Com 30 anos de carreira, Gessinger critica "síndrome de Peter Pan" do pop
Humberto Gessinger é um homem de planos. Não bastasse a turnê do novo DVD, “Insular ao Vivo”, que dará início às comemorações de seus 30 anos de carreira, o líder dos Engenheiros do Hawaii pretende regravar o primeiro álbum da banda, “Longe Demais das Capitais”, lançado em 1986.
O retorno à banda mais emblemática do rock gaúcho (“se todos estiverem aqui, com a graça de Deus”) deve acontecer só em 2017, ano em que também espera retomar a incipiente trilha de escritor, que já acumula cinco títulos.
Feliz com os 51 anos que completa em dezembro, Humberto queria mesmo era ser mais velho. Ao menos fisicamente. “Por mim, se eu pudesse escolher, até meu cabelo estaria mais grisalho do que está agora. Minha barba e meu bigode estão completamente grisalhos, e o cabelo está parcialmente. Aí pensam que eu pinto!”, diz bem-humorado ao UOL por telefone.
“Não tenho problema com o tempo. No mundo pop, que é onde eu vivo, o que mais me irrita é essa síndrome de Peter Pan. Todo mundo quer ser criança o tempo todo.”
Sem receio de apontar os próprios defeitos, ele assume que, depois de tanto tempo, vem percebendo que nem sempre fez seu discurso ser compreendido a contento. Uma falha de comunicação de quem quis falar muito e ao mesmo tempo.
Sobre a experiência solo tardia, o músico afirma não ver diferença em relação aos Engenheiros. Demonstra orgulho ao divagar sobre a renovação “eterna” de seus fãs, sempre em maior número e decibéis que os “haters” de plantão. E ainda lança um apelo: a cultura popular necessita colocar os pés no chão.
“O cara não é um Deus porque tem 200 discos de ouro na parede. Porque tem não sei o quê. A gente não tem que ocupar tanto espaço na vida das pessoas”, acredita. Leia a entrevista abaixo e confira as datas da turnê no blog do músico, o BloGessinger.
UOL – Apesar dos quase 30 anos de carreira, e de ter sempre sido “a cabeça” dos Engenheiros, você ainda está engatinhando na carreira solo. Quais são as diferenças?
Humberto Gessinger – Para falar a verdade, não tenho sentido muita diferença em relação ao que eu vinha fazendo, não. O lance de eu ter colocado meu nome na frente do disco foi mais por não ter uma banda fixa me acompanhando. Assumi meu nome. Mas, na vida real, se eu fechar os olhos, não sinto diferença nenhuma em ser uma banda ou solo.
Independentemente dos “haters”, os Engenheiros sempre foram conhecidos pelo público fanático, barulhento tanto no auge da banda como nos momentos de baixa. Como é a reação hoje?
É a mesma coisa. Eu continuo tocando várias músicas dos Engenheiros. No DVD, tem várias canções. E é muito barulhento. É engraçado. Já estou nesta há 30 anos. E parece ser sempre o mesmo público. Às vezes eu olho assim no show e penso: “Nossa, aquele menino de 15 anos é o mesmo guri que tinha 15 anos em 1986”. É um público que se renova. Mas é o mesmo tipo de afeto que a banda gera. Isso é muito louco, porque dá essa sensação de renovação constante. E eu não me dou conta de como isso acontece. É como se o mesmo público se reproduzisse. Eu me sinto como o mesmo cara que tocava em 1986.
Você acha que sua mensagem ainda é atual? Serve para adolescentes de qualquer época?
É uma maneira bem heroica de ver as coisas. Pode ser. Mas, por outro lado, acho que eu soube fazer um “mix”. É muito difícil para um artista longevo misturar o que ele já fez com o que ele está fazendo e com o que ele quer fazer dali para frente. É uma linha muito tênue que divide a coerência a autorreferência pesada. Ou a renovação da ruptura, né? Acho que já devo ter perdido a mão várias vezes em relação a isso. Mas é uma coisa com que sempre me preocupou. Eu não quero alienar aquele fã mais superficial, que só ouviu uma música na rádio e nem sabe se é Engenheiros ou Paralamas. E também não quero alienar aquele fã que sabe tudo, que segue Instagram e fica reclamando se eu mudei a cor da parede do quarto. Eu explicaria esse comportamento dos fãs de uma maneira mais “pé no chão” e pragmática. Mas, sem dúvida, algum sentido as músicas devem fazer para fazer esses moleques saírem de casa para assistir ao show.
Mas certamente as músicas novas encontram resistência, não?
É muito louco. O que é novo é sempre mal recebido. Porque tem fã que não quer que toque sucesso e fã que só quer que você toque sucesso. Quando vazou o setlist do DVD foi muito engraçado, porque havia uma simetria absurda de gente pedindo mais “lado B” e gente pedindo mais sucessos. É uma mistura. Acho que toda banda longeva vai carregar um pouco disso. De não poder agradar a todos em um disco como esse, que propõe dar uma geral na carreira, que é o que eu queria com o DVD do “Insular”.
Você se enxerga como ídolo?
