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De Raimundos a Skank: clássicos álbuns do rock nacional completam 20 anos

Patrícia Colombo

Do UOL, em São Paulo

19/02/2014 05h00

Em 2014, cinco importantes álbuns que deram um respiro ao rock com forte identidade brasileira completam 20 anos. Era 1994 e, em uma indústria dominada por cantores sertanejos e por grupos de pagode, o mercado começava a receber, entre outros materiais significativos (vindos de nomes como Cássia Eller, Marisa Monte e Racionais MC’s, por exemplo), títulos que fizeram história: “Raimundos”, do Raimundos, “Da Lama ao Caos”, de Chico Science & Nação Zumbi, “Samba Esquema Noise”, do Mundo Livre S/A, “O Rappa”, d'O Rappa, e “Calango”, segundo álbum de estúdio dos mineiros do Skank.

Esqueça blogs, plataformas de streaming e Youtube. Em um período de fitas demo para divulgação de uma banda, MTV Brasil na televisão, fanzines circulando novidades do underground, transição do vinil para o CD e grandes gravadoras em atividade começando a lançar selos em parte “independentes” para divulgar materiais alternativos, começava a nascer no Brasil um plural cenário musical.

“Raimundos”
Foi pelo selo Banguela, da Warner (fundado pelos Titãs junto ao produtor Carlos Miranda), que saiu o homônimo álbum de estreia do Raimundos. Procurado pela reportagem do UOL, Digão, que hoje assume o vocal da banda, disse que os integrantes optaram por não comentar ou celebrar o aniversário de duas décadas do trabalho por conflitos de interesses com o ex-vocalista Rodolfo Abrantes (que deixou o grupo em 2001 e virou evangélico).

Miranda, que descobriu os brasilienses e os produziu no estúdio Bebop, em São Paulo, posiciona os músicos em uma espécie de olimpo do rock nacional. “Raimundos não tem para ninguém, é a banda mais chuta c* da história da música brasileira”, diz. “E a minha maior contribuição foi permitir que eles fossem exatamente como eram. Não quis mudar o som, diminuir guitarras, tirar palavrão. Deixei bem cru e nervoso.”

Os elementos do forró nordestino unidos ao rock pesado e veloz com influências de hardcore e letras escrachadas deram a eles personalidade suficiente para que se tornassem um fenômeno entre o público jovem da época.

“Eles começaram um novo capítulo, das bandas que cantavam em português e que tinham orgulho de ser brasileiras, a exemplo do próprio mainstream, preenchido por axés e sertanejos”, afirma o jornalista Ricardo Alexandre, que acompanhou algumas gravações do disco e comenta sobre a experiência no livro recém-lançado “Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar – 50 Causos e Memórias do Rock Brasileiro (1993-2008)”. “Essa geração consegue ser a mais rock e mais brasileira do que qualquer outra da nossa música.”

Lucio Maia, guitarrista da Nação Zumbi, que no mesmo ano presenteou o público com o clássico “Da Lama ao Caos”, vai na mesma linha de raciocínio. “A pluralidade dessas bandas todas era o diferencial da nossa geração”, afirma. “Ninguém hoje tem mais coragem de enfrentar o que enfrentamos nos anos 90. O rock dos anos 80 foi muito galgado em coisas de fora, na cultura inglesa, e nós fomos por outro lado, tínhamos uma energia forte de autoadmissão.”

“Samba Esquema Noise” e “Da Lama ao Caos”
Embora lançados por gravadoras e selos diferentes, Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A vinham do mesmo berço pernambucano. Era um período em que a cena local do Manguebeat já estava estabelecida e estruturada, fosse por meio da sonoridade característica do rock com elementos regionais (como o maracatu) e eletrônicos, fosse por meio do manifesto “Caranguejos com Cérebro”, escrito por Fred Zero Quatro.

O Mundo Livre S/A já era há dez anos uma banda de garagem quando, contratado também pelo Banguela Records, pisou no estúdio Bebop para gravar “Samba Esquema Noise” na capital paulista. “A gente mal tinha instrumentos”, relembra. “Os nossos eram feitos a mão, ruins de gravar. O Bactéria, por exemplo, tinha pego emprestado um teclado de 30 anos de uso da igreja que ele frequentava.”

Com aparelhagem em parte emprestada e em parte alugada, estouraram o tempo previsto de finalização porque a cada momento Fred aparecia com uma reestruturação diferente, com ideias de harmonia que não estavam na concepção original. “Tínhamos combinado gravar o material todo em 200 horas e acabamos finalizando em 660 horas, o que é um tempo normal para fazer um disco elaborado como aquele”, comenta Miranda.

