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De Legião a Sepultura: bandas da geração 85 apostam em ressurreição do rock

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

16/03/2015 10h21

Legião Urbana, Ira!, RPM, Ultraje a Rigor e Sepultura. Além do sucesso, cada qual em sua seara, todas essas bandas têm em comum 1985, ano em que despontaram com seus primeiros álbuns: "Legião Urbana", "Mudança de Comportamento", “Revoluções por Minuto”, "Nós Vamos Invadir sua Praia" e "Bestial Devastation".

O período que marcou a transição democrática no Brasil, com a posse do primeiro presidente civil pós-ditadura, testemunhou também uma onda até então inédita. Simples, diverso e, sobretudo, irreverente: há 30 anos o rock nacional nascia comercialmente no país, com três décadas de “delay”.  

Antes jogado à sarjeta, o estilo passou subitamente a reinar nos meios de comunicação. Rádios, programas de TV e revistas especializadas pipocavam com uma nova cara, uma estética menos sisuda e mais solta, como a juventude da época. Finalmente era possível ser jovem no Brasil e falar (e cantar) abertamente sobre qualquer assunto.

O apogeu do fenômeno, que penetrou em praticamente todas as áreas do entretenimento e perdurou até o fim da década, teve como marco a realização do primeiro Rock in Rio, reunindo mais 1,3 milhão de espectadores. Cabeças frescas. Transas novas. O começo de uma era dourada cujo destino parece hoje cada vez mais fadado aos verbetes da história.

Segundo a empresa Crowley, que monitora 215 rádios no país, o rock nacional foi representado com apenas duas das cem músicas mais executadas em 2014. Um duro e histórico revés, fruto, em parte, do predatório mercado do sertanejo.

Mas há luz. E quem diz isso são os próprios músicos da geração que estreou em 1985. Na palavra da maioria deles, há a chance de estarmos atravessando apenas um período de baixa, à espera da bonança. Veja a seguir o que pensa cada um deles sobre o cenário da época e sobre as perspectivas da crise do rock brasileiro.

Marcelo Bonfá – baterista da Legião Urbana

O ex-Legião Urbana Marcelo Bonfá - Greg Salibian/Folhapress - Greg Salibian/Folhapress
O ex-Legião Marcelo Bonfá
Imagem: Greg Salibian/Folhapress

Geração 1985 – "Era um cenário que já vinha acontecendo, e 85 foi o momento que catalisou tudo. Havia muita gente saindo da adolescência, em um momento de questionamento, logo depois da ditadura. Estávamos abrindo uma porteira, e a indústria viu um potencial econômico interessante, dando voz à geração.

A gente já sabia que tinha algo especial em 85. Não exatamente como aconteceria, mas havia uma ideia. Tudo aconteceu muito rápido. Vejo como um grande “big bang”. As bandas eram mais próximas, tinha muita coisa nova acontecendo: o punk, o pós-punk. A ideia de fazer musica mais simples e ter um assunto em comum."

O futuro do estilo – "É um ciclo. Acho que o que está acontecendo agora, com domínio do sertanejo, é o fenômeno de uma nova classe econômica ascendente, que antes não tinha acesso às coisas. E eles se expressam de maneira diferente. Tudo que é ditado pelo lado econômico. E o que a mídia explora, muitas vezes, é uma música sem tanto conteúdo, mais pobre em matéria de letra, melodia, discurso.

Mas acho que o rock ainda não acabou nem vai acabar. E continua no mesmo nível. As pessoas estão trabalhando, criando. Só é um pouco abafado. E requer um pouco de investimento também, que acaba indo para outro lado. O rock é uma herança genética."

Nasi – vocalista do Ira!

Nasi participa do Bate-papo UOL - Manuela Scarpa/Photo Rio News - Manuela Scarpa/Photo Rio News
Nasi, vocalista do Ira!
Imagem: Manuela Scarpa/Photo Rio News

Geração 1985 - "É difícil achar uma única razão para o que aconteceu. O rock e a nova geração de músicos eram parte de um clima de transformação, de esperança no Brasil. O fim da censura, a perspectiva de eleições, de democracia. Isso criou uma atmosfera muito otimista.

E a geração vingou porque, naquele momento, havia muitas bandas que já tinham uma história de três, quatro anos de ralação. Aqueles primeiros discos da época eram quase sempre frutos de um repertório muito bem vivido nos pequenos espaços. Isso aconteceu com Legião, Ultraje, Titãs."
 

Futuro do rock brasileiro – "Gostaria de ser otimista, e pensar que são ciclos. Mas não penso tanto assim. Li há pouco tempo uma crítica de um livro, escrita pelo André Barcinski, que dizia que a internet, em vez de democratizar a música, tornou o mainstream ainda mais mainstream. É realmente o que acontece hoje em dia, com a massificação. Os pequenos e médios artistas estão esmagados pelos grandes. E é mesma coisa que acontece com a música popular brasileira.

O que toca hoje é a rapa do tacho do reservatório da Cantareira. O que você ouve nas rádios é um grande fim de feira. No pop, é pior ainda. Ninguém canta nada, todos parecem iguais. Você não sabe diferenciar o que é Rihanna, Beyconé, Justin Timberlake. É a geração do Pro Tools e do Auto-Tune."

