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Biografia revela música e vida de Fela Kuti, criador do afrobeat; lançamento é neste sábado (25) em SP

RONALDO EVANGELISTA<br>Colaboração para o UOL

24/06/2011 11h45

Fela Kuti era uma força da natureza. O músico e ativista nigeriano, presente no planeta entre os anos de 1938 e 1997, influenciou o mundo, lançou mais de 70 discos, lutou contra o governo, teve 27 esposas (ao mesmo tempo), fundou sua própria república e inventou seu próprio gênero musical, o afrobeat.

Sua inacreditável história, que recentemente rendeu o grandioso musical "Fela!" (financiamento do rapper Jay-Z, três prêmios Tony, sucesso na Broadway e Londres), só poderia mesmo ser contada de uma maneira próxima e particular.

Lançada originalmente em 1982, a biografia "Fela - Esta Vida Puta" foi resultado da experiência do cientista político cubano Carlos Moore, que durante a década de 70 sustentou amizade próxima com Fela. Hoje morando em Salvador, Moore conta que na época morava no Senegal e ia a Lagos três ou quatro vezes por ano visitar o amigo em sua República Kalakuta, na maior cidade nigeriana.

“Na primeira vez que fui à Nigéria, na primeira semana, fui num mercado e ouvi a música do Fela”, lembra o autor da biografia. “Fiquei louco e comecei a perguntar quem era o cara que tinha feito aquela música, onde eu poderia comprar. Me responderam que não, eu não podia, aquela música estava proibida. Aí eu me interessei ainda mais”, ri.

Fela me disse, ‘bem vindo, Carlos, a essa merda que chamam de Nigéria’. Começamos a rir e foi amor à primeira vista

Carlos Moore, autor de "Fela - Esta Vida Puta"

“Até que amigos uma noite me levaram lá para conhecê-lo”, conta. “Ele me disse, ‘bem vindo, Carlos, a essa merda que chamam de Nigéria’. Começamos a rir e foi amor à primeira vista. Isso foi em fevereiro de 74.”

Consequência da intimidade, escrita em primeira pessoa do ponto de vista do músico, a biografia é uma passagem para a cabeça de Fela, em todo seu poder de raciocínio - do polêmico ao revolucionário. A primeira edição brasileira, lançada pela Editora Nandyala, traz prefácio de Gilberto Gil e um epílogo atualizado do autor.

Neste sábado, na Matilha Cultural (rua Rêgo Freitas 542, Centro), em São Paulo, ocorre evento de lançamento do livro, com presença de Carlos Moore, vindo da Bahia, exibição do filme “Music Is the Weapon” (1982) -- documentário de 53 minutos sobre a vida do músico, dirigido por Jean-Jacques Flori e Stephane Tchalgadjieff -- e apresentações da banda paulistana de afrobeat Bixiga 70 e do coletivo de DJs que tocam na Festa Fela, homenagem anual a Kuti. Começa às 18h e a entrada é um agasalho.
 

Afrobeat, gênero e linguagem
Saxofonista, pianista, cantor, Fela considerava o afrobeat como "música clássica africana". A sonoridade única que desenvolveu vinha de sua alta musicalidade e talento para a fusão de profundas tradições negras, africanas, com elementos como o jazz de Miles Davis e o funk de James Brown sob leituras próprias.

“Olha, a coisa está clara”, diz Moore. “Miles Davis falou: ‘Nós criamos estilos de músicas, mas Fela criou um gênero!’ Ele encontrou uma linguagem. No século 20, Fela é o único artista que pode dizer que criou um gênero musical.”

Gênero musical que parece ter encontrado seu ponto máximo de desenvolvimento em tempos recentes, com formações por todo o mundo prestando tributo ao som e às composições de Fela Kuti. Ironicamente, Fela jamais se repetia -- tudo era sempre criado na hora.

“É como se ele tivesse descoberto um universo e simplesmente vivia dentro dele”, analisa o biógrafo e etnólogo. “Ele nunca tocava a mesma música novamente. Havia encontrado uma riqueza de ouvir e interpretar a música em um universo de criação onde não precisava repetir-se.”

Todas as orquestras de afrobeat só existem depois que Fela morre. Foi a morte de Fela que liberou o afrobeat

Carlos Moore, autor de "Fela - Esta Vida Puta"

Bateria polirrítmica, percussão acentuando os contratempos, diálogos de baixo e guitarra, solos de piano elétrico e saxofone intenso, vocais de chamado-e-resposta. Hoje os elementos do afrobeat se tornaram parte da linguagem musical do século 20. Mas enquanto Fela estava presente seu poder de criação era tão amplo e único que chegava a intimidar, tributos não eram tão comum.

“Essa sempre foi a dificuldade do afrobeat”, nota Moore. “Ninguém mais ouvia o que ele estava ouvindo, sabia de onde vinha aquilo, ninguém mais podia tocar aquela música. Veja que todas as orquestras de afrobeat só existem depois que Fela morre. Foi a morte de Fela que liberou o afrobeat.“

A música de Fela, a arma de Fela, vive.

FELA KUTI NA MÚSICA DE...

GILBERTO GIL
Conheceu Fela em uma viagem à Nigéria em 1977 e no prefácio da biografia escreveu que ele é “o mais recente gênio africano”. Sua música, que engloba reggae, forró, samba de roda e tropicalismo, tem ecos com a de Fela especialmente no parentesco nem tão distante entre a música tradicional da Bahia e a da Nigéria.
Crédito da foto: Gerardo Lazzari/Auditório Ibirapuera
CÉU
Fã assumida de estilos como dub, ragga, ethio-jazz e afrobeat, Céu sempre comenta sobre a inspiração e as particularidades dos ritmos em seus shows. Em disco, ode à África surge na faixa “Rainha”, de seu primeiro álbum.
Crédito da foto: Mastrangelo Reino/Folhapress
MARISA MONTE
Desde sempre conhecida pela mistura de estilos com seu som tropicália-chic, Marisa Monte também apontou seu radar para Fela, no disco "Mais", de 1994. Na mesma faixa em que cruza “Ensaboa”, de Cartola, com “Lamento da lavadeira”, de Monsueto, ela canta um trecho (não-creditado) de “Sorrow, Tears & Blood”.
Crédito da foto:EFE
CRIOLO
O rapper que recentemente lançou elogiado álbum "Nó na Orelha" chega a citar em letra que “Fela Kuti devemos escutar”. A pegada nigeriana tem presença forte já na primeira faixa de seu álbum, o afrobeat “Bogotá”.
Crédito da foto: Matheu Bruxel/Folhapress
BIXIGA 70
Banda paulistana com dez integrantes, que parte das ideias de Fela e do afrobeat para buscar caminhos entre música brasileira, latina e afro. Acabam de gravar seu primeiro disco e apresentam-se no evento de lançamento do livro "Fela - Esta Vida Puta", na Matilha Cultural.
Crédito da foto: Peu Robles/Divulgação

"FELA - ESTA VIDA PUTA"
Carlos Moore
Ed. Nandyala
344 páginas, R$ 38
Lançamento sábado (25) a partir das 18h na Matilha Cultural (r. Rêgo Freitas, 542, São Paulo). Entrada: um agasalho.