Filipe Catto lança DVD ao vivo e rejeita comparação com Ney Matogrosso
Do momento em que começou a fazer barulho até hoje, Filipe Catto é chamado por um ou outro ouvinte ou jornalista de “o novo Ney Matogrosso”. O gaúcho de 25 anos rechaça a alcunha de cara: “eu rejeito isso. Primeiramente por que, graças a Deus, ele está aí fazendo coisas maravilhosas até hoje”, afirma o cantor.
Dá para entender a analogia. Embora escreva canções desde pequeno, Filipe é um intérprete. E como todos os bons (e raros), assim como Ney, derrama emoção e técnica com uma voz rara de contratenor. “Somos uma exceção na selva da música brasileira”.
Em pouco tempo, ele lançou o primeiro disco em uma grande gravadora, foi tema de novela (com “Saga” em “Cordel Encantado”) e agora lança o CD e DVD ao vivo, "Entre Cabelos, Olhos e Furacões", frase retirada da música “Ave de Prata”, de Zé Ramalho, que também está no show.
Em entrevista ao UOL, Filipe relembrou referências diversas – fã desde pequeno de Milton Nascimento e Elis Regina, ele já teve até uma banda de indie punk. Inspirações evidentes quando ele pisa no palco, seu habitat natural: “Só sou um artista nesse momento”, afirma.
Confira a entrevista:
UOL - Você obteve fãs e notoriedade de uma maneira até que rápida. Até por ser um intérprete masculino, com uma voz marcante, cheia de personalidade. Não à toa, ouvi dizer, na época do lançamento de seu EP (“Saga”, de 2009) que você era o “novo Ney Matogrosso”. E continuo ouvindo isso até hoje.
Filipe Catto - Rejeito completamente essa analogia. Primeiramente por que, graças a Deus, ele está aí fazendo coisas maravilhosas até hoje. Eu entendo que é muito por causa de ser intérprete, tem essa coisa de palco. Realmente, existem poucos assim. A analogia com Ney é compreensível nesse sentido. A gente vem de uma geração, dos anos 70, que os compositores cantavam sua própria obra e essa coisa do intérprete ficou com o Ney, com o Cauby (Peixoto). Nós somos uma exceção na selva da música brasileira. Mas já fiz de tudo, cantei em eventos, tive banda cover, banda punk em Porto Alegre. Quando eu olho pra isso, vejo que as coisas fazem sentido. É uma trajetória sólida.
Eu começo o show de um jeito e termino de outro. Tenho certo carinho ao me ver cantando
Mas de qualquer maneira, o lançamento de “Fôlego”, por uma grande gravadora, e a música na novela ajudou...
A música na novela foi antes. Está entre aquelas coisas que não podemos prever. "Saga" estava apenas na internet, eu não tinha nem gravadora na época.
Foi ao contrário então...
Foi, as pessoas procuravam a música, mas não tinha CD para comprar. Vim para São Paulo em 2010 e ainda demorei 1 ano e meio para lançar. O “Fôlego” foi o pulo do gato, mas eu já fazia muitos shows e já tinha muito boca a boca. O público gravava durante show, colocava na internet.
E tudo começou quando você gravou “Glory Box” do Portishead e jogou na internet.
Cara, eu acho que foi ali. Eu gravei essa música quando estava na escola, eu tinha uma banda...
Era a banda punk?
(risos) Era. Mas não era punk. Era meio indie punk, meio Yeah Yeah Yeahs. Sujão, mas não era ‘ahhhh’ (grunhe). Eu era o guitarrista e vocalista, mas eu sempre gostei de ser intérprete, pegar uma música e dar minha cara para ela. Fiz uma versão de “Glory Box” no violão, gravei em um CD para os amigos de escola. E aquilo começou a circular. Lembra que mandavam músicas por MSN? Foi aí que reuni mais força de vontade para me apresentar apenas como Filipe Catto. Fiquei 1 ano pentelhando um clube para tocar pela primeira vez, em Porto Alegre.
Você lembra a primeira vez que rascunhou algo que pudesse chamar de canção?
