Banda norueguesa toca em SP e revê passado de mortes e queima de igrejas
Nem as letras do Black Sabbath, nem o 666 do Iron Maiden e sequer as capas nojentas do Cannibal Corpse. Quem reina absoluto no trono como rei das polêmicas do metal é o Mayhem, banda norueguesa seminal do black metal. Se o estilo por si só é controverso, o grupo que completa 30 anos de existência em 2014 bate de lavada qualquer rival na escala de "maldades". Nesta quinta-feira (5), em São Paulo, o quinteto toca os clássicos lançados durante essas décadas, sempre tendo como pano de fundo um histórico que envolve suicídio, homicídio e igrejas queimadas em seu país natal. E, de acordo com o vocalista Attila Csihar, sem arrependimentos.
Nós éramos muito jovens, estávamos descobrindo novas forças. E se você vai muito longe, pode se machucar. É o que aconteceu, as pessoas estavam enlouquecendo.
Attila Csihar, vocalista do MayhemO Mayhem deixou um rastro de sangue e cinzas desde sua criação, em 1984, pelos jovens Necrobutcher, Manheim e Euronymous – todos nomes artísticos e apenas o primeiro ainda na banda. Da rebeldia de moleques que queriam combater os dogmas da religião e chocar com seu metal ríspido e maquiagens cadavéricas, eles acabaram estampando as páginas de jornais noruegueses, sacramentando o black metal entre as vertentes mais extremas do metal.
Inspirado pelo Venom, criador da alcunha black metal no disco com esse nome de 1982 – o nome da banda, por sinal, veio da música “Mayhem with Mercy” -, o grupo fez fama no underground com demos e um EP. Antes mesmo de lançar seu primeiro álbum, que só chegaria em 1994, os casos espantosos tiveram início.
O suicídio de Dead
O corpo do vocalista Dead foi achado pelo guitarrista Euronymous que, em vez de chamar as autoridades, preferiu sacar uma câmera e fotografar o cadáver do amigo. Anos depois uma gravadora colombiana lançou um ao vivo não oficial da banda com uma das fotos do corpo. Euronymous ainda teria pegado pedaços do cérebro e do crânio e feito alguns souvenirs – como pingentes de colar. A nota deixada pelo vocalista era irônica: “Desculpem por todo este sangue”.
O primeiro teve como protagonista o vocalista Dead, sueco que chegou à banda em 1988 e elevou o Mayhem a um novo patamar com suas performances autodestrutivas e o uso do corpse paint – uma pintura em que tentava imitar a imagem de um cadáver, ou, pode-se dizer, um Kiss levado ao mundo dos mortos. O problema é que ele era tão obcecado pela morte, como mostrava seu apelido, que um dia foi encontrado com os pulsos e o pescoço rasgados e um tiro na cabeça.
Superado este caso, a temática anticristã do grupo e da cena norueguesa cresceu. O país sofreu com 50 incêndios em igrejas entre 1992 e 1996. O guitarrista do Mayhem, Euronymous, teria sido responsável – direta ou indiretamente - por alguns deles. Ele criou o Inner Circle, uma reunião de jovens anticristãos de várias bandas e que teve desdobramentos criminosos. E, não bastasse isso, foi sua morte que colocou a banda nas manchetes, de um jeito que não podia mais ser ignorada.
Euronymous era arredio e não eram raras ameaças de morte vazias aos seus inimigos. Ele resolveu resolveu fazer isso com Varg Vikernes, que à época tinha se juntado ao Mayhem como baixista. Fundador do Burzum, outro nome fundamental do black metal, Varg levou o perigo a sério e respondeu assassinando o guitarrista a facadas. O norueguês foi preso, condenado a 21 anos, pena mais alta em seu país, com cobertura intensa da imprensa local.
Todo esse enredo com pinta de filme de cinema aconteceu antes mesmo de o grupo lançar seu primeiro álbum, “De Mysteriis Dom Sathanas”, já em 1994, com Attila Csihar nos vocais. O húngaro, hoje com 42 anos, retornou à banda em 2004, e recordou ao UOL um pouco desta jornada sombria do Mayhem e do black metal, comparando o auge das polêmicas e a atual fase, madura, mas ainda assim chocante e provocativa.
"Essa é nossa história, não negamos nosso passado, o que foi feito e dito. Só tentamos evoluir", afirma o vocalista. "Vimos nosso irmão (Euronymous) morrer e isso é algo emocional, forte para nós. Sobre as igrejas queimando, eram caras jovens. Parecia o certo para eles fazerem, mas foi meio louco. Não foi algo para gerar mídia, foi filosófico. Tudo isso ficou como nossa história e temos de carregar para sempre. Não estamos mais queimando igrejas, fomos para outro caminho."
Foi uma mensagem filosófica muito legal para chocar as pessoas, para fazê-las acordar. Mas teve muitos lados negativos. Não foi legal destruir igrejas milenares, isso eu sei que foi errado. Transformar essas igrejas em algo mais útil seria o certo
Attila Csihar, vocalista do MayhemAttila sempre negou ter participado de incêndio a igrejas – apesar de muitos fãs não acreditarem em sua versão. Mas, na sua fala, ele demonstra certo apoio, num discurso que tem críticas pontuais, mas elogios a muito do que gerou tanta polêmica.
