Topo

Clássico do rock alternativo de Seattle, álbum do Mad Season faz 18 anos e ganha reedição

Capa do álbum "Above", da banda Mad Season, de 1995, que ganha reedição comemorativa - Reprodução
Capa do álbum "Above", da banda Mad Season, de 1995, que ganha reedição comemorativa Imagem: Reprodução

Carlos Messias

Do UOL, em São Paulo

05/04/2013 06h00

Em meados dos anos 90, bastava ligar na MTV, sintonizar uma rádio ou abrir uma revista de rock que sempre aparecia o nome da mesma cidade, a chuvosa Seattle, que fica no extremo noroeste dos Estados Unidos. De lá saíram as principais bandas daquela época, a começar pelo Nirvana, que em 1991 conquistou o mundo com o hit "Smells Like Teen Spirit". Guitarras distorcidas, camisas xadrez e cabelos desgrenhados eram elementos comuns entre essas bandas. Em 1994, o mesmo ano em que morreu Kurt Cobain, surgiu um "supergrupo" chamado Mad Season, que de reunia membros de outras três das principais bandas daquela cena:  Layne Staley, então vocalista do Alice in Chains, Mike McCready, que até hoje é guitarrista do Pearl Jam, e Barrett Martin, ex-baterista do Screaming Trees, além do baixista John Baker Saunders, que tocava em bandas menos conhecidas de Seattle, como o Walkabouts.

Em 1995 eles lançaram "Above", seu disco de estreia, que trazia uma sonoridade pesada e um tanto melancólica, como se de alguma forma tivesse capturado o clima de ressaca que havia ficado na cena.  Clipes de músicas como "River of Deceit", "I Don't Know Anything" e "Long Gone Day" invadiram os Top 10, das rádios e da MTV, e logo fizeram com que o álbum ganhasse um disco de ouro. Sucesso comercial e de crítica, esse "dream team" de Seattle tinha tudo para seguir em frente, não fossem os problemas dos seus integrantes com drogas (atributo tão comum às bandas daquela era quanto as camisas de flanela).

O projeto nasceu, na verdade, como uma espécie de terapia ocupacional para que os músicos se mantivessem longe do vício. Mike McCready tinha acabado de sair de clínica de reabilitação no estado de Minnesota; Jon Baker Saunders e Layne Staley também lutavam para ficar limpos - tanto que ambos acabaram morrendo de overdose heroína, respectivamente, em 1999 e 2002. Nesta semana, 18 anos após o sucesso meteórico do Mad Season, os dois sobreviventes do grupo (McCready e Martin) estão lançando uma edição de luxo de "Above", com as 10 faixas originais do disco remasterizadas, uma versão da canção "I Don't Wanna Be a Soldier", de John Lennon (originalmente lançada no CD tributo "Working Class Hero"), um DVD com um show antológico da banda no The Moore, em Seattle, e três canções inéditas.
 

  • Divulgação

    Os integrantes do Mad Season: a partir da esquerda, Mike McCready, John Baker Saunders, Layne Staley e Barrett Martin

As novas canções foram compostas originalmente em 1995, quando a banda planejou o segundo álbum, sob o nome Disinformation. Com a recaída de Layne Staley nas drogas e seus compromissos com o Alice in Chains, os vocais para as novas composições nunca foram gravados e o projeto foi engavetado. Então, para o relançamento, Martin recrutou o vocalista Mark Lanegan, seu ex-colega de Screaming Trees, que havia feito dois duetos com Staley na primeira edição de "Above" (nas canções "I'm Above" e "Long Gone Day"). No final de 2012, o cantor escreveu as letras e gravou os vocais das inéditas "Locomotive", "Black Book of Fear" e "Slip Away", que agora podem ser escutadas na versão de luxo.

O baterista Barrett Martin, que nos 80 tocou na banda Skin Yard, uma das fundadoras da cena de Seattle, agora trabalha com outro "supergrupo", a banda de blues rock Walking Papers, formada no ano passado com o baixista da formação clássica do Guns N' Roses, Duff McKagan, e com dois membros da banda The Missionary Position (o vocalista Jeff Angell e o tecladista Benjamin Anderson). A banda lançou seu disco de estreia (produzido por Jack Endino), autointitulado, em 2012, já está trabalhando no segundo álbum, previsto para o ano que vem, e em novembro deve vir ao Brasil para uma turnê com Nando Reis.

