Topo

Da igreja ao Lollapalooza, banda de Natal mistura rock pesado com pop

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

25/02/2015 06h00

Uma das novidades trazidas pelo festival Lollapalooza em 2015 atende pelo nome de Far From Alaska, que em português quer dizer “longe do Alasca”. Apesar de ter letras em inglês e um som tipicamente gringo, o grupo realmente não podia estar mais distante do gelado Estado norte-americano. Natal, no Rio Grande do Norte, é o berço do quinteto, que tem como particularidades um começo “atropelado”, um estilo único de misturar pop, metal e música eletrônica e o fato de sua dupla de vocalistas ter crescido musicalmente dentro de igrejas.

O Far From Alaska é uma banda nascida de forma descompromissada. O acaso e o objetivo de fazer música com personalidade e sem forçar qualquer barra, com os cinco integrantes batendo cabeça até todos estarem satisfeitos com os resultados, são o segredo de uma trajetória que começou há apenas três anos. Foi uma rápida ascensão, até a convocação para o Lollapalooza 2015, divulgando o álbum de estreia, “modeHuman”, lançado em maio de 2014.

Apesar de apenas dois integrantes serem de Natal, foi a cena potiguar que criou o grupo. Todos os músicos tinham outros projetos na cidade, até que a ideia de criar uma banda para que a então baterista Emmily Barreto cantasse, junto à multi-instrumentista Cris Botarelli-ambas à época do grupo Talma & Gadelha-, formaram o embrião do Far From Alaska.

Uma curiosidade é que ambas são crias de “lares cristãos” – elas evitam usar o termo “evangélico” para evitar preconceito. “Hoje, o termo é mais associado aos ‘fundamentalistas religiosos’ do que ao que realmente é. Mas é verdade, somos cristãs. A Emmily deixou de ir um pouco, mas aprendeu a tocar lá. E eu nunca deixei de ir, até poucos meses atrás ainda tocava guitarra lá. Gostava”, explica Cris Botarelli, que passou a tocar sintetizadores, steel guitar e dividir parte dos vocais com Emmily.

O que se desenvolveu depois pouco tem a ver com este passado. Com a entrada de Rafael Brasil na guitarra, Edu Filgueira no baixo e Lauro Kirsch na bateria, o grupo virou uma salada de influências. Das meninas fãs de pop aos marmanjos que curtem bandas mais pesadas, como Queens of the Stone Age e Mastodon, o grupo se fechou no estúdio para saber o que sairia da mistura de gostos.

“A gente se juntou para tocar sem saber o que ia sair”, conta Rafael Brasil. “Acho que o nosso som é assim pela liberdade. O Edu é do metal, eu piro em efeitos e pedais e tem o lance pop das meninas, que traz a melodia.”

Parece fácil, mas não é tanto. “Todo o mundo toca outros instrumentos, então é muito pitaco de todo lado. Mas, pela premissa de ser livre, conseguimos fazer o que é melhor para a música”, acrescenta o guitarrista. Cris resume as brigas, debates e concessões entre as quatro paredes do estúdio: “É muito doido!”.

O estouro: encontro com Garbage e clipe no ‘deserto’

“Tem coisas que simplesmente acontecem com a gente”, diz Cris. Foi assim, num incidente inusitado, que o Far From Alaska ganhou atenção internacional pela primeira. Durante o festival Planeta Terra de 2012, o quinteto teve a chance de conhecer a vocalista do Garbage, Shirley Manson, que mais tarde recomendou o grupo potiguar em redes sociais.

“Eu a encontrei no hotel, mas fiquei com vergonha. Como não tinha mais ninguém, fui tirar foto e, quando ela viu meu crachá do festival, puxou papo. Depois, deixei um bilhete para ela ouvir a gente – nós nem tínhamos CD”, conta Cris. “Passou um tempo, acordamos um dia com o post do Garbage recomendando pelo Facebook um som nosso.”

