Topo

Com show-tributo em SP, emblemático "Cabeça Dinossauro" dos Titãs é desabafo primal do adolescente médio

A formação clássica dos Titãs --com Tony Bellotto, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Marcelo Fromer, Nando Reis e Charles Gavin-- subiu ao palco do Rock In Rio 2 com o produtor Liminha na guitarra (1991) - Sérgio Moraes/Cedoc Editora Globo
A formação clássica dos Titãs --com Tony Bellotto, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Marcelo Fromer, Nando Reis e Charles Gavin-- subiu ao palco do Rock In Rio 2 com o produtor Liminha na guitarra (1991) Imagem: Sérgio Moraes/Cedoc Editora Globo

Daniel Benevides

Especial para o UOL

08/03/2012 13h10

Houve um tempo em que John Lennon seguia a terapia do grito de Janov, como forma de resolver seus traumas de infância. As explosões guturais de "Mother", por exemplo, vêm daí. De certa forma, "Cabeça Dinossauro" dos Titãs também. Não exatamente como plataforma de catarse da dor reprimida, mas como o desabafo primal do adolescente médio, aquele que não suporta as limitações impostas pela igreja, a família, o Estado, a polícia etc. Não à toa, a capa é ilustrada por um desenho de Da Vinci chamado "A Expressão de Um Homem Urrando". 
 
Agora, o emblemático disco dos Titãs, lançado em 1986, será apresentado na íntegra em uma série de shows em São Paulo, que começa nesta quinta-feira (8) e vai até sábado (10), e depois retorna de 14 ao dia 17, às 21h30, no Sesc Belenzinho. Os ingressos estão esgotados para todas as datas.
 
Com inteligência e criatividade, os oito Titãs souberam canalizar a insatisfação genérica que vinha sendo abafada desde a ditadura e que ressurgia, naquele ano ainda fragilmente democrático de 1986, como um protesto com alvos muito precisos, mas argumentos bem inespecíficos. Havia algo de podre no ar, e esse algo podia ser tantas coisas que o jeito mais incisivo de expressá-las poderia ser também o menos sofisticado, o menos consciente, o menos intelectualizado.
 
Mas esse movimento para a essência bruta, essa energia que moveu os Titãs a soltarem um intenso grito em forma de disco é também puramente conceitual. E por isso “Cabeça Dinossauro” é um bem-sucedido encontro da intenção artística objetiva, programática até, com a rebeldia sem causa (ou com muitas causas), difusa, poderosa e quase pueril.
 
Alguns versos realmente não passariam numa prova de redação do ginásio, mas há uma certa esperteza até nisso, uma ligação direta com o inconsciente coletivo, sem ambiguidades e muito menos sutilezas. A ironia, quando existe, vem montada num mamute. O grito estava mesmo preso na garganta, era preciso extravasar, e os Titãs representaram bem o zeitgeist dos 80, aproveitando algumas manifestações punk mais autênticas, de Ratos do Porão às Mercenárias, e misturando-as ao repertório eclético e pop dos dois discos anteriores da banda.
 
O resultado é arrasador, um hit atrás do outro (só uma música não foi parar no rádio), alguns deles hinos eternamente adolescentes, feitos para cantar em grandes estádios a plenos pulmões ("Bichos Escrotos", "Polícia", "Igreja", "Estado Violência", "Homem Primata") e também algumas bobagens descartáveis, que parecem mais sobras de outras ideias do disco, como "Tô Cansado", "Porrada" e "Dívidas". 
 
Mais da metade das músicas está na memória de cada brasileiro, desde os que gostam de pagode até os mais roqueiros. No entanto, quatro delas merecem menção especial. A música-título, com sua batida tribal, e o empolgante funk-new wave "O Que" representam mais intensamente que as outras a energia pura do protesto, desabafo ou que nome venha a ter o grito que estava entalado. É o quê? O que não poder ser? Claramente é o velho estado das coisas, os dinossauros do rock, da política, da moral, os velhos e pançudos corruptos, o luxo, o lixo. É a poesia concreta indo aonde o povo está. 
 
"Família" é aquela que destoa de todo o disco, a mais bem-humorada, ensolarada, um reggae amigável, de que até as crianças gostam. E finalmente, "AA UU", a música-grito, talvez a mais emblemática, cujo sentido máximo é ainda mais minimalista que em "O Que". Apesar de conter também uma letra, com sentidos mais ou menos claros, é a essência da manifestação não-verbal, por conta do refrão-título expelido com raiva por Sérgio Britto. 
 
Com todas suas limitações, "Cabeça Dinossauro" é um discaço, cuja ressonância foi ainda mais ampliada pela excelente e providencial produção de Liminha, que soube dar peso ao duo de guitarras, baixo e bateria e, principalmente aos coros em uníssono, marca forte do grupo.
 
*Daniel Benevides é jornalista e coordenador de comunicação da editora Cosac Naify
 

TITÃS TOCA "CABEÇA DINOSSAURO" EM SP

Quando: de hoje a sáb (10), e de 14 a 17/03, às 21h30
Onde: Sesc Belenzinho (rua Padre Adelino, 1.000)
Ingressos: esgotados
Informações:  0/xx/11/2076-9700