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Impedida de tocar violão, Calcanhotto diz que se "sentiu livre" para usar secador de cabelos em show

Adriana Calcanhotto e Davi Moraes no show "Micróbio Vivo" (2012) - Divulgação
Adriana Calcanhotto e Davi Moraes no show "Micróbio Vivo" (2012) Imagem: Divulgação

Renato Damião

Do UOL, no Rio

29/05/2012 18h27

Em outubro de 2011, Adriana Calcanhotto levou ao palco do espaço Tom Jobim, no Rio, o show da turnê do álbum “Micróbio do Samba”. Ao lado dos músicos Domênico Lancellotti, Alberto Continentino e Davi Moraes, o registro se tornou um DVD nas mãos da diretora Clara Cavour e vai ao ar no próximo domingo, 3, pelo canal a cabo Multishow.  Para falar sobre o projeto, o primeiro destinado ao público adulto desde “Público”, de 2000, a cantora e compositora recebeu o UOL nesta terça (29) na sede de sua assessoria, uma casa na Gávea, zona sul do Rio.

“Tivemos uma sorte de registrar num dia muito especial. Foi um showzaço (sic), uma combinação ótima nossa no palco com aquela plateia”, disse ela, que no palco aparece livre do violão e da guitarra, por conta de uma lesão no punho direito. “Em vez de ficar me sentindo impedida de tocar, eu me senti livre para inventar outras coisas e fui enchendo minha mesa de objetos”, explicando a "troca" que fez por instrumentos menos convencionais, como um secador de cabelos, pratos e xícaras.

Aos 46 anos, ela ainda se diz “curiosa” com o que vem acontecendo musicalmente. “Sempre fui uma pessoa que gostou do seu tempo, nunca quis viver no passado, numa época que não era a minha. Também não fico aflita de estar envelhecendo ou de querer estar à frente do tempo”, garantiu ela, que volta a apresentar o show "Micróbio Vivo" nos dias 7, 8 e 9 de junho em São Paulo. Leia, abaixo, a entrevista completa com a cantora:

UOL – Seu último DVD para o público adulto foi o “Público”, de 2000. Qual a importância de ter feito o “Micróbio Vivo”?
Adriana Calcanhotto - Foi muito importante registrar porque eu acabei não fazendo registro nem do álbum “Marítmo”, nem do “Cantada” e nem do “Maré”. E o “Micróbio” tem muitos elementos de teatro. Nós filmamos em um momento da turnê no qual já tínhamos feito muitos shows, mas ainda assim havia um frescor. Tivemos a sorte de registrar em um dia muito especial. Foi um showzaço (sic), uma combinação ótima nossa no palco com aquela plateia. O DVD é muito fiel ao que aconteceu naquela noite.

UOL – No DVD é possível perceber que você está muito à vontade no palco. Além de fazer algumas performances, há recursos cênicos como a chuva de confetes na canção “Tão Chic”. Ter trabalhado no projeto infantil “Partimpim” te ajudou a encontrar esse conforto?
Calcanhotto  - Eu não encaro dessa forma, mas todo mundo diz isso, inclusive os meninos da banda que estavam no “Partimpim”. Na verdade, antes de fazer shows com o meus instrumentos, os shows que eu fazia em Porto Alegre eram extremamente teatrais. Eu não tocava tanto, eu dançava e fazia maluquices. As performances são do tempo que eu estava no Sul, para mim não é uma novidade.

UOL – E o que você encara como uma novidade no “Micróbio Vivo”?
Calcanhotto  - No “Micróbio” nós alcançamos um nível de espontaneidade e uma dinâmica quase de uma banda de jazz. E essa sintonia musical, intimidade e cumplicidade são novas para mim.  A gente toca de uma maneira diferente a cada noite. Dependendo de mim e da minha combinação com a banda e plateia naquela noite posso repetir o refrão duas vezes ou uma. Parece fácil, mas é uma coisa que você chega a partir de um desenvolvimento de trabalho. Por isso chamo de “Micróbio Vivo”, porque é algo que está vivo, acontecendo.