"Ainda não temos as datas fechadas, mas com o Barrett está sempre de pé. Eu estava só esperando uma brecha na agenda deles", diz o ex-titã, que contou com o baterista do Mad Season em quatro dos seus álbuns solo e na turnê brasileira do disco "Para Quando o Arco-Íris encontrar o Pote de Ouro", em 2000. "Logo que entramos em estúdio e ele tocou a primeira nota, vi que tinha um som que eu nunca tinha ouvido. Ele é um músico hipertalentoso, consegue fazer música crua e pesada, ao mesmo em toca vibrafone e percussão com toda a sofisticação", elogia Nando.

Em entrevista concedida por telefone ao UOL, Barrett Martin demostra entusiasmo com o relançamento do Mad Season, fala mais sobre o Walking Papers e revela o processo de pesquisa que o levou a estudar percussão na África, no Brasil, com tribos do Peru e em Cuba. De todas as perguntas, ele só se recusou a falar o vício em drogas que assombrou os músicos da sua geração: "Mas se você tiver mais perguntas sobre música, ficarei feliz em respondê-las".

UOL - Amimado com o relançamento de "Above"?
Barrett Martin - Estou muito! Acho que o pacote todo ficou muito legal, as canções inéditas, o DVD… Está tudo muito lindo.

Como foi voltar a trabalhar nessas canções 18 anos depois?
Foi muito bacana, pois elas estavam prontíssimas, precisando só dos vocais. Aí entrou o Mark Lanegan. Toda a parte instrumental é original, inclusive o baixo de Jon Baker Saunders. Acho que essas três faixas sinalizam a direção que a banda teria seguido caso tivéssemos concluído o segundo álbum. Nosso processo de composição estava mais integrado, algumas das canções, como "Locomotive", estavam mais pesadas, e outras tinham uma textura mais climática. Acho que isso define o som do Mad Season, como íamos de músicas pesadas a lentas, com esse nuance blues. A beleza da banda estava nessa diversidade.
 


As pessoas se sentiam atraídas pela capa de um disco, era um processo muito mais intuitivo. Atualmente a oferta é bem maior e as pessoas já têm uma opinião formada sobre uma banda sem terem parado para escutar o álbum.

Barrett Martin, sobre o sucesso do álbum do Mad Season nos anos 90

Na época, Peter Buck (ex-guitarrista do REM) foi coautor da inédita "Black Book of Fear". Como isso aconteceu?
Ele e a sua ex-mulher [Stephanie Dorgan] eram donos do Crocodile, o famoso clube de Seattle, onde fizemos nosso primeiro show com o Mad Season [em 1994]. Ele assistiu e adorou o aspecto blues da banda. Pediu que o convidássemos na próxima vez em que fôssemos gravar. Então, quando entramos para trabalhar no segundo disco, o chamamos.

Em 1995, "Above" foi bem comercialmente e recebeu até um disco de ouro. Você acha que hoje em dia um álbum tão denso e melancólico teria a mesma aceitação?
É difícil dizer. Naquela época não existia internet e as pessoas ficavam sabendo de música no boca a boca, o que era uma ferramenta muito mais poderosa do que qualquer coisa disponível hoje em dia. As pessoas se sentiam atraídas pela capa de um disco, era um processo muito mais intuitivo. Atualmente a oferta é bem maior e as pessoas já têm uma opinião formada sobre uma banda sem terem parado para escutar o álbum. Mas é impossível saber…

O disco tem um clima bem Seattle dos anos 90. Você acha que é um bom registro do som daquela época?
Todo disco é um registro do seu tempo. Não acho que o Mad Season soe como nenhuma outra banda de Seattle, mas definitivamente tem muito daquela melancolia associada à cena da época.

O quanto da versão que diz que o Mad Season foi fundado para manter seus integrantes longe das drogas é verdadeira?
Eu não falo sobre essas coisas, sobre os problemas de outras pessoas com drogas. Mas se você tiver mais perguntas sobre música, ficarei feliz em respondê-las.

Um ano e meio atrás você coordenou o lançamento da coletânea "Last Words: The Final Recordings", com canções inéditas do Screaming Trees. Você está em um processo de revisão da sua própria carreira?
Para ser honesto, estou sempre olhando para frente, mas tenho orgulho dos trabalhos que eu já fiz. Gosto de fazer retrospectivas, como esse box do Mad Season, mas não me ocupo pensando no passado, prefiro criar para o futuro.