Paulo Ricardo – Vocalista do RPM

11.mai.2014: O cantor Paulo Ricardo, da banda RPM, durante o Festival CCBB de Música Urbana, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo - Greg Salibian/Folhapress - Greg Salibian/Folhapress
Paulo Ricardo, vocalista do RPM
Imagem: Greg Salibian/Folhapress

Geração 1985 –  "O pontapé foi dado pelo sucesso do compacto de “Você Não Soube Me Amar”, da Blitz, em 82, que deflagrou uma caça a novas bandas pelas grandes gravadoras. Após a primeira safra, em 85 a cena estava madura o suficiente para o surgimento de bandas com um repertório mais denso, como o RPM e a Legião.

Essa época marcou nossa verdadeira profissionalização. Trabalhamos com grandes nomes, como o Tomas Muñoz e o Marcos Maynard, na CBS, com a produção do Luiz Carlos Maluly, a contratação pelo Manoel Poladian e finalmente, a cereja do bolo, a direção de Ney Matogrosso. Não foi uma loucura, como pensam. Pelo contrário, foi um ano de muito foco, disciplina e responsabilidade."

Futuro do rock brasileiro – "A culpa pela crise do rock nacional? É do FHC (risos)! Brincadeiras à parte, não há, obviamente, um culpado. É assim mesmo, movimentos culturais são sempre pendulares. Daqui a pouco o rock volta. Temos que entender que o rock, diferentemente do axé e do sertanejo, é um gênero anglo-saxão. É uma briga de cachorro muito grande.  E é preciso muito trabalho, como sempre. Não há milagres nem fadas madrinhas."

Roger Moreira – vocalista do Ultraje a Rigor

Roger Moreira, líder do Ultraje a Rigor - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Roger Moreira, líder do Ultraje a Rigor
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Geração 1985 - "As coisas começaram a acumular, com muita coisa acontecendo no Rio. Um pouco antes, estouraram o Ritchie e a Blitz. E passaram a existir rádios como a Fluminense, no Rio, a própria Globo. O nosso “Nós Vamos Invadir sua Praia” era meio por causa disso. A gente tinha que passar pelo Rio para sair para o resto do Brasil.

Em 85 o clima era de alegria, de vitória. Tínhamos acabado de sair da ditadura, com muita vontade de fazer coisas novas. Havia também uma predisposição à irreverência em todas as artes. Teatro, quadrinhos, jornais. Havia o “Planeta Diário”, o “Casseta Popular”. A ideia era que a gente já tinha ganhado, não precisávamos mais brigar por nada."

Futuro do rock brasileiro – "Acho que o rock é pendular. E existe sempre. Quanto a isso, eu sou otimista. Mas, de uns tempos pra cá, depois do videoclipe e da MTV, ficou uma coisa um pouco padronizada. De ter um comportamento que eu tenho que seguir, aparência que eu devo ter. Uma “atitude” entre aspas. O rock deixou de ser o que deveria ser originalmente: diversão para o jovem.  

Acho que o que deu errado no meio do caminho foi a gente ter aparecido (risos). Porque o normal é isto que está acontecendo agora. As músicas mais populares sempre têm mais destaque. A gente é que foi uma coisa diferente que apareceu ali. E acho que teve um certo complexo de inferioridade também, não de minha parte, mas de muitas bandas que começaram a querer ter o aval de medalhões do samba e MPB que vinham antes. Cederam um pouco e entregaram a coisa de volta."

Jairo Guedz – ex-guitarrista do Sepultura

Jairo Guedz, guitarrista original do Sepultura - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Jairo Guedz, guitarrista original do Sepultura
Imagem: Reprodução/Facebook

Geração 1985 - "Parecia que tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. Mas o Sepultura estava um pouco afastado desse eixo do rock brasileiro. Éramos de Belo Horizonte e já nascemos querendo fazer heavy metal dentro de moldes alemães e americanos. Só um tempo depois a gente teve ideia do que estava rolando fora.
Mas era tudo muito difícil e precário para quem estava começando de maneira independente. Tomei todos os canos possíveis no Sepultura, nunca recebia cachê. Lembro de entrar em estúdio pela primeira vez e os caras ficarem olhando pra gente com desdém. Não tínhamos conhecimento técnico, e sei que a maioria das outras bandas da época não tinha muito. O Igor nunca tinha visto uma bateria completa antes de gravarmos um disco.

Futuro do rock brasileiro – Estou com 46 anos, comecei com 14. Ainda não passei por ciclo completo. Mas existe um ciclo maior, sim. Daqui a 50 anos, vai haver um Beatles de novo, com cabelos de cuia e terninhos. E, dentro desse grande desse ciclo, existem miniciclos. É difícil a gente falar em termos universais.

O que acontece no mercado do metal aqui é totalmente diferente do que acontece na Europa e nos EUA, por exemplo. Lá, existem rádios que sobrevivem só tocando rock. Não sei se é desleixo do pessoal daqui. Que cansa de trabalhar, nas lojas, nas rádios, nas gravadoras. Mas, no fim das contas, o que fala alto é o dinheiro, e as pessoas vão abrindo mão da paixão em nome da razão."