Renegado e influente, primeiro disco dos Smiths completa 30 anos
Lançado em 20 de fevereiro de 1984, o primeiro álbum do Smiths tinha tudo para dar errado. E deu. Pelo menos nas palavras da banda. A recente biografia de Morrissey, editada no Brasil em setembro, lança luz sobre o período problemático que rondou as gravações. O grande problema: ninguém estava plenamente satisfeito com a sonoridade das músicas no LP.
Segundo os integrantes, o grupo que três meses antes seduziu os mais sentimentais adolescentes britânicos com o playback de “This Charming Man”, no "Top Of The Pop, da BBC, era outro tocando ao vivo.
"O álbum soa exatamente como o Smiths não era: pálido e pobre", escreve Morrissey, adepto do vegetarianismo e de vida amorosa celibatária --conforme jura em entrevistas.
Em que pesem as ironias do vocalista, a sonoridade crua capturada pelo produtor John Porter, que já havia trabalhado com o Roxy Music, de fato não agradou. E o custo da empreitada só serviu para pressionar ainda mais os músicos. Entre três meses de idas e vindas a estúdios em Manchester e Londres, as sessões de gravação consumiram 6 mil libras, muito para os padrões do independente selo Rough Trade.
Seja pelas inegáveis qualidades pop das músicas, ou por mera conjução estelar, a renegada estreia em disco dos Smiths acabou eternizada pelo sucesso intantâneo. Alcançou o segundo lugar nas paradas britânicas, onde permaneceu por 33 semanas, e ainda conseguiu a proeza de agradar à crítica e ao público.
Mesmo os Estados Unidos, território árido para o rock inglês da época, se curvou à banda, "tão ritmicamente insinuate que o ouvinte persistente irá provavelmente se ver conquistado quase sem prévio aviso", publicou a Rolling Stone, que incluiu o álbum entre os 100 melhores discos dos anos 1980 e entre os 500 da história.
Musicalmente, "The Smiths" ajudou a expandir as fronteiras do pós-punk, à época encurralado por cores e sintetizadores do new wave e da new romantic. Lançado de forma independente, criou um precendente para o que hoje se entende como indie rock. Na cartilha do som de Manchester, berço do Joy Division, os Smiths jogavam baixo (Andy Rourke) e bateria (Mike Joyce) à frente, mas com um diferencial: a inventiva guitarra de Johnny Marr, artífice de arranjos e dedilhados à la Roger McGuinn, dos Byrds --influências de gerações.
No comando do grupo, Morrisey dava voz à uma geração de corações dilacerados. Logo tornaria-se célebre por combinar sentimentalismo, angústias existenciais e a ideia fixa de que o sexo só existe para arruinar a vida e o amor verdadeiro. Uma espécie de Oscar Wilde pós-liberalismo e em constante ressaca moral. “Eu roubei e depois menti/Só porque você me pediu/Mas agora que você sabe a verdade sobre mim/Você não vai me ver mais/Bem, eu ainda gosto de você”, entoa o vocalista em "What Difference Does It Make?", único single do disco –e uma das faixas que menos gostava de cantar.
O ator Joe Dallesandro, astro de Andy Warhol, na capa do primeiro álbum dos Smiths
A capa, com uma sugestiva imagem do ator Joe Dallesandro, astro underground dos filmes de Andy Warhol, reforçava as inquietudes e pretensões de Morrissey, em uma de suas várias referências à subcultura gay e à sua própria dúbia sexualidade.
A estética deflagrada pelo disco se manteve enquanto a banda existiu, sendo rapidamente absorvida pelos anos 1980. Também serviu para apontar caminhos, alguns certos, outros mais difusos. Sem a evolução natural de "The Smiths", por exemplo, o sintomático “The Queen Is Dead” (1986), por exemplo, jamais teria sido lançado.
Nomes como Legião Urbana, Stone Roses, Suede e Blur provavelmente ganhariam sonoridades bem diferentes das que os consagraram. Noel Gallagher, do Oasis, e Damon Albarn, do Blur, talvez seriam mais sessentistas do que sempre foram. Isso sem mencionar o indie de letras semifrígidas de bandas como Interpol, The Cribs, The Courteeners e de qualquer outra que uma vez tenha conjugado cinismo e romantismo como forma de expressão sonora.
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