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Ronnie Von volta aos palcos após 15 anos e diz que fase psicodélica foi a melhor

Léo Von filho caçula do Ronnie Von,  presenteou o pai durante a gravação do programa "Todo Seu", na Gazeta (9/08/2012) - Milene Cardoso / AgNews
Léo Von filho caçula do Ronnie Von, presenteou o pai durante a gravação do programa "Todo Seu", na Gazeta (9/08/2012) Imagem: Milene Cardoso / AgNews

Daniel Solyszko

Do UOL, em São Paulo

10/08/2012 07h00

Depois de 15 anos fora dos palcos, Ronnie Von volta para debaixo dos holofotes nesta sexta-feira (10) e no sábado (11) como convidado especial do seu filho, Léo Von, que apresenta um repertório inteiramente baseado nas canções do pai.  As apresentações, concebidas como uma comemoração especial do Dia dos Pais, acontecem no Café Paon, no bairro de Moema, em São Paulo.

Em entrevista por telefone ao UOL, Von explica por que ficou tanto tempo afastado dos palcos e diz que ter abandonado sua fase psicodélica, hoje em dia bastante cultuada, é o grande arrependimento da sua vida. O cantor ainda comentou sobre o início da carreira, Jovem Guarda e Tropicália, além de relembrar algumas histórias curiosas. 

Leia a íntegra a seguir:

UOL - Sobre o novo show, o que motivou essa volta após 15 anos longe dos palcos?
Ronnie Von - Primeiramente eu queria esclarecer a “volta triunfal aos palcos” de que todos estão falando. Isso chegou a sair em 18 publicações. Na verdade é um show do meu filho baseado no meu repertório, vou fazer apenas uma participação. Queremos explorar um repertório mais lado B, mas claro que ele vai tocar os hits também.

Milene Cardoso / AgNews
Hoje em dia é possível gravar um disco por R$ 1, antigamente se gastava US$ 80 mil, US$ 100 mil. Havia muito jabá na época, e isso me incomodava muito.

Ronnie Von, sobre o abandono da música e dos palcos e a ausência de 15 anos

Mas por que tanto tempo sem se apresentar?
Os discos deixaram de vender, eu não viajava mais. Viajar de avião hoje em dia é terrível, é melhor pegar uma rodoviária do que um aeroporto.  E além disso voltei a fazer TV, o que ocupa muito o meu tempo. Trabalho praticamente de domingo a domingo. Parar de fazer shows foi uma decisão consciente, decidi fugir do status quo. Eu era um produto das gravadoras. Hoje em dia é possível gravar um disco por R$ 1, antigamente se gastava US$ 80 mil, US$ 100 mil. Havia muito jabá na época, e isso me incomodava muito. Eram valores absurdos, como pagar US$ 2 milhões para apresentadores de rádio. Cheguei a ver gente ganhando casa na Flórida de presente, carros importados. Mas claro que eu sentia falta, se apresentar é uma experiência. Eu diria que subir ao palco e cantar é algo que te aproxima da divindade. 

Você disse que o repertório será mais lado B. Podemos esperar músicas da sua fase mais psicodélica? 
A fase psicodélica vai estar lá com a mais absoluta certeza, essa fase é a paixão do meu filho. 

Como você avalia esse período da sua carreira hoje? 
Eu gravei meus discos mais importantes nessa época. O disco que fiz com Damiano Cozzela (nota: arranjador musical; o disco é “Ronnie Von”, de 1968), que eu considero um verdadeiro gênio, acabou sendo execrado publicamente. Deve ter vendido 2 cópias: uma comprada pelo meu irmão e outra pela minha mãe. Hoje em dia ele é cultuado, um original chega a ser vendido por 450 mil dólares. Uma publicação austríaca chegou a considerá-lo o melhor disco psicodélico da história. O meu grande arrependimento foi não ter seguido esse caminho na minha carreira. Na época muita gente de gravadora ficou indignada, ninguém conseguia entender. Me diziam: “Isso não tem futuro”. Perdi uma grande oportunidade de ser feliz comigo mesmo. As pessoas falam em voltar no tempo e viver tudo novamente. Eu jamais faria tudo igual, pelo contrário, faria tudo diferente: queria estar sempre mudando. 

Qual foi a importância para os discos dos produtores e arranjadores com que você trabalhou nesse período? 
Damiano Cozzela foi o maior de todos. Outros como Rogério Duprat também tiveram um papel muito importante. Uma pessoa fundamental foi o produtor Arnaldo Saccomani. Hoje em dia ele é uma personalidade de televisão e produz música popular, eu acho que poucas pessoas conseguem fazer essa ligação. 

Milene Cardoso / AgNews
O nome dos Mutantes veio de um livro, “O Império dos Mutantes” devia ser do Isaac Asimov (nota: na verdade o autor é Stefan Wul).

Ronnie Von, sobre como deu o nome para a banda de Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sergio Dias

Você trabalhou com os Mutantes. É verdade que você sugeriu o nome da banda a partir de um livro de ficção científica? Você era, ou ainda é, fã do gênero? 
Eu descobri ficção científica numa época bastante divertida. Comecei com Julio Verne, como muita gente. Meu pai era um intelectual, lia muito, e sempre me estimulou a ler também. Depois de grande eu acabei ficando um nerd, tenho a série inteira de “Star Trek”, essas coisas. Para quem curtia Godard e lia a Cahiers du Cinema, é engraçado isso. O nome dos Mutantes veio de um livro, “O Império dos Mutantes” devia ser do Isaac Asimov (nota: na verdade o autor é Stefan Wul). Eu era muito amigo da Rita Lee, na época ela tinha acabado de largar sua primeira banda, O’ seis, e me pediu para sugerir um nome para sua nova banda. Eu estava com o livro em cima da mesa e pensei: “é isso, os Mutantes”. 

Eles tocaram no seu terceiro disco não foi? Como você acabou trabalhando com eles? 
Sim, eles tocam praticamente no disco todo.Meu pai era diplomata e sempre viajava para a Inglaterra, trazia muitos discos que normalmente demoravam 6 meses, quase um ano para chegar aqui. Um disco que me marcou muito foi o “Revolver”, dos Beatles. Falam muito em “Sgt. Pepper´s”, mas para mim a grande virada, o momento marcante deles aconteceu com esse disco. Na época eu tinha um contrato com a Record e fazia um programa de TV. Os Mutantes estavam começando e chamei-os logo no começo, chegaram a tocar em um programa inteiro. Eu gostava muito de música erudita, e queria usá-la de uma maneira futurista. A Rita tocava coisas assim na guitarra, e os Mutantes chegaram a tocar comigo o “Revolver” inteiro ao vivo. A mãe dos irmãos Batista chegou a compor o arranjo para a versão que fizemos de “Eleanor Rigby”, ficou igualzinho. Foi aí que eu cheguei pra eles e disse “Agora vocês decolaram”. No terceiro disco que eu gravei os Mutantes me acompanham em quase todas as faixas. Nesse disco tem parcerias também com os Beat Boys, um grupo argentino da época, e com o Caetano Veloso. 

Seu disco seguinte acabou sendo ainda mais radical.
Sim, completamente. Trabalhar com Damiano Cozzela foi uma experiência. 

Uma musica como “Anarquia”, desse disco, parece bastante antenada com o espírito da época, a letra chega a lembrar as frases pichadas nos muros em maio de 68. Isso foi uma influencia consciente? 
Era uma música claramente libertária. Não sei como passou pelo censor, devia ser alguém muito desinformado. Talvez por ser um rock, e eles estarem na época mais focados na MPB.  Na verdade ela era uma crônica urbana, não sei se tem essa influência direta. Mas certamente tinha uma intenção política, ideológica e principalmente filosófica. Havia nesse mesmo disco outra música com uma mensagem parecida, chamada “Nada de Novo”, que dizia: “Assalto a trens e bancos, e a polícia não tem pista/ que vou fazer/é sempre assim”. 

Acervo Uh/Folhapress
Eu era amigo da Elis Regina e ela me criticava muito por gostar de rock, achava que aquilo era coisa de alienado

Ronnie Von, sobre o relacionamento com os integrantes da Tropicália

Como era o seu relacionamento nessa época com o pessoal da Tropicália? O Caetano Veloso chegou a compor uma música para você, não foi? 
Sim, e gravou comigo também (nota: a música é “Pra Chatear”). Havia um contato estreito. Eu achava que a Tropicália era o único movimento autêntico, de verdade, na música brasileira. Na época havia manifestações na rua contra o uso de guitarras. Eu era amigo da Elis Regina e ela me criticava muito por gostar de rock, achava que aquilo era coisa de alienado. Eu admirava muito a atitude deles, de pessoas como o Gilberto Gil, que inicialmente era bastante admirado pelo pessoal mais xiita e acabou fazendo uma coisa completamente radical.  Eu nunca participei diretamente da Jovem Guarda. Fiz parte de certo modo, comecei paralelamente a isso, e como não me encaixava na MPB acabaram me rotulando assim. Mas o movimento que eu realmente admirei foi a Tropicália. Tentei fazer algo parecido, mas nunca consegui o que eles conseguiram. Eu via o movimento como uma vanguarda com apelo popular. Com o tempo acabei me distanciando deles, nossos empresários se desentenderam por causa de interesses econômicos. Mas para mim foi o último grande movimento da música brasileira, depois disso tudo ficou muito comercial. 

Você ouvia o rock inglês da época, além dos Beatles? 
Minha escola musical foi realmente os Beatles e, antes disso, rockabilly. Sempre gostei muito de jazz e blues também. 

Você percebe a influência dos seus discos na musica de hoje? O que tem ouvido? 
É engraçado, hoje em dia eu sempre recebo bandas estrangeiras no meu programa. Os caras do Deep Purple já foram lá, bandas de hard rock. Sou muito fã da Jane Monheit, tenho vários discos dela. Quando eu a conheci não podia acreditar, ela veio me procurar e eu passei mal, quase desmaiei, fiquei todo nervoso. Um banda americana veio aqui, quis me encontrar e falou que foi muito influenciada por mim, não lembro o nome (nota: A banda é a Vampire Weekend). Para mim é muito estranho passar por esse tipo de experiência, não estou acostumado. Bandas brasileiras também fizeram um tributo à minha fase psicodélica alguns anos atrás. Eu tenho ouvido muito Rush com o meu filho. E escuto música clássica do século 18, Vivaldi, Mozart. Standards da música norte-americana: Ella Fitzgerald, Ray Charles. Gosto muito de jazz também, descobrir coisas como algum disco nunca lançado de Miles Davis.

Serviço:
"De Pai pra Filho" - Show de Léo Von com a participação especial de Ronnie Von
10 e 11 de agosto - 22h
CAFÉ PAON
Avenida Pavão 950 – Moema
Fone: (11) 5041-6738 / 5533-5100