Lobão chama Dilma de "impostora" e ataca "lista negra do PT" em novo disco
Enquanto passeia pelo botão de volume na mesa de som, Lobão sorri o sorriso dos irônicos. Dos alto-falantes de seu estúdio caseiro, no bairro do Sumaré, em São Paulo, ecoam versos em tons mórbidos, como se o Rammstein tivesse subitamente aprendido português –e fosse avesso ao vermelho.
“Há uma sombra de fúria na impostora eleita, rodeada de castrados com a nossa receita, com sua pompa vulgar de botijão de gás. Estamos fartos de um país frouxo, injusto e ineficaz”, brada na épica “A Posse dos Impostores”, uma reposta nada velada à sua inclusão na suposta "lista negra do Partido dos Trabalhadores".
A faixa é o carro-chefe do futuro álbum “O Rigor a Misericórdia". "[A música] É de sacanagem, né?”, desconstrói a si mesmo o Lobo, aos risos, trajando um agasalho retrô da seleção brasileira, com escudo da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos), a antecessora da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
A expectativa sobre o conteúdo do álbum é grande. Afinal, já são dez anos sem lançar um disco de estúdio. Tempo em que Lobão se debruçou sobre um sem número de projetos, de escritor a apresentador de TV, sem jamais se furtar das farpas e já tradicionais opiniões polêmicas. A maioria delas alvejando a esquerda e o PT, partido que outrora apoiou. A marca do Lobo dos novos tempos.
“Esse disco vai ficar registrado como o do único artista contemporâneo que está se posicionando” justifica, olhando de soslaio para a televisão, sempre sintonizada no "History Channel". “Tem muita gente achando que eu vou fazer um disco todo político. As pessoas tem que entender que eu não sou político! Eu odeio político! Só faço coisas assim porque estou puto com o que está acontecendo.”
Musicalmente, Lobão tem razão. O cardápio do álbum é variado. Remete a várias sonoridades da carreira. Os discursos diretos de “A Posse dos Impostores” e "A Marcha dos Infames” convivem com temas mais brandos e mundanos. Há letras sobre o universo ("Os Últimos Farrapos Da Liberdade"), solidão ("E Assim Sangra a Mata)", perda ("A Esperança é a Praia de Um Outro"), seus gatos de estimação Dalida, Lampião e Maria Bonita ("Uma Ilha na Lua"), além de um blues composto por Lobão nos anos 1990 para Cássia Eller, mas que jamais foi gravado (“Alguma Coisa Qualquer”).
Alheio ao rótulo de “engajado”, Lobão não faz questão alguma de mostrar desapego à esfera política --mesmo indiretamente. O título do álbum, que será lançado mais uma vez de forma independente, agora via financiamento coletivo, foi pinçado de um ensaio do "bastião da direita" Olavo de Carvalho sobre o filme “Silêncio dos Inocentes”.
“Ele diz que a poesia e a filosofia são os dois pilares. Enquanto o poeta transmite para os outros, a filosofia procura a verdade para si. A filosofia é o rigor, e a poesia é a misericórdia. O nome é sonoro, bonito. Escrevi para a mulher do Olavo, perguntando se podia usar o título, e ele liberou.”
A história da feitura do álbum, no qual Lobão assume todas as músicas e também os instrumentos, estará em seu próximo livro, “Em Busca do Rigor e da Misericórdia”, que deve sair em breve, casado com o disco. Cada música é um capítulo.
“Pô, vem gente e fala que eu sou um ex-artista. As pessoas tentam me anular de todas as maneiras. Mas tudo bem. Se eu parar de vender disco, passo a vender livro. Estou cagando o balde (risos).”
Lobão toca "Mal Nenhum" no show acústico "Sem Filtro"
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
UOL - Por que você decidiu aderir ao financiamento coletivo?
Lobão - Porque não tenho condição de entrar em gravadora. Eles só querem se você fizer melhores momentos. Não estou a fim de fazer isso. Acho que estou no meu melhor momento agora. Estou cheio de ideia. Não estou a fim de ficar parado, comemorando carreira. Não tenho esse perfil.
E financiamento via lei de incentivo eu não vou fazer. Eu recebia! Mas recusei. Imagina? Sou um homem não sou um verme. A Regina [mulher e assessora do cantor] achou que eu não sou um artista de mainstream há muito tempo e que eu deveria entrar nessa. Entrou com um edital sem falar comigo. Aí vieram R$ 2 milhões para mim para a última turnê. Disse "não!". Até agradeci ao Ministério da Cultura.
