O rótulo MPB não tem condições de abarcar o que faço, diz Lucas Santtana
Em “O Funk do Bromance", novo batidão do baiano Lucas Santtana, os versos ecoam livres em meio a um minimalista arranjo de cordas: “Ele beija ela/Ela beije ele/Mas se rolar um clima/Ele beija ele/Ela beija ela/Para eles o amor é livre/Ela não é gay/Ele não é viado [sic]/e não são mais classificados”.
Sinal dos tempos, a faixa é um dos destaques de “Noites e Dias”, álbum que o cantor lança oficialmente neste sábado (6), em um show no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Além de trazer um improvisado beatbox da atriz e ex-namorada Camila Pitanga, a música serve como um manifesto de Lucas contra a rotulação. Seja ela artística, musical ou meramente de comportamento.
“A música é uma observação de uma geração, um pessoal que eu encontrei na estrada. Eles ficavam com pessoas do mesmo sexo, mas não tinham esse problema de ser gay ou não. Eram apenas a favor do sexo um com o outro”, conta Lucas, em entrevista por telefone ao UOL.
“Depois que terminei tudo, tive que reler todas as letras. Percebi então que era um disco cronístico, de observação do cotidiano. Eu falo das coisas que estão muito presentes no pós-virada de século, principalmente as descobertas tecnológicas e as mudanças de comportamento.”
Apesar de fazer sucesso na Europa e de já ter sido descrito pelo "New York Times" como "um dos melhores compositores brasileiros de rock", Lucas é pouco conhecido pelo grande público no Brasil. Mas não lhe falta gabarito. Seu álbum de estúdio anterior, “O Deus que Devasta Mas Também Cura”, figurou nas principais listas de melhores de 2012.
Filho do produtor Roberto Sant'Ana e primo de Tom Zé, ele exibe no DNA a verve atropofágica do tropicalismo. Consegue digerir e regurgitar vários estilos em uma só composição. Impossível classificá-la. O mais perto que alguém poderia chegar, segundo o próprio, é entender sua nova fase como “mais eletrônica”, embora ainda essencialmente “orgânica”.
“Meu trabalho sempre foi 'de banda'. Acho que o que diferencia o disco é a presença de muitos sons sintéticos. As bateria, por exemplo, é eletrônica, não acústica, mas é o Bruno [Buarque, baterista] que toca, não um computador.”
MUSA FRANCESA
As letras diretas e os arranjos intrincados, com loops e orquestrações, são o pano de fundo para as várias participações especiais de “Noites e Dias”. Além de Camila Pitanga, também estão no disco o rapper carioca De Leve, o trio Metá Metá, o baixista dos Paralamas Bi Ribeiro e a atriz Fanny Ardant, musa do cinema francês e ex-mulher de François Truffaut. Ela canta em um dueto na faixa de abertura, a climática “Human Time”.
“Minha gravadora francesa me perguntou quem eu gostaria de chamar. Acharam interessante ter alguma coisa falada em francês. Falei que queria a Fanny Ardant, uma musa da minha adolescência. Vi muitos filmes dela nos cinemas de Salvador”, conta Lucas, que, após enviar despretensiosamente o material para a França, recebeu uma agradável surpresa.
“Não tinha a menor ideia de que ela aceitaria. Mandei com a letra traduzida de um jeito meio ‘tosquinho’ do inglês para o francês. Ela disse que adorou, mas que queria ela mesma fazer a tradução. Foi muito legal, porque ela realmente gostou e tomou partido da coisa.”
Imerso na cultura digital, o músico é defensor do formato físico de CDs e LPs, assim como das facilidades do MP3. Todos, diz, são capazes de comportar sua música, ao contrário do recorrente —e "retrógrado"— rótulo de "artista de MPB".
“Acho mais legal quando o trabalho da pessoa é mais associado ao nome dela. É mais simples. Essa coisa rótulo é coisa da indústria. Quando tinha prateleira, lojas de CD. Isso não existe mais. Não precisa mais disso. Acho que a MPB se diluiu totalmente. É uma coisa totalmente dos anos 70 que não tem a menor condição de abarcar o que eu faço."
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