Escrever para mim era muito natural. Eu cresci em uma casa cheia de instrumentos, meu pai cantando, meu irmão curiosíssimo. Recordo que eu cantava só o que eu gostava, tinha uma necessidade grande de me expressar por essas canções. Eram coisas adolescentes, mas aí evoluiu. Comecei a tocar guitarra, a ler muita poesia aos 15 anos, virei um devorador. Drummond, Hilda Hilst. Tentei escrever, mas reneguei quando vi que era uma merda. Não tinha a excelência que eu queria. Percebi que seria algo novo e interessante se fosse através da música. Escrevi "Redoma" e "A Sós", que eu terminei agora, ao gravá-la para o DVD, mas que eu comecei a escrever lá atrás.
Tem nostalgia?
Quando vejo o jeito que eu compunha quando tinha 15 ,16 anos, sinto uma inveja do c*****. Eu não era condicionado a nada, não estava sob influência, não tinha nenhuma expectativa com aquilo. Acho que esse DVD resgata um pouco isso, até pelo fato de eu tocar guitarra, coisa que eu não fazia há um tempo. Olha a sessão de terapia na entrevista!
Hoje, com disco lançado e uma carreira em construção, você sente que está condicionado?
As vitórias e as não vitórias colocam a gente em um lugar de conforto. Não que eu esteja nela, eu luto diariamente para não entrar nisso. Quando olho pra trás vejo como era puro e poético aquele momento. Eu tenho isso como necessidade pessoal e artística. Olhar para a raiz da nossa criação, da nossa motivação. Por que estou neste momento dando essa entrevista pra você? Entende?
É nessa época que você ouvia “Eu Te Amo”, versão do Roberto Carlos, regravada no DVD agora?
Foi bem antes. Acho que era de uma novela. Eu lembro que tinha alguma coisa a ver com a Claudia Raia.
Filipe Catto no DVD "Entre Cabelos, Olhos e Furacões"
O que mais você ouvia?
O que tocava na televisão. Quando eu era criança, cantor era Milton Nascimento e cantora era Elis Regina. Esse era meu parâmetro para cantar bem. Eu amava os Stones, até hoje amo. Gostava dessa coisa hiponga. Eu era da geração MTV, e comecei a ouvir muito anos 90, mais para o indie rock: PJ Harvey, Nirvana, Pixies. E Cássia Eller, que era uma artista que me ensinou muito, que tinha essa versatilidade que faz o repertório orbitar ao redor do intérprete.
Você gravou uma canção, com a participação de Bluebell, chamada “Johnny, Jack e Jameson”. São nomes de uísques, não? Você é boêmio como o título sugere?
Sou bem boêmio sim, mas já fui mais. Eu era terrível. Sou um boêmio light agora, mais caseiro. A música surgiu de brincadeira. Trabalhei em um bar em Nova York. Eu e meus colegas ficávamos imaginando uma conversa entre esses uísques. Nem era a ideia gravar em inglês. Os fãs pediram e eu tive que gravar essa música, que acabou se reafirmando por conta própria, a safada.
Você aparenta ter uma segurança tremenda no palco e já disse que seu barato é estar nele. Como é isso?
Eu sou só artista nesse momento. Tudo isso: falar com você, viajar, inclusive o disco, servem para eu passar 1 hora e meia ali. Gosto do disco físico, mas ele é um derivado desse trabalho. Só acredito na arte quando ela está fluindo entre o artista e o público. E eu sou um artista presencial.
Gosta de se ver e se ouvir também?
Gosto. Curto mesmo. Mas é outra loucura. Chorei várias vezes assistindo o DVD. A gente quis dar um passo além, cansei de ir ao show das pessoas e ver o disco tocado na íntegra, do mesmo jeito, na mesma sequência, e isso me cansa. Eu não gosto de luz de show naturalmente. Então chamamos um cara do teatro para fazer a iluminação para acompanhar o tempo e o texto do show. Tivemos muito cuidado para criar uma linguagem um pouco mais onírica, mais sensível, para que as pessoas entrassem em uma viagem com a gente e saíssem transformadas. Fica claro que esse trabalho é sobre a transformação. Eu começo o show de um jeito e termino de outro. Tenho certo carinho ao me ver cantando. Sou muito crítico antes de fazer a coisa, o momento da dúvida é antes, mas sinto muito prazer em me assistir.
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