Eu estava escrevendo um livro falando mal da lei Rouanet. Como poderia aceitar? Acho que a lei está acabando com a música. Ela deve existir só para artista que está começando.
O disco não fala só de política. Qual é o fio condutor de tudo?
Não sei. Quero ouvi-lo inteiro para falar com certeza se tem um conceito. Mas eu queria mesmo um título que levasse para isso e aquilo. Percebi que o disco é muito pancada, muito agressivo, e também tem momentos muito etéreos, delicados. É uma característica minha.
Acho que nunca compus tão rápido. Como se fosse redação de colégio. E funcionou pra caramba. Estou muito feliz com o material, com as letras, com a execução. Agora tenho que mixar. Só não sei se farei aqui ou fora do Brasil. Mas sinto que talvez seja o melhor repertório de todos.
Por que “Rigor e Misericórdia”?
Foi por causa do Olavo de Carvalho. Estava lendo um livro dele sobre com um ensaio do “Silêncio dos Inocentes”, que é absolutamente genial. Ele diz que a poesia e a filosofia são os dois pilares. Enquanto o poeta transmite para os outros, a filosofia procura a verdade para si. A filosofia é o rigor, e a poesia é a misericórdia.
O nome é sonoro, bonito. Escrevi para a mulher dele, perguntando se podia usar, e ele liberou. E aí escrevi um capítulo sobre o próprio Olavo, porque a bibliografia do Olavo influenciou muito o disco nesse sentido. E muito mais pelo setor poético e filosófico do que propriamente qualquer coisa política.
Mas citar Olavo não faz com que o disco seja interpretado como político? Você não queria fugir disso?
Não é algo que eu queria afastar totalmente. Tem “A marcha dos Infames”, “A Posse dos Impostores”. Todas as músicas, de forma ou de outra, têm alusões aos meus momentos. “Dilacerar” é uma música sobre o banimento, das pessoas que querem que eu vá para fora do Brasil, e eu não irei (risos). Mas ela é totalmente subjetiva.
Mas eu não quero, de maneira nenhuma, me excluir da pecha da minha participação política. Muito pelo contrário. Só quero mostrar que exista outra complexidade no meu trabalho, que ele não é só isso ou só aquilo. As pessoas são muito monocromáticas. E o disco é cheio de perspectivas. Ele é minha vida. Por isso eu achei legal escrever o livro ao mesmo tempo, porque conta todos os meus interesses.
Lobão 1
Eu não quero me excluir da pecha da minha participação política. Muito pelo contrário. Só quero mostrar que exista outra complexidade no meu trabalho, que ele não é só isso ou só aquilo. As pessoas são muito monocromáticas. E o disco é cheio de perspectivas. Ele é minha vida.
Em “Marcha dos Infames”, você chama a Dilma de “impostora eleita”, fala de "botijão de gás". Qual foi a inspiração?
Ela foi feita mais ou menos na semana em que eu soube que tinha entrado na lista negra do PT. Eu já tinha a música, que havia feito por encomenda de um cara que queria fazer uma peça de teatro do Brecht. Era um quarteto, e fiz em quatro partes. Acabou não dando certo. Tem uma parte que me inspirei na sétima de Beethoven, que fiz na viola caipira também. Pensei que a música era tragicômica, tinha tudo a ver, e fiz de bate e pronto.
É uma réplica. Achei uma coisa infame. Você ter uma listra negra, ser perseguido, ser ameaçado de morte pelas pessoas. Esse disco vai ficar registrado como o único artista contemporâneo que está se posicionando. O Roger, do Ultraje, está se posicionando, mas não está fazendo música nova. O Juca Chaves fez uma música, o Gabriel o Pensador, outra. Mas estou fazendo um disco inteiro permeado por isso. Ele é muito rico em informação, o que contrasta com a pobreza do que está acontecendo.
Você nunca ficou tanto tempo sem lançar um disco de estúdio, dez anos. Por quê?
Eu estava lançando minha revista, em 2005, com o "Canções Dentro da Noite Escura”. Mas foi um fracasso. Não havia mais CD em banca e eu são sabia onde botá-lo. Depois, fiz um CD acústico, ganhei um Grammy. Lancei uma música inédita, fiz shows. Depois fiz “Das Tripas, Coração” e “Song For Sampa”, duas “puta” músicas. E fiz “Lino, Sexy & Brutal”.
Aí, quando cheguei em São Paulo, em 2008, readquiri uma bateria. Não tinha uma em casa desde 91. Até hoje fico botando playlists e tocando duas, três horas por dia. Peguei meu timing e comecei a aprender a mexer na mesa de som, produção. Acústica é uma coisa publicada. Também aprendi a tocar guitarra de verdade. Não sabia timbrar. Hoje já tenho cacoete de guitarrista. Nunca tinha gravado baixo, hoje toco bem. Foi um tempo necessário pra me aprimorar.