O resultado de todo o zelo e inventividade foi um trabalho fino, experimental e digno de fazer parte das mais variadas listas de melhores lançamentos nacionais de todos os tempos.

No caso da Nação, a banda fechou com a Sony pelo selo Chaos. “Sabíamos que éramos avessos a tudo o que poderia ser chamado de comercial”, relembra Lucio. “E naquela época, com esse lance dos selos, as gravadoras investiam em dez artistas para tentar acertar um. Hoje em dia essa matemática chama-se ‘zero para zero’. Querem toda uma estrutura pronta e com potencial para só então investirem.”

Apesar de o álbum ter se tornado um clássico, o sentimento de boa parte dos fãs na época de seu lançamento foi o de decepção. O motivo alegado por muitos: o material produzido pelo renomado Liminha não retratava de forma justa a potência que Chico e seus companheiros de banda demonstravam nos shows.

“Na época também rolou um bode entre nós da banda por não ser exatamente o que queríamos”, conta Maia. “Mas hoje eu penso diferente porque não acredito que seja algo tão positivo ser a mesma coisa no álbum e no palco. Sempre tivemos uma apresentação mais potente mesmo. E hoje fico feliz pelo que fizemos.”

“O Rappa”
No cenário carioca e em nível nacional, O Rappa, ainda em sua formação clássica com Marcelo Yuka na bateria, só foi se destacar de verdade no mainstream com “Rappa Mundi”, de 1996, mas foi com o homônimo de dois anos antes que a banda de rock com um pé no reggae e no dub estreou no plural cenário daquela década.

Com toda a estrutura de gravação oferecida pela Warner, o disco teve mixagem no estúdio do baixista e produtor de dub Dennis Bovell (conhecido principalmente por sua parceria de longa data com o poeta Linton Kwesi Johnson), no bairro de Brixton, em Londres. “O Rappa” levou um mês para ficar pronto e encarou alguns obstáculos, entre eles a intervenção da receita federal em confiscar as fitas que Bovell havia enviado à banda após sua parte do trabalho ter sido finalizada.

“Hoje vejo esse disco como um material cult nosso”, diz o tecladista e baterista Marcelo Lobato. “Não era o álbum pop que queriam. Era uma época em que ensaiávamos muito mais do que tocávamos ao vivo e tínhamos um som bem mais pesado. Acho até que as dificuldades para finalizá-lo acabaram prejudicando também a visibilidade.”

Ainda sobre as gravações, Lobato relembra a participação do sambista Bezerra da Silva na gravação da faixa “Candidato Caô Caô”. “Pedimos para que ele fizesse um rap na música, mas ele não conseguia. E como era fita de rolo, gravamos e sampleamos (sic). Hoje em dia, com tecnologias como o [software] Pro Tools, seria ridículo fazer, mas na época o samplear ainda era o melhor recurso para não precisarmos cortar na fita.”

“Calango”
“Veteranos” na lista de estreantes de 1994, os mineiros do Skank já tinham no currículo um primeiro álbum homônimo lançado dois anos antes e inteiramente bancado pela banda com o dinheiro vindo de shows em bares de Belo Horizonte. A tiragem foi de 3 mil CDs (sendo uma das primeiras bandas independentes a investir de cara no formato que começava a se expandir pelo mercado), sendo 500 deles distribuídos a jornalistas, radialistas e formadores de opinião.

A ação e o investimento deram tão certo que “Calango”, o álbum seguinte, contou com a estrutura almejada por qualquer banda: contrato com o selo Chaos da Sony, registro no famoso estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, e coprodução de Dudu Marote com o próprio grupo. “Sempre trabalhamos de forma conjunta com a gravadora, mas acreditando nas nossas ideias”, afirma o tecladista Henrique Portugal.

“Calango”, fortemente influenciado por reggae e pelo dancehall, foi um sucesso absoluto e emplacou nas paradas nacionais hits como "Jackie Tequila", “Esmola”, "Pacato Cidadão", a versão de "É Proibido Fumar" (de Erasmo Carlos e Roberto Carlos) e “Te Ver”, tornando o Skank um dos mais populares nomes do pop rock da década, vendendo 1,2 milhão de cópias.

“Foi o Dudu que nos apresentou como utilizar sampler e isso foi um grande avanço na nossa sonoridade”, conta Portugal. “Vejo esse disco do Skank como um trabalho atemporal.”