Topo

"Foi como perder ente querido", diz Clemente nos 10 anos sem Joe Strummer

Clemente Nascimento*

Especial para o UOL

22/12/2012 06h00

Quando, em 22 de dezembro de 2002, recebi a notícia de que o vocalista e guitarrista do The Clash, Joe Strummer, havia morrido, fiquei estarrecido. Havia acabado de fazer um show no Sesc Pompeia onde o Inocentes tocava The Clash e o Cólera tocava Sex Pistols. Esse show me fez voltar à minha adolescência e ouvir novamente, repetidamente, todos os discos da minha banda preferida e confirmar que eu estava certo: eles eram muito bons.

Nessa época eu andava ansioso, corriam notícias de que Joe Strummer viria ao Brasil com os Mescaleros e que uma possível volta do The Clash estava na agenda, e eu estava louco para conhecê-lo pessoalmente. Mas não deu tempo... John Grahan Mellor (seu nome de nascença) morreu antes, aos 50 anos, por conta de um defeito congênito no coração.

A tristeza que se abateu sobre mim foi enorme, parecia que havia perdido um ente muito próximo, o que me fez perceber o quanto ele esteve presente em minha vida. Em 1976/1977, quando o punk incendiava a cultura pop, The Clash foi uma das primeiras bandas que eu ouvi e gostei logo de cara. O discurso deles tinha um lirismo político que completava e apontava caminhos diferentes para o discurso iconoclasta e autodestrutivo dos Sex Pistols. As duas bandas se completavam.

Em 1980, quando entrei num lugar chamado Cine Rock Show para ver o filme "Rude Boy", protagonizado pelo The Clash, eu não imaginava o quanto minha vida mudaria depois de assistir aquela película. Era uma época em que não existiam videocassetes e nem YouTube, portanto ver imagens de sua banda favorita em ação era muito difícil, e o impacto que o Clash no palco teve sobre mim foi impressionante.

Saí do cinema disposto a montar uma banda que tivesse a mesma intensidade no palco, e assim nasceu o Inocentes. Canções brotaram a rodo, canções que depois se tornariam verdadeiros clássicos como "Pânico em SP" e "Garotos do Subúrbio", tudo influência de Joe e sua turma --não uma influência estritamente musical, mas de postura e dignidade.

Claro que a convivência entre mim e Joe nunca foi um mar de rosas. Tivemos alguns momentos tensos, como quando ouvi o álbum "London Calling" pela primeira vez, em 1979. Demorou para cair a ficha, e confesso que não fiquei maravilhado. Imagine o que um garoto de 16 anos cheio de testosterona para gastar e a um passo de criar o hardcore sentiu ao ouvir "Jimmy Jazz". Torci um pouco o nariz, precisei amadurecer alguns anos para entender a genialidade daquele que hoje é meu álbum de cabeceira.

Passei alguns anos tocando os clássicos do The Clash junto com o Redson, do Cólera; o Mingau, do Ultraje; o Ari Baltazar, do 365; e o Alonso Goes, do Periferia. A banda se chamava Combat Rock, com a qual fizemos shows maravilhosos onde a plateia, cheia de garotos e garotas bem jovens, se divertia a valer, o que me confirmou que o legado de Joe Strummer e do The Clash continua mais vivo do que nunca, suas canções atuais como sempre, e seus ideais abraçados por muita gente.

Você pode acompanhar tudo isso no site www.strummerville.com, da The Joe Strummer Foudation for New Music. Não preciso explicar o que é, está tudo lá, é só acessar. Londres continua chamando, Londres continua queimando, Londres está chorando por Joe Strummer.

*Clemente é cantor e guitarrista da banda Inocentes e da banda Plebe Rude. É também apresentador e diretor artístico do programa "Showlivre.com".