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Renato Russo é protagonista no livro de memórias de Dado Villa-Lobos

O guitarrista Dado Villa-Lobos, que lança o livro ?Dado Villa-Lobos ? Memórias de um Legionário? - Pablo Koury/Divulgação
O guitarrista Dado Villa-Lobos, que lança o livro ?Dado Villa-Lobos ? Memórias de um Legionário? Imagem: Pablo Koury/Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

01/06/2015 06h00

Foi em um campo de futebol que Dado Villa-Lobos, guitarrista que integrou a Legião Urbana, tomou a decisão de narrar as suas memórias. Em uma breve discussão sobre qual time deveria fazer um arremesso lateral, descobriu que um jogador da equipe adversária era fã de sua antiga banda. Foi a partir desse jogo que ele começou a conversar com o historiador Felipe Demier para que transformassem em livro as suas lembranças. Logo Romulo Mattos, outro historiador, juntou-se à empreitada. Dessa forma, os três aparecem como autores na capa de “Dado Villa-Lobos – Memórias de um Legionário”.

“Eles trouxeram toda a apuração histórica e cronológica dos fatos, foram atrás de dados importantes e específicos de cada situação, verificaram toda a documentação desses últimos 30 anos, buscaram em jornais, publicações, revistas, no acervo da Fernanda, minha mulher...”, conta Dado por telefone ao UOL. Entre 2012 e 2013, o guitarrista se reuniu diversas vezes com Demier e Mattos para lhes contar o que se lembrava de sua história, principalmente da vivida com a Legião.

Coube a Dado dar a cara final à obra. A principal ideia era apresentar um novo enfoque para a já conhecida história da Legião, mostrando uma “visão interna da banda, da dinâmica do grupo”. Com isso, apesar de o livro conter poucas passagens inéditas –muito já foi registrado em outras obras sobre Renato Russo, a própria Legião ou o rock nacional--,  tem seu valor pelos detalhes, sensações, opiniões (a respeito dos álbuns da banda, principalmente) e pela visão que apenas um dos protagonistas da história do maior grupo de rock do Brasil poderia evidenciar (leia algumas passagens ao final do texto).

Dado

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    Estávamos juntos, alimentando essa entidade que era a Legião, mas não parecia que o Renato era um mito. A gente se encontrava domingo no cachorro quente, contava piada e jogava Imagem & Ação. O próprio Renato lutava contra essa mitificação. Éramos só mais uma banda de rock no cenário

    Dado Villa-Lobos

Um desses momentos, por exemplo, mostra os bastidores da gravação de “A Era dos Halley”, especial da Globo que foi ao ar em 1985, na ocasião da passagem do cometa Halley. Na ocasião, os integrantes da Legião apresentaram “A Canção do Senhor da Guerra” em figurinos bizarros --Renato Russo estava de capa, espada, capacete e óculos, enquanto Renato Rocha, o Negrete, baixista dos primeiros três álbuns do grupo, usava um capacete de chifres. “Essa banda teve poucos momentos divertidos, e esse foi um deles”, registra o livro.

Há outros momentos de diversão, principalmente quando Dado fala de sua juventude, das produções em estúdio e das relações amistosas que os colegas de banda nutriam quando não estavam trabalhando. As memórias relacionadas à Legião, no entanto, são marcadas sobretudo pela tensão, principalmente por conta do humor instável, da saúde frágil e dos problemas com drogas de seu líder. “Era uma realização plena, mas tem muitas questões tristes”, lembra o músico.

Renato Russo, aliás, toma proporções enormes no livro. Em certo momento, a impressão é que lemos as lembranças de Dado relacionadas estritamente a Renato, tamanho o protagonismo que o vocalista e compositor assume, apesar de o livro revelar as experiências de seu parceiro musical. “Ele é quase que o protagonista da história. Ali tem as memórias do legionário, e o Renato tem essa força, tanto que agora é mitificado. Ele foi o cara que realmente mexeu com a turma em Brasília de forma muito forte e intensa”, assume Dado.

Contudo, enquanto a banda existia, o guitarrista garante que os integrantes não imaginavam que tanto Renato quanto a Legião tomariam as proporções que tomaram. “Estávamos juntos, alimentando essa entidade que era a Legião, mas não parecia que o Renato era um mito. A gente se encontrava domingo no cachorro quente, contava piada e jogava Imagem & Ação. O próprio Renato lutava contra essa mitificação. Éramos só mais uma banda de rock no cenário”, diz. Mas o tempo mostrou que a Legião Urbana não era “só mais uma banda”.

Leia alguns trechos de “Dado Villa-Lobos – Memórias de um Legionário”:

Roubos na juventude

“Também por volta de 1977, em Paris, iniciei breve carreira na delinquência juvenil, roubando mobiletes com o meu irmão. Ele chegou a roubar umas motos de verdade, com 125, 250 cilindradas, e foi preso por isso. Meu pai teve de ir buscá-lo na delegacia e foi aquele climão. Era com interesse que eu passeava pelo lado selvagem de Paris, para fazer referência a Lou Reed. A pequena rua onde eu morava terminava na avenida Foch, onde prostitutas faziam ponto. Eu cresci vendo-as ali, com aquelas roupas e acessórios clássicos de meninas que ganham a vida na rua. […] Para coroar a minha fase delinquente, furtei um relógio de bolso em ouro, numa festa privada. Mais tarde, já em Brasília, ofereci esse relógio ao meu irmão em troca de uma guitarra que estava em seu poder, e o acordo foi fechado.”

