Sambistas negam crise de popularidade do samba apontada por pesquisa
Completando 25 anos em 2014 e tido como um dos mais conceituados eventos musicais do país, o Prêmio da Música Brasileira terá o samba como o grande homenageado de sua próxima edição, a ser realizada em 14 de maio. O mesmo evento traz o sambista Wilson das Neves como o artista com mais chances de ser premiado, totalizado seis indicações. Gilberto Gil também reverencia o gênero, juntamente com a bossa nova, em seu mais recente álbum, “Gilbertos Samba”.
Uma primeira análise levará o leitor à conclusão de que o mais genuinamente brasileiro dos ritmos tem desfrutado de prestígio e popularidade país afora. Mas um estudo do Sesc (Serviço Social do Comércio) mostra que, como diriam os versos da canção de Dorival Caymmi, há por aí muito mais gente ruim da cabeça ou doente do pé do que se pode imaginar.
Com dados coletados entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro de 2013, por meio de 2,4 mil entrevistas realizadas em 139 municípios de 25 estados brasileiros, a pesquisa Públicos de Cultura apontou o que os espectadores de programas de auditório e ouvintes de rádios já sabiam: o samba é apenas o sétimo colocado no ranking de gosto musical do brasileiro --o sertanejo, a MPB e o pagode aparecem nas três primeiras colocações, respectivamente. Difícil de engolir até mesmo para os bambas ouvidos pelo UOL na última terça (15), cuja reação foi de incredulidade diante dos números apontados pelo Sesc.
“Está parecendo aquela pesquisa do Ipea”, brincou o cantor e compositor Moacyr Luz, referindo-se ao erro no estudo sobre abuso sexual divulgado, no início de abril, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Moacyr, que promove o disputado Samba do Trabalhador, todas as segundas-feiras, no Andaraí (bairro da Zona Norte do Rio), vai além: “Sou um artista sem projeção nacional. Viajo quase que semanalmente pelo Brasil inteiro. E, mesmo assim, todo lugar que a gente vai fica cheio”, destaca o músico, buscando uma explicação.
O clima de “me engana que eu gosto”, para citar o título do samba que dá nome ao disco de estreia do carioca Marquinho Sathan (e que virou bordão popular), também é flagrante na opinião de Zeca Pagodinho. “Essa é a pesquisa deles, mas a gente sabe que está em primeiro lugar”, crava o cantor.
Vencendo a desconfiança, João Cavalcanti, do grupo Casuarina, analisa o cenário de maneira mais otimista. Representante de uma nova geração de sambistas, ao lado de Diogo Nogueira, Roberta Sá e Teresa Cristina, o cantor e compositor não encara a frieza dos números como perda de popularidade do gênero. Pelo contrário.
“O tipo de samba que fazemos, sobretudo, era muito menos popular e tinha muito menos espaço nas rádios, nas grandes casas de shows e nas premiações pelo Brasil há 10 ou 12 anos, época em que começamos a militar nisso. No cerne do que faço, houve um processo de crescimento do fim dos anos 90 para cá. É claro que isso não se reflete na velocidade que a gente gostaria, até por que é um tipo de som feito sem uma grande conjectura, sem uma grande estrutura de marketing e de imprensa por trás. É realizado de uma forma bem independente até, como fazem os principais artistas desse segmento de samba mais ligados à Lapa [bairro boêmio do Centro do Rio de Janeiro], do qual faço parte”, afirma João.
Egressos do grupo Fundo de Quintal e alguns dos maiores representantes da revolucionária roda de samba Cacique de Ramos, no subúrbio carioca, Arlindo Cruz e Sombrinha, que formaram uma dupla de sucesso nos anos 90, também são afinados no discurso.
“O samba é a grande música do Brasil”, celebra Arlindo. “Inclusive, tenho a teoria que todo músico brasileiro, em algum momento, vai tocar samba, nem que seja no Carnaval ou fora do Brasil, para que possa mostrar a música do seu país. Digo sem medo: o gênero está cada vez mais popular.”
Sombrinha complementa: “O samba é a grande catraca da nossa cultura popular. É onde está tudo. Onde tem samba, tem futebol, alegria e festa. Todas as rádios estão tocando o gênero, todo mundo do samba está trabalhando atualmente. O samba é soberano, mas o Brasil é muito grande e há vários estados que cultivam outros tipos de música também”, pondera o compositor.
Há também quem analise a situação de forma mais crítica. É o caso de Dona Ivone Lara, que atribui ao próprio gênero a baixa notoriedade entre os entrevistados na pesquisa. “Quando o pessoal do samba se reúne, transforma qualquer evento em algo muito grande. Todo mundo participa e se diverte. Isso é o samba. Mas acho que está faltando essa união”, lamenta a cantora, do alto de seus 92 anos, a maior parte deles dedicada ao gênero.
Já na opinião do cantor e compositor Zé Renato, as várias vertentes do samba e suas diferentes ramificações seriam as responsáveis pela pulverização da opinião do público em se tratando de preferência musical. Também integrante do grupo Boca Livre, Zé relativiza tradição e contemporaneidade.
“Com o surgimento do pagode romântico, talvez o samba tenha ficado um pouco nessa penumbra. Perdeu-se um pouco aquela referência do samba nos moldes tradicionais da escola de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Noel Rosa. O samba com essas características pode ter dado lugar ao pagode, gênero de vendagem muito alta, num tempo em que isso não existe mais. Além disso, parte dos compositores migrou ou foi atraído por ele, digamos assim”, conclui.
Gilberto Gil encerra a polêmica lembrando que a música popular brasileira tem apenas duas origens: o samba e o baião. “Esses são os elementos da batida da bossa nova que João Gilberto decupou. É também de onde vêm todos os gêneros populares e batuques brasileiros. A partir disso, todos esses gêneros musicais que aparecem em primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto lugares, enfim... Todos são samba. Querer confiná-lo ao gênero popularizado pelo Rio de Janeiro, Bahia ou Pernambuco não dá conta do recado. O samba é mais do que tudo isso”, ensina o autor de “Aquele Abraço”, talvez seu samba mais festejado.
Opiniões à parte, todos são unânimes em um aspecto: o gênero não precisa de mudança ou de atualizações, como resume Wilson das Neves: “O samba se renova sozinho. Ninguém precisa inventar nada. E acho que, em algum momento, será a música número um no mundo. Talvez não esteja vivo para ver isso, mas, de onde estiver, estarei batendo palmas para ele. O samba é ‘o cara’, não é?”, pergunta o músico, também baterista de Chico Buarque no estúdio e nos palcos.
E de maneira bem humorada, João Bosco, velho parceiro de Aldir Blanc nos clássicos do gênero “O Bêbado e a Equilibrista”, “Incompatibilidade de Gênios” e “O Mestre-Sala dos Mares”, relativiza o ranking de gêneros.
“É tema para se fazer mais um samba: ‘o sétimo da lista’!”, diverte-se o cantor. “O samba sabe o que tem de ser dito e o que tem de ser feito. Ele conhece a própria batucada. Está tudo certo. A gente é que tem que se organizar para poder curti-lo mais.”
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