A mensagem trazia elogios de Shirley: "Quando o Garbage viajou ao Brasil, uma banda chamada Far From Alaska abriu o festival. Depois, trombamos com eles no lobby do hotel, e eles nos entregaram sua música. Por causa da agenda, nunca tinha conseguido ouvir. Mas os procurei, e o som deles fez meus ouvidos e os do meu marido explodirem.”

A gravação do clipe para “Dino vs. Dino” também acabou sendo marcante, tanto pelos perrengues da gravação quanto pelo resultado, com mais de 230 mil visualizações no YouTube. A ideia partiu da produtora Granada Filmes, que encontrou um trecho de dunas próximo a Natal e recomendou o local para as filmagens.

“Não achamos que fosse ficar bonito, mas eles botaram pilha, e fomos. Era para termos gravado em dois dias, mas era impossível. É um lugar inóspito, de acesso muito difícil. Saímos às 3h30 da madrugada para gravar, enfrentamos calor, tempestade de areia... Até hoje tem areia nas nossas coisas. Sério! Foi ‘guerreiragem’, mas o resultado foi ótimo e nos rendeu muitos frutos”, relata Cris.

Começo ‘atropelado’ apressou a evolução da banda

Antes da conquista da fama, o início do grupo foi confuso. Pouco depois de começar as primeiras composições do Far From Alaska, em 2012, o quinteto resolveu gravar um EP de quatro músicas, que teve a produção a cargo do conceituado Chuck Hipolitho, ex-VJ da MTV, ex-Forgotten Boys e atual guitarrista do Vespas Mandarinas. Foi ele quem recomendou a participação no concurso "Som Para Todos". Sem ter feito sequer um show, eles ganharam a disputa e foram premiados com um contrato com a gravadora Deckdisck e a chance de tocar no festival Planeta Terra.

As conquistas foram importantes para o grupo, que já havia rompido a barreira da cena de Natal com seu som mais viajante e menos direto e que também transcendeu o ciclo nordestino, tocando em São Paulo e fincando os pés na capital paulista como segunda base. “Nosso começo foi todo atropelado. Para o Planeta Terra, tínhamos só quatro músicas. Era o que tinha. Então, estávamos preocupados em fazer virar uma banda de verdade rapidamente”, explica Rafael Brasil.

Além dos efeitos de Rafael, os usados por Cris também acabaram se mostrando fundamentais. Se Natal tem um rock direto, ela queria explorar outra direção. Como ia deixar a banda por não se encaixar como baterista, ela acabou ficando no processo de composição para adicionar pitadas de sintetizador.

“Foi suado, mas rolou. Eu tinha de criar algo relevante, e era a primeira vez com sintetizador, mas a liberdade que temos foi muito boa”, detalha Cris, que depois acrescentou a steel guitar ao seu equipamento. A parceria com Emmily nos vocais só acrescentou ao estilo único criado. “A voz dela é completamente diferente. Ela é mais potente, e eu mais suave. E, apesar disso, combina.”

A mistura do lado mais pop de Emmily e Cris com o rock e o peso do heavy metal trazido por Edu, Rafael e Lauro conquistou um público variado, que até surpreende o grupo. “Essa é uma parte doida da banda. Quando vi que até ‘headbangers’ estavam curtindo, percebemos que estávamos crescendo. Temos influência desde Black Sabbath até Lady Gaga, Madonna, Queens of the Stone Age, e isso atraiu um público muito amplo.”

O Far From Alaska se apresenta no Lollapalooza 2015 no domingo, 29 de março, dia que tem como principais atrações Pharrell Williams, Calvin Harris e The Smashing Pumpkins. “As pessoas vão a festivais na ‘vibe’ de ver coisas novas, então é um lugar massa, com estrutura legal, e poderemos nos mostrar da melhor forma para esse novo público”, disse Cris, sobre o próximo passo nos planos de conquista da banda. Rumo ao Alasca?

Confira abaixo quatro clipes da banda: