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Representante da Tropicália, Tom Zé confessa que teve medo de mergulhar novamente no tema

Tom Zé promove o novo CD "Tropicália Lixo Lógico" - André Conti/Divulgação
Tom Zé promove o novo CD "Tropicália Lixo Lógico" Imagem: André Conti/Divulgação

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

12/09/2012 14h16

Se algum dia Tom Zé sentiu raiva de Caetano Veloso --como na ocasião em que mandou o cantor tomar no c..., durante um show em São Paulo em 2008--, esse sentimento ficou para trás. Hoje, Tom Zé coloca Caetano, ao lado de Gilberto Gil, num pedestal quando o assunto é Tropicália, movimento que os três juntos ajudaram a construir no final da década de 1960.

  • Pedro Vilhena

    Mallu Magalhães e Tom Zé nas gravações do CD. "Eu fiquei tão excitado quando ela veio me ver que eu fiz logo três musicas", contou o baiano

Nos shows feitos recentemente para promover seu novo disco, "Tropicália Lixo Lógico", trabalho em que revisita o movimento, Tom Zé usa um rabo de macaco para demonstrar sua devoção a Gil e Caetano. Ao UOL, o artista explicou que a exótica homenagem vem dos tempos dos faraós. "Quando um faraó queria representar um Deus, ele usava um rabo. Isso mostra que se ele pudesse transitar para uma espécie abaixo, poderia também transitar para cima”, contou.

Entre filósofos e romancistas, numa interpretação única de Tom Zé, o baiano recorre até a Aristóteles para explicar o significado do nome que deu ao álbum. A tese --de que lixo lógico é o conhecimento adquirido até os oito anos de idade e que deveríamos dispensar ao entrar em contato com ensinamentos de mestres e professores-- é explicada na música de mesmo nome.

Em uma conversa peculiar, Tom Zé ainda falou sobre o medo que sentiu ao se aprofundar no tema da Tropicália e o encontro com os jovens artistas que participaram do álbum: Emicida, Mallu Magalhães, Rodrigo Amarante, Pélico e o estreante Washington. Esse último apareceu na vida de Tom Zé graças ao tio do jovem, que vende roupas de cama pelas ruas de Perdizes, bairro paulistano onde Tom Zé mora. "O vendedor me disse que seu sobrinho cantava bonito, pedi então para ouvir uma gravação. Eu sempre pego uma centena de coisa, mas uma aparece e você cai para trás".

Veja Mallu Magalhães e Tom Zé gravando "Tropicalea Jcta Est"


UOL - O que vem a ser o "lixo lógico" que dá nome ao álbum?
Tom Zé - Uma vez me perguntaram se era uma ironia, mas se você prestar atenção vai ver que não é isso. 'Lixo lógico' é uma coisa que ficou habitual na publicidade. Na década de 1970, Herbert McLuhan (filósofo canadense, autor de "Meio É A Mensagem") chamou isso de reversão do meio superaquecido. O que é lixo se torna a coisa mais preciosa. Nesse livro, ele discorre sobre essas coisas que, por estarem cansativamente representando uma face da imaginação, às vezes mudam completamente para representar a outra face.

E como isso se relaciona com a lógica aristotélica?
Quando temos oito anos de idade e chegamos na escola primária, tomamos conhecimento de Aristóteles e vemos a diferença entre aquilo que o professor explica e o nosso raciocínio até então. Uma criatura com oito anos está pronta para ser um homem em qualquer sociedade. Aprendeu tudo: as relações religiosas, mitológicas, de trabalho, de amor. Quando a gente compara o processo de raciocínio do professor com o que a gente faria, dá apenas uma pequena diferença. Essa diferença é o lixo lógico que dizem para jogarmos fora, mas o cérebro humano não joga nada fora. Se você quiser saber do tempo em que era uma mulher da caverna, é só futucar muito aqui [ele aponta para a nuca da repórter]. Em 1969, aquela agitação cultural pegou dois gênios como Gil e Caetano e funcionou como um gatilho disparador que fez vazar "o lixo" do hipotálamo para o córtex. Quando foram instigados a pensar um Brasil diferente, disseram: "deixa com a gente".

