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Pianista Dave Brubeck cutucou o planeta para lembrá-lo de que o jazz existia

5.dez.2012 - Dave Brubeck, um dos expoentes do jazz norte-americano, morre aos 91 anos - Getty Images
5.dez.2012 - Dave Brubeck, um dos expoentes do jazz norte-americano, morre aos 91 anos Imagem: Getty Images

Vinicius Mesquita

Do UOL, em São Paulo

05/12/2012 22h12

Foi como um sinal de aviso. Quando o jazz já era um "homem maduro", com mais de 50 anos de vida, o pianista Dave Brubeck foi parar na capa da revista norte-americana "Time", em novembro de 1954, para alertar que este estilo musical ainda poderia ser inovador, frenético e, quem diria, sofisticado.

Antes da "Time" de Dave Brubeck o jazz já tinha chacoalhado a juventude e passado por suas mais importantes revoluções, desde o swing das grandes orquestras dos anos 1920, passando pelo bebop de Charlie Parker dos anos 1940 até chegar ao cool liderado por Miles Davis na alvorada dos anos 1950. Porém, nada disso parecia fazer sentido no establishment da sociedade norte-americana.

Thais Aline/AgNews
Com Dave Brubeck, morre o último dos gênios do jazz.

Maestro João Carlos Martins sobre a morte do pianista, aos 91 anos

A reportagem de capa da prestigiada revista foi benéfica para o jazz, mas trouxe uma arrogante credibilidade ao estilo. Repentinamente, o jazz deixou de ser visto como uma histérica manifestação artística de músicos rebeldes e entorpecidos por heroína, acostumados a espeluncas desaconselháveis para famílias de fino trato, para ganhar status de bacana na intelectualidade e grã-finagem norte-americana.

Mas para quem já estava acostumado ao jazz e tinha acompanhado sua evolução desde o início do século 20, a imagem de Dave Brubeck na capa da revista beirava a agressão. O trompetista Miles Davis, por exemplo, não entendia o motivo pelo qual um compositor branco tinha sido o escolhido para vender o estilo musical pelos Estados Unidos.

Os editores da "Time" sabiam que estavam mexendo com o perigo. A escolha do personagem da capa foi definida pouco antes da conclusão da revista. Poderia ser Brubeck, mas também poderia ser o pianista e bandleader negro Duke Ellington. Deu Brubeck. Uma coleção de jazzistas negros não gostou.

A opção da "Time" foi pródiga para Brubeck. Sua carreira decolou. Cinco anos após da publicação da revista, seu disco “Time Out”, o primeiro do jazz a vender mais de 1 milhão de cópias, transmitiu com graça e inspiração o que Brubeck havia aprendido com compositor erudito francês Darius Milhaud, seu professor nos anos 1940.

A música ambiciosa do pianista, apoiada na politonalidade e no excêntrico ritmo 5/4 (cinco batidas em um compasso de quatro semínimas), conquistou os ouvidos até mesmo daqueles que batizavam o jazz como "aquela barulheira sem sentido".

“Ser capa da 'Time' foi uma grande evento para o universo do jazz e talvez o maior reconhecimento que um músico pode ter. Fiquei lisonjeado com a reportagem que fizeram, até porque o jazz era visto como uma coisa um tanto quanto revolucionária, rebelde até, pelos músicos que tocavam”, disse Brubeck à revista "Jazz+" quando eu a editava em 2005. “Foi um momento importante para mim, claro, mas sabia que, pelo que o Duke Ellington já havia feito pelo jazz, ele merecia ser capa antes de mim. Ele estabeleceu padrões para o bebop.”

Curiosamente, quando o jazz atingiu a maturidade e alcançou espaços em mídia até então impensáveis, também deu seus primeiros passos em direção à estagnação. Após a tão esperada reportagem de capa da Time, a força criativa do jazz duraria mais 20 anos antes mergulhar no comodismo. Nesse período, Brubeck jamais abriu mão da fusão entre o jazz e o erudito.

Não cedeu às tentações e permaneceu inflexível, incapaz de se aventurar em terrenos mais populares, como o imberbe rock dos anos 1960 e 1970. Sua música seguiu inviolável até o dia de sua morte, quarta-feira, dia 5 de dezembro, um dia antes de completar 92 anos. Entre seu imenso legado está o enorme presente que deu ao jazz: um de seus raros e parcos momentos de grandeza.