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"Era muito feliz trabalhar ali", diz autor da trilha de Castelo Rá-Tim-Bum

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

01/08/2014 11h23

"Tchau preguiça. Tchau sujeira. Adeus cheirinho de suor". Bastam três versos para que a memória de quem tem mais de 25 anos revisite um rato azul de massinha se esbaldando em uma banheira. Parte da trilha do "Castelo Rá-Tim-Bum", programa da TV Cultura que ganhou uma exposição de sucesso no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, a música "Ratinho Tomando Banho" não é o único hit da atração. Como não se lembrar das letras de "uma, lava a outra, lava uma" ou "passarinho, que som é esse?".

Esses sucessos saíram das cabeças de André Abujamra (música de abertura), Arnaldo Antunes ("Lavar as Mãos"), Hélio Ziskind ("Ratinho Tomando Banho", "Que Som É Esse?), Fernando Salém ("Somar É Legal"), Wandi Doratiotto ("Como se Faz") e outros compositores, reunidos pelos criadores da atração, Flávio de Souza e Cao Hamburguer.

Além das canções do "Castelo Rá-tim-bum, Hélio Ziskind também criou músicas para outras atrações da TV Cultura, como "Cocoricó" e "Glub-Glub" Imagem: Divulgação

Para Ziskind, é impossível separar o sucesso da trilha sonora do restante do programa, que comemora 20 anos em 2014. "O 'Castelo' como um todo foi um momento de felicidade criativa em que cada um colaborou com seu talento de forma espontânea. Todos os aspectos estavam em alto nível: o visual, o comportamento dos personagens, os quadros. Tudo isso compôs uma produção homogênea. Era muito feliz trabalhar ali. Acho que não poderia ter saído outra coisa."

Apesar da colaboração espontânea de talentos, Ziskind contou que existia uma base educativa por trás das canções. Uma equipe de pedagogos definia os temas que deveriam ser abordados, como a higiene, por exemplo. Ficou, então, para Ziskind a missão de criar as músicas do ratinho tomando banho e escovando os dentes.

Antes de colocar a letra no papel, ele chegou a conversar com algumas crianças para entender por que era tão chato ter que ir para o banho. "Mas essa pesquisa com as crianças é só no comecinho no trabalho. Tem um momento da criação em que você tem que esquecer os outros, independente da idade. Você tem que viajar naquilo que você está fazendo. Isso é criar de verdade."

"Passarinho, que Som É Esse?"

No processo de educação, veio a ideia de fazer com que as crianças entrassem em contato com diferentes instrumentos. Mais do que ensinar os nomes deles, Ziskind quis proporcionar uma experiência com os sons. Por isso, a música incentiva que os sons do violão, da flauta e da bateria, entre outros, sejam reproduzidos com a boca. O final era sempre o mesmo: "O (nome do instrumento) é assim: (blem, pá, bum, fuem...)".

Segundo o músico, a ideia de oferecer uma experiência em vez de dar aula na TV foi o que marcou o "Castelo" como um programa revolucionário. "O primeiro 'Rá-Tim-Bum' [programa antecessor do 'Castelo'] ainda tinha essa ideia de ensinar o que era o esquerdo e o direito, o dentro e o fora. O 'Castelo' rompeu com tudo isso. Mostrou que é possível fazer conteúdo com espetáculo. Ninguém nunca chegou e disse que deveria ser daquele jeito, mas era uma vontade que já estava na cabeça de quem estava na produção." As composições de Hélio ficaram tão marcadas no imaginário das crianças que ele compõe até hoje para uma marca de xampu infantil.

Trabalho artesanal

André Abujamra, hoje um dos integrantes do programa "Agora É Tarde", apresentado por Rafinha Bastos na Band, compôs o tema de abertura da atração infantil. Com uma letra que diz apenas "bum, bum, bum, Castelo Rá-Tim-Bum", ele conta que a ideia foi criada em alguns segundos. "As pessoas me perguntam, mas criei meio na brincadeira. Não teve pesquisa ou mágica. Foi uma coisa simples, fácil e gostosa de fazer. Para mim, isso é um presente porque está na boca das pessoas até hoje". 

André Abujamra criou o tema de abertura do "Castelo Rá-tim-bum" e foi responsável pela trilha dos episódios Imagem: Divulgação/TV Globo

A composição da música da abertura não foi o único trabalho realizado por Abujamra no "Castelo". Ele e Luiz Macedo cuidavam da trilha dos episódios. "A gente quase morria [de tanto trabalho]", disse o músico ao UOL. Segundo ele, há 20 anos, tudo era mais rústico na televisão. A dupla recebia o episódio em VHS e, em cima dele, criava a trilha, que tinha que estar sincronizada com a cena. "Só que às vezes dava pau. Se isso acontecesse hoje em dia dava para arrumar rapidinho, mas na época o trabalho tinha que ser refeito. Quantas e quantas vezes eu fui dormir às 7, 8 da manhã. Deu um trabalho do c******, mas o resultado foi muito bom."

Ziskind também lembrou histórias heroicas que protagonizou nos bastidores do programa, como a de quando teve de convencer Alberto Marsicano (1952 - 2013), o introdutor da cítara no Brasil, a vestir meia laranja e uma fantasia com penas azuis para tocar o instrumento no quadro dos passarinhos. "O Marsicano só tocava de branco, porque era essa a relação com a cítara. Ele tomava banho, vestia uma roupa branca e pegava o instrumento", contou. Ziskind argumentou que, apesar de ter que se fantasiar, essa era a oportunidade de fazer com que as crianças conhecessem o som que vem da Índia. "A música ficou ótima".

Em outra ocasião, Ziskind quis fazer o mesmo quadro com uma harpa. "Mas o dinheiro do cachê da harpista não pagava nem o transporte do instrumento." A solução foi montar o quadro na casa da professora. "Ficou lindo e, quando o programa estava no ar, recebo uma ligação de uma mãe que queria o contato da professora, porque a filha queria aprender o instrumento." 

O baterista Adson Lisboa faz homenagem à trilha do "Castelo"

Reconhecimento

Os perrengues enfrentados pelos músicos são recompensados até hoje, quando encontram fãs do programa nas ruas. "Quando as pessoas sabem que fui eu que fiz a música do ratinho, sou tratado quase como uma eminência", disse Ziskind. Abujamra também adora o reconhecimento, mas diz que se sente um pouco velho com algumas abordagens. "As pessoas chegam e dizem: 'Nossa, você marcou minha infância'. Uns caras barbudões falando isso. É engraçado, porque me sinto um pouco velho."

No YouTube, é possível ver versões da trilha do "Castelo" feita por alguns desses barbudos mencionados por Abujamra. O baterista Adson Lisboa criou versões para a música do ratinho, o tema da abertura e a canção de lavar as mãos. Em seu canal, Lisboa diz que fez os vídeos em homenagem ao programa que o educou. Ziskind disse que assistiu. "É muito agradável e compensador sentir o valor que as pessoas dão a isso. Música para criança tem essa coisa boa, porque você fez parte da infância dela."

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