Quando você está bem no meio, como estou, vendo pessoas como Gil e Caetano, que elaboraram um momento da vida nacional que repercute até hoje, é claro que tenho medo de tratar desse assunto

Tom Zé, músico

Você havia dito que ficou com medo de se aprofundar no Tropicalismo. Por quê?
Eu uso um rabo [de macaco] no show para seguir uma tradição do Egito. Lá, o faraó era um Deus, mas quando ele queria representar um Deus nas cerimônias, ele usava um rabo. Eu li no [livro] "José, o Provedor", de Thomas Mann. José se tornou o primeiro ministro daquele país imenso porque decifrou um sonho do rei. Ele era escravo e virou o dono do Egito. José começou a dar lições, disse que o rei deveria tomar mais cuidado com as lavouras boas. Também falou muitas coisas de natureza política.

E o que isso tem a ver com o medo?
Entre outras coisas se conta que o faraó usava rabo. Se uma pessoa tinha que representar um Deus, que está um passo acima da espécie, ele usava um rabo, mostrando que se ele pode ir uma espécie abaixo, ele pode ir uma acima também. Quando você está bem no meio, como estou, vendo pessoas como Gil e Caetano, que elaboraram um momento da vida nacional que repercute até hoje, é claro que tenho medo de tratar desse assunto. Estou lidando com coisas sagradas, que alimentaram a nação.

 

Você coloca Gil e Caetano lá em cima, mas também ajudou a construir o Tropicalismo, não?
Tem hora que você precisa colocar as pessoas que foram cabeça de ponta, e depois a gente entra junto. Não tem problema. Isso não quer dizer que eu esteja me tirando disso.

Como foi o trabalho do Daniel Maia, que cuidou da produção do novo disco?
Ele teve que fazer com que a música "Apocalipsom A (O Fim No Palco do Começo)" capaz de abrir o disco. Não é a melhor, mas é uma música capaz de abrir o CD. Eu dizia assim: "Daniel, vamos trabalhar, porque tem um monte de gente torcendo contra". Morria de medo. Todo dia era um pavor. Neusa [mulher de Tom Zé], que é sempre um crivo lá em casa, era chamada quando a música estava quase pronta. Quando não estava bom, ela dizia: "Não é digno de você. Jogue fora, saia daí". Então, quando ela ficava satisfeita, era um sinal de que estávamos no caminho certo.

Eu fiquei tão excitado quando ela (Mallu Magalhães) veio me ver que eu fiz logo três músicas

Tom Zé, músico

Como você conheceu o cantor Washington?
Eu conheci o tio dele, que vendia colchas na rua. Ele disse que seu sobrinho canta muito bonito e eu disse para ele me mostrar um disco. Na semana seguinte ele me trouxe. Eu sempre pego uma centena de coisas para ouvir, mas aí uma aparece e você cai para trás. Esse rapaz cantando é assim, com uma voz aguda, linda. Fiquei o tempo todo querendo colocá-lo em algo.

E como foi trabalhar com a Mallu Magalhães?
Quis colocar a Mallu, que é graciosa, numa música mais rítmica, como a "Tropicalea Jcta Est". Procurei encaixar cada pessoa com uma música que combinasse. Eu fiquei tão excitado quando ela veio me ver que eu fiz logo três musicas. Ela também ficou muito empolgada com a ideia e todo dia me ligava. Perguntava: "Como é? Vai fazer ou não vai fazer?". Ficou botando pilha.

SHOWS DE "TROPICÁLIA LIXO LÓGICO" EM SP
Quando: 21, 22, 23 de setembro
Horário: sexta e sábado às 21h; domingo às 18h
Onde: Sesc Vila Mariana - Teatro
Endereço: Rua Pelotas, 141
Quanto: R$ 42 (inteira); R$ 21 (estudantes, + 60 anos, usuário inscrito no SESC e dependentes)
Classificação: 12 anos
Informações: (11) 5080-3000
Bilheterias: De terça a sexta-feira das 9 às 21h30, sábado das 10 às 21h30 e domingo e feriado das 10 às 18h30 (ingressos à venda em todas as unidades do Sesc).