Relação entre os membros da Legião
“No mês seguinte, em maio de 1983, marcamos presença no Expoarte VII da UnB, no Teatro Galpão, e também no III Festival de Windsurf da Lagoa Formosa, em Planaltina (GO), evento com apoio do Guaraná Antarctica. Embora a banda estivesse mais coesa, o nosso relacionamento interno não era nem nunca chegaria a ser como o d'Os Paralamas, ou como eu acho que era o do Barão Vermelho. Cada um de nós sempre foi muito reservado em relação aos outros membros do grupo. Quando tínhamos um show, éramos “um por todos, todos por um”, mas, fora do palco, nunca existiu uma grande cumplicidade. Éramos amigos, claro, porém, em primeiro lugar, vinha a Legião. Isso ficaria muito claro para mim com o passar do tempo”.

Liderança de Renato
“Uma história inusitada sobre as gravações do 'Dois' é que, certa vez, às 9h, o Renato estava dormindo debaixo da marquise da EMI, embriagado de cachaça, ao lado dos mendigos da rua. O maluco tinha virado a noite nas birocas da cidade. O Boaventura e os executivos da gravadora estavam chegando para trabalhar e quase encontraram o Renato naquele estado de semimendicância. O que até seria engraçado, porque esse era o mesmo sujeito que dizia ao presidente da EMI: “My dearest, we have a nem álbum and it's definetely a real cool one” (“Meu queridíssimo, nós temos um novo disco e ele é definitivamente muito legal”), e conseguia convencê-lo a respeito de suas ideias. O lance é que o Renato tinha a força do discurso, do afago e do convencimento. Acima de tudo, conseguia transmitir muita segurança na exposição de suas ideias e tinha uma vibração que nos levava a acreditar que a razão estava com ele. Comportava-se como uma liderança que deveria ser seguida em toda e qualquer ocasião e isso, de fato, acontecia. As pessoas costumavam se dobrar a ele e a se entusiasmar com a sua personalidade”.

Briga com o líder

dado - Reprodução - Reprodução
Capa do livro "Dado Villa-Lobos - Memórias de um Legionário"
Imagem: Reprodução

“Nesse período, já era considerável o mal-estar relacionado ao fato de a Fernanda ser a nossa empresária, a pessoa que controlava a agenda da Legião, que fechava os pacotes de shows, etc. Ela era a responsável por tudo que estava acontecendo em termos de organização e, simplesmente, os meus colegas de banda começaram a botar o dedo na sua cara e a fazer cobranças de modo agressivo. Nas discussões, a Fernanda era obrigada a ouvir: 'Eu sou o Renato Russo, e tenho medo!' Patético. Até que, em Santa Maria, em mais um chilique, ele bateu a porta do camarim nas costas da minha mulher. O Renato, no melhor estilo babaca pop star, tinha ficado putinho quando descobriu que a Fernanda não tinha comprado o leite que ele havia lhe pedido antes da apresentação. Quando eu vi aquela cena, pensei: 'Vou matar esse cara.' Acabei estourando e gritando com ele: 'Você é um babaca, um escroto filho da puta!' A Fernanda estava com a saúde fragilizada naqueles dias por causa de uma cirurgia de última hora, e o Renato agiu como um covarde calculista. Depois ele veio se desculpar conosco, simulando com aquela voz infantil que ele costumava fazer: “Tia, descuuuuulpas...'”

Pantanal
“Vale ressalvar que, mesmo nos seus momentos de crise, o Renato continuava a ser um cara muito divertido. Nós fomos ao Mato Grosso de jatinho e, como eu contei, ele adorava a novela 'Pantanal'. Sobrevoando aquele Estado, o Renato soltou: 'Poxa, nós vamos ao Pantanal, que demais! Eu quero ver revoada de tuiuiú.” E eu pensando: 'Não estamos indo pro Pantanal...' Chegamos ao hotel em Cuiabá, e só dava Beto Barbosa; era lambada pra lá, lambada pra cá. E o Renato falando: 'Pantanal! Pantanal! Eu quero ver revoada de tuiuiú'. Renato botou a maior pilha, até que nos alugaram uma Kombi. Só que Cuiabá não tem nada a ver com o Pantanal –e sim com a Chapada dos Guimarães, que fica a cerca de uma hora da capital. Chegamos a umas cachoeiras maravilhosas, mas o Renato ficava: 'Cadê o Pantanal, os tuiuiús?' Foi decepcionante. Depois nós até fomos a Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e lá sim, é próximo do Pantanal; mas tínhamos que viajar no mesmo dia e não deu para ver os tais tuiuiús.”

Bonfá sendo Bonfá
“O problema foi que, na passagem de som, o Bonfá começou a ter atitudes de 'Marcelo Bonfá'. Tal e qual Maria Callas, intransigente e egocêntrico, desandou a reclamar: 'Eu estou muito longe, eu quero luz, eu quero a minha bateria mais na frente'... E, quando o Bonfá começava, ele se tornava o cara mais insuportável do planeta. Em certo momento, ele empurrou a bateria, já toda microfonada, mais para perto de onde estava o Renato – que estava com o seu microfone de voz aberto. O equilíbrio do som foi abaixo, e não poderia ser diferente. Em vez de duas caixas de retorno, como é praxe para uma banda de rock, foram colocados seis monitores para o Renato: quatro na frente e dois atrás dele, cada um com 600W de potência. Tinha sido superdimensionado mesmo, para o nosso vocalista se sentir à vontade."

Livro: “Dado Villa-Lovos – Memórias de um Legionário”
Autores: Dado Villa-Lobos, Felipe Demier e Romulo Matos
Editora: Mauad
Páginas: 256
Preço: R$49,90