“Lá atrás, a cena toda era muito underground e eram muito poucas pessoas. Era muito extremo, mudou muito daquilo para hoje. Nós éramos muito jovens, estávamos descobrindo novas forças. Elas existem, não é só um teatro que fazemos, é algo que acontece. E se você vai muito longe, pode se machucar. É o que aconteceu, as pessoas estavam enlouquecendo. Você tem de ter autocontrole. Eu tenho 42 anos e gosto, vejo uma perspectiva diferente em tudo. Não acho que foi errado o que passamos. Entendo que foi uma mensagem filosófica muito legal para chocar as pessoas, para fazê-las acordar. Mas teve muitos lados negativos. Não foi legal destruir igrejas milenares, isso eu sei que foi errado. Transformar essas igrejas em algo mais útil seria o certo”, opina ele, antes de concluir: “Se você tomou uma decisão pensada no seu passado e fez algo, por que se arrependeria agora?”
Prisão por assassinato
Durante as gravações do álbum de estreia “De Mysteriis Dom Sathanas”, o clima pesou entre o guitarrista Euronymous e o baixista Varg Vikernes (foto), fundador do Burzum. Após confrontos, Varg foi à casa do colega e o matou com 23 facadas. O baixista confessou o crime, mas alegou ter agido em autodefesa, ficando preso por 15 anos, até 2009. À época, o disco estava quase pronto e a família do guitarrista pediu que as partes de Varg fossem retiradas. O baterista Hellhammer prometeu fazer a mudança, mas não o fez. “Achei que era apropriado ter assassino e vítima no mesmo disco”, afirmou ele
Attila, um falante inveterado, gosta de discutir suas filosofias de vida, criticando principalmente como o mundo atual impede os indivíduos de pensarem por si sós. O húngaro, assim como toda a banda, é crítico das religiões, prefere não misturar o tema com política.
Questionado sobre a influência da religião em países como o Brasil, que terá eleições em 2014 sob a influência de políticos que usam as crenças populares para angariar votos – como no caso do deputado evangélico Marco Feliciano, por exemplo -, ele atenta para os perigos dessa mistura.
“Política e religião. Você sempre ouve os dois ao mesmo tempo. Eles estão sempre em conexão porque são poder e dinheiro. Mas acho que o pensamento está mudando e as pessoas da nova geração percebem que são lavagens cerebrais e coisas que nos colocam um contra o outro. Se você tem inimigo, começa a temer o inimigo e surge quem pode controlar essas pessoas amedrontadas. Não sei muito da política no Brasil – nem da Hungria, por sinal - mas o que posso dizer é que não é saudável misturar as coisas. Todos têm um potencial espiritual, uma inteligência que poderíamos atingir, mas que as religiões não deixam que cheguemos lá. Quando as coisas dão errado, as pessoas vão para o padre em vez de ir para a filosofia. Nem culpo as pessoas. Entendo que precisamos de padrões morais, mas a religião roubou a consciência das pessoas, que não têm controle da sua mente. Não deixem as pessoas controlarem suas mentes, especialmente nessas dimensões espirituais e filosóficas”, defende o vocalista.
Acho que hoje o Mayhem e o black metal funcionam realmente mais como arte. Mudamos, mas não significa que somos outros. O aspecto sombrio da mente humana e da natureza ficou mais claro para mim, e isso é um espectro bem vivo para se tratar nas letras
Attila Csihar, vocalista do MayhemAo fim, Attila Csihar admite que o Mayhem dos anos 1990 é bem diferente. Que a rebeldia que era na prática hoje está mais nas letras, na imagem e na performance ao vivo e que, no fim, o black metal hoje é mais arte que uma atitude diretamente de conflito.
“Eu acho que hoje o Mayhem e o black metal funcionam realmente mais como arte. Claro que fazemos desafios à religião. A banda tem um longo caminho falando sobre religião. Mudamos, mas não significa que somos outros. As coisas evoluíram, tudo ficou mais complexo. O aspecto sombrio da mente humana e da natureza ficou mais claro para mim, e isso é um espectro bem vivo para se tratar nas letras. O tema religião é meio old school, é difícil acreditar que as pessoas ainda sejam tão crentes. Quer dizer, entendo que acreditem, mas não nesses dogmas, nessa lavagem cerebral. Nossa mensagem é contra isso”, explicou ele.
“O Mayhem é mais do que uma banda de black metal que fala do frio norueguês. É muito mais filosófico, é sobre pensar e ser livre da moral imposta pela religião e da lavagem cerebral que isso traz. E, claro, não é só a mensagem, mas a música, que é algo universal. Nós levamos o medo e a agressão que as pessoas têm dentro de si para nosso show. As pessoas vêm e estão felizes de nos assistir, de poder liberar o que as oprime de forma positiva e é para isso que serve nosso show”, encerrou.
Registro de apresentação do Mayhem; cenários sombrios dos shows costumam incluir até cabeças de porcos espetadas em lanças
Porcos, black metal e caos no Brasil
O Mayhem chegou na segunda-feira ao Brasil e faz um único show no país, com a apresentação desta quinta-feira, no Hangar 110, em São Paulo. Os brasileiros do Test abrem a noite. Attila Csihar promete um show focado nos clássicos do EP “Deathcrush” e dos álbuns “De Mysteriis Dom Sathanas” e “Grand Declaration of War”.
A banda teve alguns dias de folga em São Paulo, já que a passagem pela Argentina foi cancelada por problemas com a organização local. Segundo o vocalista, é a chance de dar uma caprichada no show brasileiro.
“Quem sabe, pode ser que tenha algumas cabeças de porco no palco, sim. Estamos com tempo de sobra, vamos fazer o melhor show que for possível para os brasileiros. O Brasil é um dos polos do metal e os fãs sempre são 100%. Sobre as músicas, as pessoas gostam é de ouvir as coisas antigas. As pessoas esperam por isso, então todos podem esperar os clássicos, além de algumas canções recentes”, detalhou Attila.
A banda está preparando seu quinto álbum para ser lançado em 2014, mas ainda não está apresentando o novo material durante esta turnê.
Veja mais trechos da entrevista com Atilla Csihar no site Heavy Nation.
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