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UOL – Buscar essas sonoridades em pratos, xícaras e até um secador de cabelos foi uma maneira de sanar a impossibilidade de tocar o violão, por exemplo?
Calcanhotto  - No primeiro momento quando eu vi que não podia tocar violão pensei que fosse um castigo. Quando eu parei de pensar como um castigo e comecei a encarar como um desafio ficou mais divertido. Em vez de ficar me sentindo impedida de tocar, eu me senti livre para inventar outras coisas e fui enchendo minha mesa de objetos.

UOL – Mas como você conseguiu chegar ao secador de cabelos, por exemplo?
Calcanhotto  - Esses elementos, instrumentinhos (sic), intervenções, são coisas que eu faço no estúdio, nas minhas gravações, mas que as pessoas não conseguem muito identificar quando escutam o álbum. O secador de cabelos, por exemplo, é uma solução para a guitarra suja que eu toquei no disco e não poderia fazer no show.

UOL – No show do “Micróbio” você canta “Argumento”, do Paulinho da Viola, dos versos “não me altere o samba tanto assim”, mas você foi lá e alterou.
Calcanhotto  - Acho que o samba é invenção e que cabe muito mais alteração do que eu fiz. A minha ideia nem era alterar, era só explicitar as influências do samba no que eu faço e que já era muito explícita, mas eu não tinha me esparramado em um disco inteiro. Isso só aconteceu quando eu vi que tinha uma safra inteira de sambas compostos.

UOL – Você excursionou por países como Itália, Suíça e Eslovênia. Como os estrangeiros receberam o seu samba?
Calcanhotto  - Muito do que se imagina ser o samba, fora do Brasil, é o que acontece nos desfiles da escola de samba. Quando as pessoas descobrem que o samba pode ser de outro jeito, inclusive do meu jeito, se abre uma possibilidade incrível. O samba não está acontecendo apenas no Carnaval, como o olhar estrangeiro médio imagina. A gente pode mostrar que pode ser diferente, que o samba é mais aberto.

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Muito do que se imagina ser o samba, fora do Brasil, é o que acontece nos desfiles da escola de samba. Quando as pessoas descobrem que o samba pode ser de outro jeito, inclusive do meu jeito, se abre uma possibilidade incrível

sobre os shows na Europa

UOL – Sua carreira mistura elementos variados, desde músicas que se tornaram hits ao tocarem em novelas, passando pelo projeto infantil “Partimpim” e agora com um álbum de samba. Você é uma artista que busca novidades?
Calcanhotto  - Eu não sou de ficar parada. Sou curiosa, gosto de saber o que as pessoas estão fazendo. O Wally [Salomão, poeta] me vendeu uma vez uma teoria de que os acontecimentos são como uma malha. Então para mim os artistas novíssimos, antigos e meus ídolos são tudo uma coisa só e eu acompanho isso tudo. Estava ouvindo o novo disco da Rita Lee e é um disco da Rita Lee de agora. Isso reflete nas coisas que eu faço, sempre estou me nutrindo, me munindo das coisas que são novas e não novas.

UOL – E quanto ao “Partimpim”? Já dá para pensar no terceiro projeto?
Calcanhotto  - Essa pergunta deve ser feita para ela. [Risos] Mas tudo pode acontecer. Eu sinto que o que começa a mover a Partimpim é a pressão das crianças. Elas comentam, perguntam. A Partimpim é muito forte não só no Brasil, mas também na Espanha, Argentina, Itália e Portugal. Quando as crianças começam a me perguntar eu começo a me comover.

UOL – Em 2010 você declarou apoio à candidatura da Marina Silva para presidente. Como você tem olhado para o governo da presidente Dilma Rousseff, principalmente no que diz respeito ao novo Código Florestal?
Calcanhotto  - Acho que ela poderia ter vetado tudo. Quanto à Marina, eu sou uma formiga dela. O que ela precisar de mim, eu sou uma humilde voluntária. Estou com ela, a considero importante para o mundo. O Brasil tem a Marina e eu acho que a gente não deveria desperdiçar essa oportunidade.

UOL – Além da música, você chegou a se aventurar pela literatura com o “Saga Lusa”. Existe algum projeto literário?
Calcanhotto  - Não existe, eu estava louca quando escrevi. Precisaria ficar louca de novo para escrever outro livro. [Risos]


Adriana Calcanhotto no SESC Pinheiros
Quando: 7,8 e 9/06
Quanto: De R$ 8 a R$ 32
Onde: SESC Pinheiros -
Rua Paes Leme, 195, Pinheiros