Em série, Ivan Lins defende Racionais como uma das revoluções da MPB
Algumas datas passam despercebidas, mas guardam verdadeiras revoluções culturais. Foi assim quando Tom Jobim, Vinicius de Morais e João Gilberto cantaram "Garota de Ipanema" pela primeira vez. Ou quando Luiz Gonzaga gravou “Asa Branca”. E, ainda, quando quatro jovens se reuniram no Capão Redondo, periferia de São Paulo, para criar o Racionais MC’s.
Esses dias norteiam os episódios de "Hoje É Dia de Música", programa do canal a cabo HBO, que vai ao ar toda quinta-feira às 23h. Uma espécie de retrospectiva desses momentos cruciais --dos dias anteriores até as consequências que vieram a seguir. O primeiro capítulo, exibido no último dia 2, acompanha o dia do registro da música "Pelo Telefone", de Donga, considerado o primeiro samba da história. Nesta quinta-feira (9), a série viaja pelo nascimento das escolas de samba.
A consolidação do rap é tema de um dos episódios, ainda sem data para ser exibido. O primeiro álbum do Racionais, "Holocausto Urbano" (1990), certamente não estourou rapidamente, mas lançava, em oito músicas, um caminho sem volta para o hip-hop e para a música brasileira. "Foi quando a periferia começou a fazer com que suas vozes fossem ouvidas, sua realidade fosse colocada com intensidade. Até aquele momento, os movimentos da periferia eram fechados na própria periferia", diz ao UOL o cantor e compositor Ivan Lins.
O instrumentista apresenta a série ao lado de Monica Salmaso, sentado a um piano acústico. Mesmo com a carreira consolidada em um instrumento mais erudito, ele viaja na proposta da série e coloca os Racionais como um dos momentos mais influentes da música. "Eles saíram e invadiram a cidade. O rap vem como um desabafo, porque a sociedade mantinha a periferia na periferia. O governo e o Estado cagava e andava para eles, e a classe média também não dava bola. A periferia, até então, só se manifestava no Carnaval. Manteve acesa a denúncia nos centros urbanos, foi um movimento muito importante."
Da bossa ao excesso de novos artistas
Com depoimentos de Roberto Menescal, Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Martinho da Vila, Alceu Valença, Gaby Amarantos e Emicida, além de jornalistas e escritores como Ruy Castro e Sergio Cabral, a série resgata períodos do rico e complexo cancioneiro brasileiro até os anos 90, com o surgimento do mangue beat e de compositores como Lenine e Chico César.
O século 21, no entanto, não figura em nenhum dos dez episódios. A nossa música está em crise? Ivan Lins discorda. O que mudou foi a forma de se ouvir e divulgar música. "Nos anos 90, o mercado ficou mais difícil com a pirataria e uma série de fatores. A própria indústria começou a dificultar o acesso à música de qualidade. Basicamente, as rádios pararam de tocar. Isso foi no começo dos anos 90 e vem até hoje. A mídia aberta abandonou a música qualitativa brasileira", aponta.
A internet, como instrumento e vitrine, impulsionou movimentos e artistas até então desconhecidos. A impressão pode até ser de que não há nada importante acontecendo na música, mas o compositor acredita no efeito contrário. "Acho que o problema é que tem acontecido muita coisa interessante. Tem uma garotada fazendo coisas fantásticas, como o 5 a Seco. Eles colocaram 2.000 pessoas em duas noites no Auditório [do Ibirapuera, em São Paulo]. Só garotada. E no Rio ninguém faz a menor ideia de quem são. Tem uns meninos aparecendo, mas se você não ficar fuçando, não acha."
Entre o dia em que Carmen Miranda pisou no navio Uruguai rumo à América e a tropicália, Ivan não se furta em falar sobre o seu próprio divisor de águas: a bossa nova. O gênero ganha um episódio inteiro da fase pré-bossa, com Tom Jobim, Dick Farney e Johnny Alf, até o lançamento da obra-prima do gênero: o disco "Chega de Saudade", de João Gilberto, em 1959.
"A música brasileira ganhou dimensão internacional, uma modernidade harmônica. Se tornou mais diferenciada, mesmo com a influência dos anos 50, onde, de uma certa maneira, o jazz americano já vinha desenvolvendo. Isso desembocou no Brasil e optou-se por não aprofundar demais a forma jazzística e ir para o popular. A bossa ainda interfere e influencia muitos músicos no mundo inteiro", observa Ivan.
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