Você está em turnê sozinho, gravou um disco sozinho. Por que é melhor assim?
Eu prefiro. Sou um instrumentista e um cara que escreve. Acho que tenho uma capacidade instrumental que hoje me permite executar o que eu quero. Eu não chamaria outro músico que tivesse habilidade maior que eu. Adoro tocar baixo, guitarra. Adoro soar como banda! É muito difícil. Às vezes as pessoas tentam e fica fake. Isso é uma coisa rara, um trunfo. Claro que dá mais trabalho. Mas eu me divirto. É um trabalho que me torna obsessivo. Trabalho 18, 20 horas por dia.
Você arrecadou no site “Kikante” menos de R$ 30 mil dos R$ 80 mil necessários para lançar o disco. Faltam apenas 17 dias. O que fará se não chegar à meta?
OK, ainda é pouco. Mas tenho planos. A meta não é fixa. Acabando o prazo você não precisa devolver tudo. Eu posso também, em última estância, lançar do jeito que está. “Marcha dos Infames” está profissional. E cada dia eu descubro uma coisa. Essa batera que você ouviu está com um som muito melhor do que a que eu gravei em outras músicas. A cada dia melhoro muito.
Estou animado. Claro que, se eu puder mixar e masterizar lá fora, não vou me furtar disso. Mas sei que estou tirando o maior som possível e que, se nada acontecer, nada vai me deter. Vou acabar aprendendo a fazer a joça e vai ficar bom pra caralho (risos). Não há menor chance. Estou no cúmulo da independência. Não preciso contar com mais ninguém. Falei: “Se eu morrer, Regina, você pega isso tudo aqui e lança”.
Lobão 2
Falam que o que vale é a educação, e não punição. Mas a punição faz parte da educação. Você acha que se Hitler tivesse uma educação "fru-fru" ele seria menos Hitler? Psicopata é psicopata. Diagnosticou psicopatia? Interna. Mas tem que ser punido.
Você disse que 80% dos seus shows foram cancelados no ano passado. Acabaram os problemas de agenda?
Isso aconteceu na época de eleição, pré-eleição. O PT ainda tinha alguma credibilidade. Esses caras todos falaram que sou a favor de intervenção militar, que fui torturador, reacionário. Mas, 15 dias depois das eleições, as coisas já começaram a mudar empresarialmente. Os contratantes começaram a me procurar outra vez. Aí a gente já tinha bolado essa turnê solo.
É foda fazer esses shows em teatro Bradesco. Porque os caras usam de uma caução. A lei Rouanet estabeleceu isso! E não tem ninguém que eu conheça que não tenha a lei no meio. O Zeca Baleiro veio aqui e, pô, caução de R$ 50 mil! Você tem que pagar 50 paus no teatro pra tocar. Tem muita grana no meio, e os caras tocam pra teatro vazio. Fica difícil de você concorrer com esse tipo de cara.
Mas eu tive um acerto com uma dessas redes de teatro, de um cara que é meu fã e deu uma aliviada na caução. Eu vou ter que pagar de qualquer maneira. Porque é tudo bilheteria. E eu preciso “empatar” pelo menos.
Com a repercussão da morte do sertanejo Cristiano Araújo, falou-se muito em abismo cultural, já que muita gente nem sequer o conhecia. Concorda com isso?
Mas é óbvio. Outro dia eu estava até falando no telefone com o Faustão. Eu não posso ir mais lá. As pessoas não sabem mais quem eu sou nem eu sei mais quem são as pessoas. O Cristiano Araújo eu não conhecia. Depois fiquei sabendo que ele era da Som Livre, que tinha tocado em novela. A novela tem uma audiência muito específica agora. Não é mais o Brasil inteiro. Eu nem sei mais o que acontece na TV aberta. Aí vem o abismo cultural.
Por exemplo, a pessoa fala: “o Lobão não existe!”. Não existo para ela. Mas eu tenho uma plateia. O conceito do Universo Paralelo [selo criado por Lobão nos anos 1990] é sobre o abismo cultural. Eu não queria mais fazer sucesso para aquele tipo de gente. Queria outra pessoa ouvindo minha música. Seria muito “higiênico” da parte dos artistas se setorizar. Eu tenho 300 mil seguidores no Facebook. Não é muito. Mas, se eu vender 25 mil cópias, eu ganho disco de ouro. Para que eu quero mais?
