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Entre sucessos e arrependimentos, Guilherme Arantes celebra 35 anos de carreira e diz que já não é mais um "hitmaker"

O cantor e compositor paulistano Guilherme Arantes em foto de divulgação - Mariana Chiarella/Divulgação
O cantor e compositor paulistano Guilherme Arantes em foto de divulgação Imagem: Mariana Chiarella/Divulgação

FLÁVIO SEIXLACK

Da Redação

28/07/2011 12h08

A carreira de Guilherme Arantes é daquelas de causar inveja nos artistas brasileiros dos tempos atuais. Afinal, são 35 anos de dezenas de grandes sucessos e mais de 30 músicas em trilhas de programas televisivos --a maioria delas em novelas da Rede Globo entre o fim dos anos 70 e o meio da década de 90. Tudo sem nunca ter precisado sacrificar a coisa mais importante para quem não é apenas um cantor, mas um compositor: a riqueza das melodias e a sinceridade de suas letras.
 
O músico paulistano, que completou 58 anos de idade nesta quinta-feira (28), vai comemorar sua bem sucedida trajetória musical com uma sequência de shows que tem seu início no Citibank Hall, em São Paulo, no dia 12 de agosto. O ano de 2011 marca ainda o lançamento de "A Cara e o Coração", tributo feito por bandas de Salvador que conta com reinterpretações das canções de dois dos álbuns mais obscuros de Guilherme Arantes: "A Cara e a Coragem", de 1978 e "Coração Paulista", de 1980 (clique aqui para baixar a canção "Viva!").
 
A carreira do compositor teve seu início em 1974, antes mesmo de ser artista solo. Ao lado dos músicos Claudio Lucci, Egydio Conde, Gerson Tatini e Diógenes Burani, um Guilherme Arantes de apenas 21 anos formou o Moto Perpétuo e lançou com o grupo somente um disco, considerado um dos mais importantes do rock progressivo nacional. Dois anos depois, o pianista estreou sua carreira solo, em um álbum homônimo que fez surgir seu primeiro grande hit: "Meu Mundo e Nada Mais".
 
Era o primeiro de muitos sucessos. Especialmente nos anos 80, o que se ouviu foi uma enxurrada de hits em um curto período de tempo --algo raro nos dias de hoje--, como "Amanhã", "Lindo Balão Azul", "Cheia de Charme", "Loucas Horas", "Pedacinhos", "O Melhor Vai Começar", "Brincar de Viver", "Deixa Chover" e "Fã Número 1", entre muitas outras.
 
Guilherme Arantes descarta carregar, ainda hoje, o rótulo de hitmaker. "Já fui. A gente é muito relativo a um contexto", falou em entrevista por telefone ao UOL Música. "Fui de uma época favorável. Era a classe média da descompressão ideológica com o fim da ditadura. Então, chega a nossa geração e eu posso fazer uma coisa mais leve, porque as pessoas estavam querendo ser felizes. Consegui construir bastante coisa, mas tenho essa consciência, de relativizar. Estava dentro do caldo de cultura e, sem ele, você não consegue prosperar muito", opinou.
 
Nem tudo, entretanto, foi tão fácil quanto parece. Na década de 80, Guilherme Arantes sofreu com críticas por parte da imprensa por falar de amor de forma simples e sincera. "Isso destoava muito do pop rock da época, que era predominantemente masculino", lembra. "Era considerado brega pela crítica, que era toda ácida. A palavra de ordem do rock era uma coisa truculenta, mais 'cocaínica'. Nunca gostei desse negócio da atitude do rock. Sempre achei uma bobagem, um escudo para as pessoas esconderem os seus sentimentos".
 

Guilherme Arantes - "Taça de Veneno"

O lado doce e romântico das letras do cantor é, segundo o próprio, fruto do fato de ter sido criado por mulheres. "Também sempre fui muito fã de artistas com alma feminina --como Chico [Buarque] e Vinícius [de Moraes]-- e da bossa nova, que é muito afeminada. É muito 'barquinho', 'beijinho', 'cantinho'. Tudo muito carinhoso, gostoso. Então, fiquei com uma característica de uma música bastante feminina e sentimental".
 
Olhando para trás, o pianista não consegue se lembrar de grandes arrependimentos nos 35 anos de carreira, mas gostaria de ter tratado a imprensa melhor e evitado declarações que magoaram algumas pessoas. "Às vezes a gente é infeliz. Tinha visões preconceituosas no passado, principalmente com a imprensa. Devia ter tido mais amigos jornalistas, ir menos preparado para a porrada e mais aberto à troca. Às vezes, não era bem compreendido e ficava dando o troco, com ódio dos jornalistas. Foi uma lacuna na minha educação", lembra. 
 
Guilherme cita ainda as capas de seus álbuns como outro arrependimento. "Por conta dos fotógrafos e das escolhas da gravadora, querendo que eu fosse um 'cantante romântico' na linha de Julio Iglesias e Roberto Carlos, caí, muitas vezes, em armadilhas", diz, referindo-se às imagens de discos como "Despertar" (1986) e "Calor" (1986). "Mas acho que os enganei direitinho. Achavam que estavam gerando um 'cantante romântico', mas estavam criando um compositor que permaneceu".

Além das apresentações comemorativas ao redor do país, Guilherme Arantes pretende relançar o trabalho "New Classical Piano Solos", de 2000, que considera "muito especial" em sua carreira. Mas o cantor e compositor não pretende lembrar eternamente do glorioso passado e já pensa em um próximo álbum. “O que eu quero mesmo é fazer músicas novas no ano que vem. Vou preparar um disco bem pop rock, com a cara da minha geração”. 
 