Eu acho, velho, que está na hora de a música e a cultura popular colocarem um pouco os pés no chão. O cara não é um Deus porque tem 200 discos de ouro na parede. Porque tem não sei o quê. A gente não tem que ocupar tanto espaço na vida das pessoas, eu acho. Estou nessas. Tentando ocupar menos espaço nas cabeças da pessoas. E um espaço mais profundo. Não sei se eu me faço entender. Acho que às vezes se coloca uma lente de aumento muito grande em coisas que, ao longo do tempo, você saca que não significam nada perto da coisa que importa mesmo, que é a música.
Que tipo de apego você tem pelas suas músicas?
Quando estou compondo, consigo perder o sono por causa de uma sílaba. Mas, quando eu lanço a música, eu não tenho o menor apego. Agora saiu disco de tributo aos Engenheiros, diferente. Achei bom, cara, porque quanto menos reverentes esses tributos são, melhores ficam. E eu adoro ver minhas músicas em outras leituras. Quem acompanha meu trabalho sabe que, nas minhas próprias regravações, eu mudo letra, mudo tom, mudo arranjo, instrumento.
Por que decidiu gravar o DVD em Belo Horizonte, não em Porto Alegre?
A grande pergunta é: como não gravar em BH? Desde o início a gente desenvolveu um público muito bacana lá. Para além do número, a maneira como o mineiro ouve a música é muito diferente. E é interessante, porque não é uma cidade para a qual eu tenha feito algo especial no início da carreira. Lembro até que foi uma das capitais onde eu mais demorei para tocar. Mas, depois, a gente desenvolveu uma relação muito próxima. E é uma coisa que transcende essas coisas de mercado.
Por que você voltou a tocar baixo na carreira solo?
Começou na composição do “Insular”. Eu tinha as canções, mas estava bem perdido. Numa noite peguei e comecei a tocar o baixo. Já vinha de dez anos em projetos acústicos. E o baixo deu a coluna dorsal que precisava. Não é nenhuma invenção musical, técnica. É uma coisa de eu me sentir mais onde eu devia estar mesmo. Às vezes você fica andando muito e se afasta de onde devia estar.
O retorno dos Engenheiros vem sendo adiado nos últimos anos. Quando acontecerá?
É que uma coisa vai levando à outra. Lancei o “Insular”, que puxou o DVD. Agora em janeiro vou completar os 30 anos do primeiro show. Mas eu não fiquei a fim de fazer nada comemorativo. O que estou na pilha de fazer é, em 2016, regravar o “Longe Demais das Capitais”, nos 30 anos do disco. Mas queria entrar em estúdio com essa turma que está fazendo o “Insular” comigo. São vários músicos da música regional gaúcha. E acho que seria lindo, porque o disco, já naquela época, falava dessa coisa mais regional. Então, até esse projeto, os Engenheiros não vão voltar. Em 2017, se estivermos todos aqui, com a graça de Deus, a gente pode se reunir.
Você vem lançando livros desde que deu um tempo com os Engenheiros, em 2008. Agrada a ideia de seguir como escritor?
Não. No momento estou ficando um pouco enciumado com essas coisas de livro. Tenho autografado mais livro do que disco. Fico indignado com isso (risos)! É surreal ver como o mundo digital conseguiu “acabar” com o disco, mas não com o livro, que é uma tecnologia mais rudimentar. Teoricamente seria mais fácil o livro sucumbir à digitalização. Tenho escrito muito, mas nesses próximos dois anos, não pretendo lançar nada. É uma coisa que eu não tinha muito a mão. No disco, você vai lançando, e as pessoas vão ouvindo de maneira mais imediata. E o livro demora mais. A pessoa compra, lê etc. É mais lento. Então vou segurar um pouco porque está meio molhada demais essa esponja.
Como é ter 50 anos?
Cara, sou daqueles que meio que nasceram velhos. Não tenho problema com o tempo. No mundo pop, que é onde eu vivo, o que mais me irrita é essa síndrome de Peter Pan. Todo mundo quer ser criança o tempo todo. Isso me irrita um pouco. Então não estou vivendo nenhum trauma. Por mim, cara, se eu pudesse escolher, até meu cabelo estaria mais grisalho do que está agora. Porque minha barba e meu bigode estão completamente grisalhos e o cabelo está parcialmente. Aí eles pensam que eu pinto o cabelo! Mas eu não consigo ficar triste com a passagem do tempo. Talvez se eu fosse um atleta, eu não estaria tão feliz. Porque não estaria conseguindo fazer o meu trabalho da mesma forma. Mas sinto que eu toco melhor hoje. Que eu sou um cara menos ansioso. E, qualquer melancolia que eu sentisse por estar ficando velho, três notas tocadas no contrabaixo me tirariam isso da cabeça.
Que conselho daria ao Humberto de 20 anos?
Aprenda a respirar fundo e a falar mais devagar.
Por quê?
Acho que algumas vezes, na minha carreira, eu quis falar muita coisa ao mesmo tempo. E não fui entendido. Isso nunca me incomodou, mas agora eu começo a pensar isso. Há uma distância muito grande entre a forma como quem me conhece bem me vê e a forma como quem me conhece superficialmente me enxerga. Acho que isso é um erro de comunicação meu. Mas isso é um papo filosófico. O que eu queria dizer mesmo é, literalmente, respirar fundo e falar mais devagar mesmo. Fisicamente, ser mais relax. Isso se eu pudesse falar alguma coisa. Mas certamente o Humberto de 21 anos não iria me ouvir (risos).
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