A Câmara aprovou a proposta de redução da maioridade penal para crimes hediondos. É a favor? Por quê?
Sou a favor. É óbvio. Você pega estatísticas, desde a lei do desarmamento para agora. Os crimes subiram mais de 80%! Espera aí, tem alguma coisa errada! Você vai querer acelerar o processo que acelerou a mortandade? Nós temos quase 70 mil mortes por ano. As pessoas estão pensando errado. E outra: falam que o que vale é a educação, e não punição. Mas a punição faz parte da educação.
Você acha que se Hitler tivesse uma educação “fru-fru” ele seria menos Hitler? Psicopata é psicopata. E você tem pessoas muito más. No Brasil, você tem garoto matando gato, queimando vivo animal. Esses caras não vão ficar mais bonzinhos se tiverem a Xuxa de anjo da guarda. Diagnosticou psicopatia? Interna. Ele não vai ficar melhor que aquilo. Se o cara não é psicopata e cometeu um ato escroto, ele vai ter que aprender a conviver com isso. Mas tem que ser punido.
Mas esse espírito revanchista, de parte das pessoas que pedem a maioridade penal, pode resultar em casos como o do Jô Soares, não acha? Ele entrevistou a presidente e teve a rua pichada com um “Morra”. Já não vivemos tempos extremistas demais?
É claro. A gente tem facínoras de todos os lados. Eu não assisto Jô Soares há muito tempo. Inclusive, ele não deixou eu ir no programa dele depois que eu lancei o “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”. Ele leu o livro e falou que eu não iria. Ele tem todo o direito. Mas não precisa agredir o Jô Soares.
Ele tem um passado, uma tradição, uma respeitabilidade. Por mais vil, torpe, chapa branca e vendido que ele seja, e ele é, o programa é dele. Estamos num país livre. Ele faz o que ele quiser. A censura não pode vir da gente.
Você critica a MPB, a tropicália, a bossa nova, o samba. Enfim, tudo que de alguma forma, mesmo que implícita, dialogue com a esquerda. Não se acha muito "hater" ou polêmico?
Não! Não sou polêmico! Simplesmente se eu vejo uma coisa, e ela é uma merda, eu vou ficar calado [Nesse momento Lobão sobe o tom de voz]? A MPB é uma sigla de laboratório. Acho muito escroto o conceito de MPB porque é o de edulcorar o pobre. O conceito de MPB é “nós temos que falar do povo, mas temos que falar alguma coisa mais legal. O Odair José é muito povão”. Isso é fake!
Vai falar da sua realidade, seu puto! Vai falar do pobre, do neguinho, do não sei o quê? Dando uma melhorada do vocabulário popular, na prosódia musical? Acho isso de uma torpeza. E fica uma coisa vagabunda. Porque é xoxo. Tem uma energia baixa.
No Brasil, todo mundo que eu conheço passou pela síndrome de indignidade intelectual, inclusive eu! Você só pode ouvir rock naquele período de juventude, depois pega mal. Por isso o rock não vinga aqui. A energia do rock seria muito importante para a música brasileira. Até porque, quando ela aconteceu, gerou os melhores trabalhos desses caras.
Lobão 3
Esses caras [Gil e Caetano] estavam fazendo passeatas contra a guitarra elétrica e 15 dias depois estava tocando com Beat Boys e Mutantes. Toda a vez que eles puderam falar mal do rock, eles falaram. O Caetano está cansado de falar: “Bossa Nova é superior” [imita o sotaque baiano do cantor]. Bossa nova é o caralho! Eles são uns imbecis. Acho uma merda o que eles fazem. Uma grande porcaria.
Mas essa é uma visão estereotipada, não? A MPB tem um lado sincrético. Já se aproximou do rock e de outros ritmos. Basta ouvir a fase do exílio de Gil e Caetano
Mas é fake. Esses caras estavam fazendo passeatas contra a guitarra elétrica e 15 dias depois estava tocando com aqueles argentinos [os Beat Boys] e os Mutantes. Toda a vez que eles puderam falar mal do rock, eles falaram. O Caetano está cansado de falar: “Bossa Nova é superior” [imita o sotaque baiano do cantor]. Bossa nova é o caralho! Eles são uns imbecis. Acho uma merda o que eles fazem. Uma grande porcaria.
Lobão, você tem inimigos?
Não tenho. Não tenho ninguém que eu fale “esse cara é um idiota!”. Eu desgosto de coisas, mas não nutro ódio por ninguém. Algumas pessoas podem dizer que sou "fdp", que não gostam de mim, mas eu não tenho nada contra elas.
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