Em novo disco, Leo Gandelman resgata valsa inédita de Pixinguinha
Para moldar seu novo trabalho, “Música de Fronteira”, o saxofonista Leo Gandelman se entrincheirou entre dois territórios que conhece bem: o erudito e o popular. No disco independente, que assina com o pianista Eduardo Farias, ele vai de uma ponta a outra para celebrar nomes como Ernesto Nazareth, Heitor Villa-Lobos e Baden Powell. A mistura, espécie de DNA oficioso da música brasileira, ganha tempero em “Ignez”, valsa inédita de Pixinguinha resgatada especialmente para o projeto.
“[A música] é um presente que eu recebi da Bia Paes Leme, [compositora e coordenadora musical] do Instituto Moreira Salles. Ela organizou o livro ‘Inéditas e Redescobertas’ e ofereceu para nós gravarmos uma das novas músicas. Escolhemos a valsa. Não sei se alguém já tinha registrado antes, mas eu nunca tinha ouvido. É linda”, conta Gandelman por telefone ao UOL,.
Maior expoente do sax moderno no Brasil, o instrumentista conta que a decisão de incluir o arquiteto do choro no disco pereceu mais do que óbvia. No romântico e tumultuado Rio de Janeiro dos anos 1920, Pixinguinha desenvolveu o que pesquisadores definem como “escuta aberta” no choro. Em uma época de castas bem definidas, quando negros e brancos não dividiam nem o vestiário de um clube de futebol, ele deu cor ao gênero com elementos do folclore, jazz, erudito e até das nascentes necessidades comerciais da indústria fonográfica. Poucos na história se embrearam tanto e tão bem pelo caminho do meio.
“Pixinguinha é totalmente um músico de fronteira. Não podia ficar de fora. Grande compositor e arranjador. Mapeou o choro. Diria que a importância dele para nós é a mesma que tem o [George] Gershwin para os americanos. É G4 dos maiores de todos os tempos. Só não me comprometeriam a dizer quais são os outros três”, brinca.
A escolha do repertório foi intuitiva e demorou pouco, conta. Reflete, em grande medida, a natureza eclética de Gandelman. Nos anos 1970, ele se mudou para os Estados Unidos para estudar arranjo e composição na prestigiada Berklee College of Music. De volta ao Brasil, pôde enfim mergulhar no cancioneiro da terra natal, tocando na noite da capital fluminense.
“Acho que essa mistura é uma coisa bem do Brasil. Nossa escola sempre foi a da música clássica. Mas o Villa-Lobos, por exemplo, à noite tocava seu choro também. O Guerra-Peixe compôs muitas peças populares. O Gismonti, que veio do clássico, também mandava popular. A mesma coisa o Radamés Gnattali”, expõe o músico, que faz questão de rejeitar o rótulo de que faz música instrumental. “Isso não define um estilo, nem mesmo um público. Define apenas a ausência de um cantor.”
Embora se mostre aberto a interferências de qualquer ritmo, como todo bom músico, Leo Gandelman guarda sua porção tradicionalista. E ela tem a ver com os novos meios de se produzir e divulgar o trabalho, em tempos de democracia digital.
“Acho que o advento da internet, de todos serem donos dos meios de produção, deu uma banalizada nas artes de uma maneira geral. Hoje, como diria Tim Maia, ‘todo mundo é tudo, mas ninguém é nada’. Ainda existe muita gente fazendo coisa boa, mas você não precisa saber mais tocar um instrumento para poder tocá-lo.”
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