Leia mais trechos da entrevista com Guilherme Arantes

Músicas em novelas"Acho que atualmente que as novelas estão precisando mais de mim. Não vejo as novelas emplacando canções da forma que poderia. As músicas tocavam muito mais no ar antigamente. É uma doença moderna essa eterna aferição da audiência. Se você ficar aferindo o tempo todo, você está gerando uma sociedade totalmente conservadora e totalitária".
Composição mais importante"No momento está sendo 'Um Dia, Um Adeus'. Acho que é uma das melhores que eu fiz em todos os tempos. É difícil dizer. Na minha opinião, há músicas mais desconcertantes, como “Amanhã”. Acho que fui muito feliz, é um momento muito pungente e 100% Moto Perpétuo. Eu era um cara muito angustiado na época e isso é perceptível na música".
O rock nos tempos atuais"Todo mundo é muito bem comportado. Temos uma Amy Winehouse [a entrevista foi feita antes da morte da cantora] solitária dentro de seu mau comportamento, mas o que esperamos de um Rock in Rio? Todo mundo cumprindo o roteiro. Ninguém vai c**** pro sistema, ninguém vai estar bêbado, vai todo mundo entrar muito bem azeitado. Sabe o que está faltando? Gente vomitando no palco, quebrando guitarra, os maus comportados. No fundo, são todos um bando de Sandy. Tudo cai no ridículo muito cedo e é todo mundo muito bem comportadinho, todo mundo muito politicamente correto. Acho isso meio sacal".
Nova geração da música brasileira"A geração nova é mais leve, menos heroica. Mas lutam com muita dificuldade. Olho essas bandas e morro de pena, porque eles têm pela frente uma competição muito desleal do mercado, que privilegia a porcaria e a esperteza. Há uma predominância das linguagens que já vêm com um passaporte para o sucesso, como o sertanejo (com o agronegócio para bancar), o forró e o axé. A desproteção da MPB e do pop no Brasil é muito grande, são gêneros que não tem proteção de mercado. As bandas de rock tem que lutar em desigualdade. Faz falta um Chacrinha e especiais infantis".
Moto Perpétuo"Foi uma super banda, com músicos sensacionais. Tenho muito orgulho. O pouco que a gente realizou é uma coisa brilhante e arrasadora, com a contribuição de todos. Tenho muita saudade e acho que a gente foi muito íntegro. Acho uma banda melhor do que as outras progressivas da época. Foi uma geração de ouro muito injustiçada".
O piano"O piano tem sua expressão. Acho que o fato de tocar piano impõe um rigor típico de uma pianista nas melodias, mas também falta muito suingue e balanço, que a guitarra e a percussão puxam mais".
Gravação dos discos"Eu fiz parte da ultima geração antes da entrada da computação na música. Era a estrutura de gravar em fita e em mesa analógica. Tenho uma tendência de gravar a música do começo ao fim, se erro no meio eu paro e quero voltar. Peguei ainda os últimos pianos eletroacústicos e a maneira de gravar era muito nobre".
Indústria musical"É preocupante ver que as novas gerações têm muita dificuldade em construir as suas lendas, o que na música é fundamental. É tudo muito rápido, mundo muito ruidoso de informação e os conteúdos estão muito ralos. As pessoas vivem pra fazer shows. Tive uma época em que não fazia show, ficava em casa fazendo coisas mirabolantes de criatividade, porque tinha que encontrar um lugar ao sol. Ninguém está em casa amadurecendo novas ideias mais, as pessoas estão correndo atrás de um som ao vivo pra ganhar algum trocado e aí não se geram coisas mais caudalosas, que precisam de mais tempos de reflexão".
Os hits"As gravadoras aproveitam meus anos de maior fertilidade, que também coincidem com os anos de ter filhos, de casar e descasar. É todo um 'roller coaster' da vida que acontece entre os 25 e 38 anos, quando é uma loucura a vida da gente, parece um moedor de carne. Aconteceu tudo nessa fase para mim e as gravadoras aproveitaram".
O vinil"Nunca deviam ter abandonado o vinil. Isso foi um erro trágico. As gravadoras deviam ter dividido o elenco e uma parte devia ter continuado com a estrutura analógica. Agora a indústria está tentando achar um caminho para a música ainda ser um conteúdo pago".
A volta dos anos 80"Fiz de tudo para não participar de um movimento chamado Trash 80’s. Até o meu empresário na época achava uma boa, foi uma falta de visão bem grande. Eu faço parte do melhor dos anos 80, ao lado de Marina, Lulu Santos e outros que vieram depois, como Legião Urbana e tantas bandas. Acho que eu tive a minha cota de nos anos 80 eu fazer coisas bacanas, investir na Bossa Nova. Ouvir que o Tom Jobim acha as minhas harmonias ricas e que eu sou um bom compositor quer dizer que toda a luta valeu".

GUILHERME ARANTES EM SÃO PAULO

Quando: 12/08, a partir das 22h
Onde: Citibank Hall (Av. dos Jamaris, 213, Moema)
Quanto: R$ 130 (camarote e mesa vip), R$ 100 (mesa setor 1), R$ 70 (mesa setor 2) e R$ 50 (mesa setor 3); há meia-entrada para todos os setores
Ingressos: pela site www.ticketsforfun.com.br e nos pontos de venda credenciados