mal-humorado guerreador físico e emocional. Quando suas provocações ficavam fora de controle, era o momento de sair em retirada e se calar. Ele conseguia ser quase sempre impulsivo e cruel. Uma lista de pessoas fisicamente atacadas por ele não seria pequena nem se restringia aos elementos do sexo masculino. Ele podia ser tão agressivo e abusar de suas esposas e namoradas quanto se mostrar violento com seus colegas e inimigos do sexo masculino, fossem eles reais ou imaginários.
Há diversas teorias superficiais que poderiam ser discutidas a respeito do garoto negro seriamente desprivilegiado, pobre, sujo, sem estudos, malvestido e desnutrido capaz de tudo para se autodefender sem o direito de receber muito carinho, conforto, orientação dos pais ou um lar decente no interior das casas de famílias segregadas do sul, além de tudo o que precisou fazer para sobreviver e, ainda assim, tornar-se um dos artistas negros mais importantes e bem-sucedidos do século. Tire suas próprias conclusões com base nesses fatos. Entretanto, o sr. White também diz que, nos 29 anos em que conviveu com o sr. Brown, ele jamais presenciou qualquer falta de cortesia ou hostilidade e pôde sentir inclusive uma suposta amizade.
A maior parte dos músicos que trabalhou para o sr. Brown afirma que ele esgotou suas ideias musicais sem o devido reconhecimento ou recompensa financeira. Quase todos que trabalharam para ele deixaram de admirá-lo ou simplesmente se cansaram de estar por perto, mas se uma convivência familiar prolongada em um ambiente de trabalho é capaz de fazer isso com pessoas calmas, imagine então as confusões que podem resultar das discussões entre as pessoas de temperamento explosivo e criativo vivendo e viajando juntas para todos os lados. Alguns acabavam se sentindo desapontados, outros sentiam pena dele. No entanto, apesar de tudo, todos eles cultivavam imenso respeito por suas realizações, mesmo quando sentiam que ele só conquistava o que queria quando se aproveitava deles. (...)
A VIDA DE JAMES BROWN
Autor: Geoff Brown
Editora: Madras
Tradutor: Getúlio Schnoosk
Tradutor: Getúlio Schnoosk
Páginas: 271
Preço: R$ 39,90
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