Drogas, deboche e bossa: Livro desvenda anarquismo hippie dos Novos Baianos
Os anos 70 seriam um porre sem os baianos cabeludos que cantavam letras poéticas e se dedicavam a experimentar, chegando a misturar o fino da bossa nova com uma guitarra estilo Jimi Hendrix.
O livro “Novos Baianos – A História do Grupo que Mudou a MPB” (Lazuli Ed. R$ 34,90), escrito por um dos principais compositores da banda, Luiz Galvão, é uma versão ampliada do depoimento lançado em 1997 com o título de “Anos 70: Novos e Baianos”. O relançamento ainda pode trazer uma boa surpresa para os fãs do grupo, caso Galvão consiga cumprir sua vontade: reunir os integrantes originais em um show para celebrar o livro. “O que precisa é de dinheiro”, diz, em entrevista ao UOL, afirmando que seriam necessários "R$ 50 mil para cada um.”
Mais do que falar sobre a música genial do coletivo, as histórias do livro buscam recriar a atmosfera da época, o anarquismo pacífico do grupo frente à repressão da ditadura militar e os dribles desconcertantes de seus integrantes dentro e fora dos campos futebolísticos e musicais. Cada passe de Galvão, Moraes Moreira, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Dadi e Paulinho Boca de Cantor deu a cara dos anos 70 e mudou para sempre a simbiose entre gêneros na música popular.
Regada a drogas, prisões e deboche, a odisseia do grupo é narrada por Galvão do momento em que Tom Zé o aproxima de Moraes Moreira –na gênese do conjunto– até a saída de Baby do Brasil e Pepeu Gomes, para seguirem carreira solo --já próximo dos anos 80--, sem preocupação com ordem cronológica. “Vou buscando lá na memória a história dos Novos Baianos diante da ditadura militar. Eles [os militares] já tinham expulsado Caetano e Gil [do país, em 1969] e não sabiam o que fazer com a gente. Então jogávamos com o anarquismo baiano”, conta Galvão ao UOL.
Drogas e bossa
Para superar a repressão da ditadura e tempos tão caretas, os baianos apostavam na música, na estética e nas drogas. Não foram exilados, mas Galvão foi para a prisão sete vezes. “A primeira vez que fomos presos foi porque éramos cabeludos. Não houve repressão porque eles não entendiam o grupo. Então eles nos perseguiam pela imagem, essas coisas.”
Entre “essas coisas”, os Novos Baianos foram parar na prisão por dar um calote em um hotel em Salvador e por porte de maconha. Sem deixar de relatar cada baseado aceso ou LSD tomado –tipo de coisa que chegou a levar os integrantes a uma expedição em um cemitério em busca de fantasmas--, Galvão procura, no decorrer do livro, fazer um contraponto quanto ao consumo das drogas. Na obra, ele chama a maconha, por exemplo, de “erva ilusória” e condena os jovens de hoje que fazem uso dela, dedicando um capítulo para explicar que o contexto da época pedia esse comportamento.
“Até hoje, de certa forma, eu pago um preço alto pelo que eu cometi naquela época”, ele explica. “Quando você vê um descendente seu usando maconha, essas coisas, você fica triste. Graça a Deus, meus filhos passaram por isso, mas saíram. Hoje, o momento é democrático, então o jovem não precisa copiar, tem que criar. A gente achava que para fazer música precisava de maconha, mas hoje eu faço canções bem melhores”, garante.
Em 1997, quando o grupo se reuniu para um novo álbum, Galvão já estava, como dizem, “careta”. Mas, na volta de um show, dentro do carro com Moraes, Paulinho e Baby, um cigarrinho dos tempos áureos voltou a ser acesso. Na ocasião, o compositor ficou em pânico, pois a polícia chegou a parar o veículo. Os policiais, no entanto, só deram um "puxão de orelha" nos músicos: ‘não acendem mais na orla que é sujeira’, relembra o compositor no livro.
Diante de tantos relatos sem maquiagem, a assinatura no prefácio pode causar estranheza: a do ex-presidente José Sarney. “Se restasse um único disco de música popular brasileira, seria o suficiente para que soubessem que aqui existiu uma grande civilização, com formidável cultura”, escreve ele, que é fã da banda e do álbum “Acabou Chorare”, eleito pela revista “Rolling Stone” o melhor disco brasileiro de todos os tempos.
A influência de João Gilberto
Porém, não só de folia e caos viveu o grupo. Os Novos Baianos também encontraram calma, reflexão e poesia em conversas João Gilberto, que Galvão conhecia desde a infância, quando ambos moravam em Juazeiro, na Bahia. Além de influenciar diretamente na sonoridade celebrada de “Acabou Chorare”, o pai da bossa teve papel importante na própria criação do grupo.
“Em Juazeiro, eu já tinha mostrado alguns poemas para ele, que nem existem mais, foram perdidos. Ele dizia: ‘se você fizer isso no Rio e São Paulo, vai dar certo, as pessoas não pensam assim’. Quando fui dormir, pensei nisso que João Gilberto falou e escrevi para ele nos Estados Unidos: ‘estou indo fazer o que você falou, João’. E criou-se o Novos Baianos”, conta.
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