Topo

"Parecia um bando de crianças num parque", conta produtor de "Exagerado"

Giselle de Almeida

Do UOL, no Rio

12/06/2015 07h00

Era o auge do sucesso do Barão Vermelho. Depois do estouro nacional de “Bete Balanço” e de um show memorável no Rock in Rio, a agenda da banda estava lotada, os detalhes do quarto álbum e da próxima turnê já haviam sido acertados. O ano de 1985 prometia.

Mas o clima nos bastidores estava insustentável havia alguns meses. Aparentemente, uma reunião havia acalmado os ânimos: Cazuza ficaria. No entanto, às vésperas da gravação, o vocalista voltou atrás e decidiu partir para um voo solo. “Foi um pouco de ciúmes, porque a luz procura o vocalista, e ele escrevia as letras. Além disso, os outros eram mais calmos, ele chegava doido nos shows, e eles ficavam danados da vida. Até que chegou um dia em que ele falou: ‘Chega! Sou filho único, não estou acostumado a dividir nada com ninguém, muito menos o palco’”, lembra Lucinha Araújo, mãe de Cazuza.

Enquanto Frejat, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros voltavam algumas casas para se recompor, o cantor levou consigo seis das dez músicas. Dentre elas, "Exagerado", já ensaiada com riffs de guitarra mais pesados, à la The Who, numa versão nunca registrada. Com roupagem pop, a parceria com Leoni, principal hitmaker da época, tornou-se a música de trabalho do novo disco e ficou eternizada como a tradução perfeita do poeta.

“Com esse distanciamento, compreendo perfeitamente que ele estava num estágio de maturidade artística no qual precisava ter um trabalho só dele. Não acho que foi uma atitude correta, mas isso pouco importa hoje em dia”, afirma Dé. A experiência, segundo o baixista, até facilitou a relação do grupo – tanto que os dois ficaram mais amigos e viraram parceiros mais constantes depois da separação. Mas levou tempo até a raiva baixar: seis meses se passaram até os ex-companheiros voltarem às boas. “O fato de a doença ter se manifestado nos reaproximou. A música ficou em segundo plano, era um motivo muito maior que qualquer picuinha”, diz Goffi. 

Mas o novo disco do Barão - agora um quarteto -, lançado em 1986, tinha um certo recado dos maiores abandonados da história. “A música ‘Declare Guerra’ é um desabafo pra todos que não ficaram do nosso lado, incluindo o Cazuza, naquele momento”, lembra o tecladista Maurício Barros.

Nesse ínterim, Cazuza não perdeu tempo. Ao lado do fiel escudeiro Ezequiel Neves, produtor desde a época do Barão, o poeta entrou em estúdio. Nico Rezende assumiu a produção e reuniu os músicos Décio Crispim, Rogério Meanda, João Rebouças e Fernando Moraes. Pouco mais de três meses depois, nascia “Exagerado”, o álbum. “Foi um trabalho bastante em conjunto. Parecia um bando de crianças alegres num parque de diversões fazendo o que gostam. Por isso resultado ficou tão legal. Engraçado pensar que aquele momento de tanta brincadeira virou um clássico. Parece que foi ontem”, lembra Rezende. 

As sessões de gravação, no extinto estúdio da Som Livre, em Botafogo, começavam às nove da manhã e terminavam às três da madrugada seguinte, sempre regadas a uísque. “No estúdio era uma loucura. Cazuza junto com Ezequiel era uma bomba atômica. Na época do Barão, Frejat era o organizador da coisa, o mais sensato. O resto era tudo doido”, conta Guto Graça Mello, diretor artístico da Som Livre na época.

Rogério sobre "Exagerado"

  • A gente saía de lá às três da manhã, enlouquecia até as sete, depois ia pro estúdio às nove de novo. Quer dizer, a gente dormia quando?

    Rogério Meanda, guitarrista

No momento em que a dupla passava dos limites, alguém tinha que tomar a frente para o dia não virar festa antes da hora. “Às vezes, quando Ezequiel bebia um pouco demais, e a gente queria trabalhar, trancava ele do lado de fora do estúdio. Tinha esse tipo de coisa”, lembra Nico.

Mas a noite não tinha hora pra terminar e, invariavelmente, esticava até o Baixo Leblon. “Eu era muito novo, se fosse hoje em dia tinha morrido. A gente saía de lá às três da manhã, enlouquecia até as sete, depois ia pro estúdio às nove de novo. Quer dizer, a gente dormia quando?”, afirma o guitarrista Rogério Meanda.

Mas vários desses encontros, muitos na casa de Cazuza, também eram férteis para o disco. E algumas das músicas iam surgindo durante o processo de gravação. É o caso de “Medieval II”, primeira parceria do cantor com Meanda. “Estava testando o som da gravação, fiz uma série de acordes, ele escutou e falou: ‘Adorei isso’. Existia a ‘Medieval I’, que ele  tinha feito com o Frejat, e por algum motivo eles não gostaram. Como Cazuza gostava da letra, teve a ideia de adaptar e batizou de ‘Medieval II’. Ele improvisava muito bem, sugeria melodias”, lembra o músico.

Fã de Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran e Cartola, Cazuza sempre trouxe sua veia mais MPB para suas músicas, mesmo na fase do Barão. Mas na hora de se lançar como cantor solo, optou por um som mais comercial. Nunca escondeu que queria tocar no rádio e ser popular, como afirma Dé. Nessa transição, contou muito o feeling de Ezequiel, que entendia como ninguém as necessidades do cantor.  “Cazuza sabia bem o que queria e tinha esse guru, que sabia tirar essa veia roqueira dele, mesmo cantando uma balada. A gente buscava uma atitude rock’n’roll mesmo dentro do pop”, explica Rezende.