O Mad Season é considerado um dos maiores "supergrupos" dos anos 90. Você acha que a sua banda atual, o Walking Papers, também pode receber essa denominação?
Acho que não, nunca usei a expressão "supergrupo", pois sugere uma banda planejada. No caso do Mad Season, éramos todos amigos e o projeto surgiu espontaneamente. O mesmo aconteceu com o Walking Papers. Conheço o Duff McKagan desde a metade dos anos 90, e o Jeff [vocalista] é membro da cena de Seattle há tanto tempo quanto eu. Eu sempre admirei o trabalho dele e, certo dia, resolvi ligar para ver se estava interessado em compor. Começamos a fazer jams, a princípio só guitarra e bateria, e chegamos a bons esqueletos para canções. Percebemos que precisávamos de um baixista e concordamos que o Duff [que também mora em Seattle, cidade onde nasceu] seria perfeito para o cargo.

Essa banda agora é a prioridade de vocês?
Sim, estamos comprometendo este ano e 2014 para viajar pelo mundo. Estamos trabalhando no nosso segundo disco, que deve sair no começo do ano que vem, e nos preparando para a nossa segunda turnê europeia. Também fechamos algumas datas no meio do ano aqui nos EUA e no final de novembro, começo de dezembro, devemos ir ao Brasil para uma turnê com Nando Reis. Estamos muito animados.
 

  • Divulgação

    A banda Walking Papers, formada pelo baixista Duff McKagan, o baterista Barrett Martin, o guitarrista Jeff Angell e o tecladista Benjamin Anderson

Como está saindo o novo disco?
É basicamente uma continuação do primeiro. As letras, sempre muito bem escritas pelo Jeff, seguem uma sequência narrativa. Também estamos tentando inovar um pouco a parte instrumental, misturar o rock pesado com climas e texturas diferentes. Muita gente compara o Walking Papers ao Mad Season, acho que tem um som natural que uma banda herdou da outra. Fazemos rock de estilo clássico americano, com elementos de blues. Algumas pessoas chamam de hard blues, mas a melhor descrição que eu ouvi é que soa como o primeiro ensaio do Led Zeppelin, só que com Mick Jagger e Tom Waits cantando no lugar do Robert Plant [risos]. Eu e o Duff compomos uma seção rítmica bem pesada, com muito groove e suingue, enquanto o Jeff realmente soa como uma combinação de Tom Waits e Mick Jagger, o que tem um resultado muito legal.     

No seu projeto solo, o Barrett Martin Group, você mistura jazz, funk e música étnica. Como você concilia esse lado do seu trabalho com o rock'n'roll?
Sempre consegui injetar um pouco do meu interesse em música étnica nos meus trabalhos de rock. No último álbum do Screaming Trees ["Dust", de 1996], coloquei muita percussão de inspiração africana. No disco do Mad Season também usei um pouco disso. No Walking Papers também toco vibrafone e percussão de sonoridade exótica. Frequentemente sou convidado para tocar esse tipo de som no disco de outras bandas, como eu fiz no "Up" [1998], do REM, e no "Rated R" [2000], do Queens of the Stone Age. Basta querer experimentar um pouco. 

Você viajou para pesquisar outros ritmos, certo?
Sim, passei um tempo no oeste da África, Senegal e Gana, em Cuba, no Peru e no Brasil, nas duas vezes em que fui tocar com o Nando [em 2000 e 2003]. Nesses lugares, estudei com mestres de percussão e aprendi um pouco sobre a tradição musical de todos esses países, o que absorvi no meu estilo de tocar. Não basta aprender as técnicas percussivas, você precisa entender a cultura de cada lugar, conviver com as pessoas, experimentar a comida. É uma experiência de imersão.

Isso se transformou em uma espécie de projeto acadêmico, não?
Sim, eu estava na pós-graduação e usei essa experiência no meu PhD. E fiz o meu mestrado sobre a música produzida em tribos da amazônia peruana. Também sou professor adjunto de world music na Universidade Antioch, em Seattle. Mas não considero meu emprego, é apenas algo que eu faço para contribuir com a comunidade, para que as pessoas em Seattle entendam mais sobre o mundo da música e sobre as diferentes tradições culturais que estão por trás dele.   

O que mais te chamou atenção na música do Brasil?
O que me chamou a atenção foi a variedade de estilos e a forma como as pessoas estão sempre desenvolvendo coisas novas. Estudei um pouco de Tropicália e adorei o termo canibalismo para descrever como é possível devorar todo tipo de música e reinterpretar de uma forma brasileira. Gosto muito de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes… Também fiquei fascinado pelo maracatu. Tenho até um set completo de percussão de maracatu que eu comprei na Bahia. Provavelmente devo usá-lo no novo disco do Walking Papers [risos]. Adoro misturas brasileiras como samba-funk, hip-hop com ritmos africanos etc. Amo tudo isso, é muito progressivo.