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Atração da Virada, Jorge Drexler quer conhecer Racionais e não descarta morar no Brasil

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

15/05/2013 11h32

Se quisesse, Jorge Drexler poderia tranquilamente se tornar brasileiro. Ele já cantou e fez parcerias com Arnaldo Antunes, Maria Rita e Tiê, é um dos poucos cantores latinos a ter fãs cativos por aqui e está no País pela oitava vez para shows. “Não descarto morar aqui. Talvez passar uma temporada”, revela. 

Nos palcos do Rio de Janeiro – um dos lugares que ele escolheria como novo lar –, onde toca na sexta-feira (17), e São Paulo, onde se apresenta nesta quarta e quinta-feira,  ele vai tocar canções do mais recente disco, “Amar La Trama”, de 2010. Mas seu mais novo trabalho, e atual menina dos olhos, é um aplicativo interativo de combinação de canções - uma proposta de interação com os fãs, algo que ele compara à "Construção”, de Chico Buarque, mas elevado a uma potência inimaginável. “É o projeto mais complexo que já fiz na minha vida”.

No domingo, o uruguaio encerra a Virada Cultural, logo após show dos Racionais MC’s no palco Júlio Prestes. “Adoro rap, quero muito conhecer, vou assistir (ao show do grupo), com certeza”, avisa.

Em entrevista em português (quase perfeito, diga-se) ao UOL, Drexler faz uma análise das formas de arte para o futuro, sem reclamações. “Cansei de me queixar que a tecnologia deixou o músico com dificuldade para viver. Eu achava lindo poder viver só de discos, mas a queixa é a pior das atitudes”. Confira:

Se pudesse, teria escolhido viver no Rio de Janeiro, em 1959, e presenciado o nascimento da bossa nova

UOL - Você veio muitas vezes ao Brasil, mas será a primeira vez que você vai se apresentar de graça em um evento como a Virada Cultural.
Jorge Drexler - Eu já toquei no Rock in Rio, que era um evento grande, mas não era de graça. O convite foi rápido (Jorge foi chamado para substituir Eliades Ochoa, do Buena Vista Social Club, que teve sua apresentação cancelada por motivo de saúde), eu estava em turnê e apareceu. Eu disse na hora: 'Vamos'. Eu gosto de mudar de público.

Conquistar novos fãs...
Conquistar eu deixo para os conquistadores (risos). Gosto de fazer coisas novas, de desafios.

Você vai se apresentar após o show dos Racionais MC’s, um dos principais expoentes do rap nacional. Você que já tocou com muitos artistas brasileiros, gosta de rap?
Adoro rap, conheço o Marcelo D2 e algumas coisas, não muitos brasileiros. Já toquei com grupos como o Calle 13, maior nome latino do gênero, e com Ana Tijoux, uma chilena que é maravilhosa, você precisa ouvir. Eles são os melhores. Eu gosto muito, acho muito interessante, tenho três músicas inspiradas nessa poesia dita. Eu aprecio o recitado. Quero muito conhecer, vou assistir [ao show dos Racionais], com certeza.

Seu último disco, “Amar La Trama”, é de 2010, mas você passou um bom tempo em cima de um projeto diferente, um aplicativo interativo chamado “N”. Foi uma ideia sua?
A parte criativa foi minha. Tenho uns amigos que fazem aplicativos e que desenvolveram o “N”. Pensamos sempre em fazer algo original, que envolvesse músicas inéditas que os usuários pudessem participar, mudar. Isso é maravilhoso, isso vira uma poesia combinatória pós-surrealista (risos). Você joga e sempre dá um resultado diferente.

Jorge Drexler e Tiê no Rock in Rio

E são canções inéditas?
Sim, três canções inéditas. Eu entrego os fragmentos da voz gravada e os usuários podem mudar a história. A canção está escrita para que se possa navegar pelo caos. Em “Habitación 316”, você pode mudar a letra e a melodia, com “Madera a la Deriva”, a combinação fica por conta dos arranjos de uma orquestra sinfônica divida em 12 grupos, que você ativa por GPS. A terceira música, “Décima a la décima”, tem a participação de René Pérez, do Calle 13, Kevin Johansen e [músico gaúcho] Vitor Ramil.

Você gastou um tempo considerável nesse trabalho, talvez até mais tempo do que a gravação e produção de um disco.
Levou um ano e meio de trabalho, oito meses cada música. O usuário recebe a música apenas com um instrumento. E, aos poucos, vai recebendo outros. Você pode editar, guardar, publicar no Twitter, nas redes sociais. São várias versões da mesma música, mas a sua versão será única. A possibilidade de se repetir é praticamente nula. As possibilidades são mais do que 10 elevado a 27, é mais do que os grãos de areia. É o projeto mais complexo que já fiz na minha vida. Acho que o mais próximo que chegaram a um projeto assim foi o Chico Buarque na música “Construção”, que eu gosto muito. ‘Amou daquela vez como se a última’. Aquele jogo de palavras que se transformam...

Você acha que é hora de apostar em meios diferentes? Acha que o formato do disco, como a gente conhece, vai acabar mesmo?
Na verdade, não tenho ideia. O CD é um formato que eu gosto muito, já nos acostumamos a ele, mas seu destino é o mesmo de outros formatos artísticos: é morrer. Eles crescem, florescem e morrem como todo mundo.

(O aplicativo) é o projeto mais complexo que já fiz na minha vida. Acho que o mais próximo que chegaram a um projeto assim foi o Chico Buarque na música “Construção”

Acha que o aplicativo pode se tornar um novo formato?
O que a gente acha que é permanente, na verdade não é. As canções mudam o tempo todo. Talvez o próximo formato seja de 4 canções, 100 canções ou escrever uma canção combinatória para o aplicativo. Tem muito gêneros musicais, como o romanceiro, que não existem mais. O soneto, por exemplo, se usa pouco. Cansei de me queixar que a tecnologia deixou o músico com dificuldade para viver. Eu achava lindo poder viver só de discos, mas a queixa é a pior das atitudes. Se pudesse, eu teria escolhido viver no Rio de Janeiro, em 1959, e presenciado o nascimento da bossa nova (risos), mas o mundo agora está cheio de possibilidades.

Inclusive a possibilidade de morar no Brasil agora?
Eu adoraria mesmo morar aqui no Rio de Janeiro, Florianópolis. Até São Paulo, que ainda não conheço muito. Mas eu tenho três filhos espanhóis, então não tomo mais a decisão sozinho. Mas não descarto, talvez eu passe uma temporada aqui.