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No batidão, brega do Pará ganha websérie e enfrenta "invasão" sertaneja

Wanderley Andrade fez fama nos anos 1980 e canta tecnobrega pela primeira vez na série - Divulgação - Divulgação
Wanderley Andrade fez fama nos anos 1980 e canta tecnobrega pela primeira vez na série
Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

27/07/2015 07h00

Está nos grupos de Whatsapp, nas feiras de Belém e por todas as redes sociais. A capital paraense se encontra em polvorosa com os vídeos do "Sampleados". Criada por estudantes de comunicação, a websérie resgata personagens da cidade e sucessos populares do brega, tradicional ritmo do Pará, de seu surgimento nos anos 1980 até os dias de hoje --com as batidas cada vez mais frenéticas do tecnobrega e do eletromelody.

O revival é tanto que as festas dedicadas ao “brega saudade”, os primeiros sucessos do gênero, conhecidos também como “brega passadão” e “marcante”, voltaram a lotar. E não espere o tradicional baile da terceira idade. “Não tem senhorezinhos, nem cabelo branco. Só dá o pessoal de 20 anos”, observa Tonny Brasil, considerado o criador do gênero tecnobrega. Segundo ele, o flashback tem conseguido, inclusive, bater de frente com a invasão sertaneja nas rádios de Belém. “Esse sertanejo pop é uma febre por aqui, e o 'Sampelados' mostra que essa nova geração está de olho novamente na nossa música.”

Tonny

  • Divulgação

    "Esse sertanejo pop é uma febre por aqui e o Sampelados mostra que essa nova geração está de olho novamente na nossa música"

    Tonny Brasil, criador do Tecnobrega (na foto, ao lado de Thaciane Pantoja)
 

As mil e uma vertentes do brega servem como tema dos cinco episódios da série. Em mash-ups produzidos pelo DJ Will Love, da Gang do Eletro, os sucessos se intercalam no ritmo do eletromelody –a última evolução do ritmo, com batidas que chegam a 180 bpm-- para contar histórias de alto teor sentimental pelas ruas de Belém --com muito escracho e passinhos, é claro. Já são quase 600 mil visualizações e a maioria dos acessos vem do próprio Estado.

“Percebi pelos comentários dos vídeos que há uma irresistível volta ao passado. As pessoas comentam: ‘Essa música me lembra aquelas noites de farra’”, conta o idealizador e diretor Leonardo Augusto, 21 anos. Há quem também elogie com certa vergonha. “As pessoas não assumem que gostam. Já vieram comentar: ‘Não gosto de brega, mas adorei o 'Sampleados'’. Como isso é possível? Tecnobrega é democrático. Por que o carimbó é cultura e o brega não?”, questiona.

Bole rebole
A ideia de "Sampleados" é transportar para o universo musical os tipos característicos de Belém: Há a varejeira (mulher que dá em cima de todo o mundo) do Mercado Ver-o-Peso, a barraqueira, o corno, a estudante apaixonada. Até Leona Vingativa, que se tornou viral no YouTube quando criança, participa como dançarina. “São histórias do dia a dia. As músicas são crônicas da periferia”, explica Leonardo.

Os próprios artistas da cena cantam e atuam. Conseguem assim visibilidade para o próprio trabalho. “Aqui isso é muito normal. Todo o mundo sabe cantar do começo ao fim, mas não sabe o nome da música nem do cantor”, observa Tonny Brasil.

Compositor de uma grande parte das músicas usadas na série, Tonny costuma passar irreconhecível nos lugares. No quarto episódio da série, ele é o galã que joga o charme na estudante interpretada pela cantora Thaciane Pantoja (assista abaixo). O ‘bole rebole’ é acompanhado por “Tic Tic Tac”, da banda Amazonas. A despedida é embalada com “Volte Logo Meu Amor”, de Nelsinho Rodrigues e Aninha, versão de “Making Love Out of Nothing at All”, do Air Supply.

Em sua estreia em frente às câmeras, Thaciane ainda não está convencida: “Acho que eu posso melhorar. Sou um pouco tímida.” Mas reconhece: “A série tem aberto muitas portas. Vamos tocar no Miss Pará aqui, no Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. É só gente culta. E a galera está curtindo esse movimento.”

Vocalista da Batidão do Melody, Thaciane começou a carreira no eletromelody, mas tem cada vez mais incluído canções antigas no repertório. O sertanejo é, atualmente, o maior concorrente. “O pessoal aqui é meio enjoado, gosta de espetáculos, sabe?”, explica Tonny Brasil. “E essa rapaziada do sertanejo pop é uma galera preparada, tem um espetáculo bonito. No fim nós, artistas, acabamos nos espelhando.”

Mesmo na cena mais underground paraense, Félix Robatto, ex-guitarrista de Gaby Amarantos, tem sido reconhecido até na hora de comprar açaí na feira. Com o primeiro disco lançado no começo do ano, Robatto participa do 3° episódio de "Sampleados", cantando por apenas alguns segundos. Foi o bastante para que uma vendedora o abordasse: “Você não é aquele rapaz do 'Sampleados'?”. 

Sem rixas
Criador da festa “Quintarrada”, Robatto defende que o brega precisa ser mais aceito até no próprio Pará. “A música está muito midiática, imposta. A criatividade aqui rola solta, mas o espaço e o investimento nós não vemos. O sertanejo toca muito aqui. E estamos falando de Belém. No sul do Pará, que não tem a cara do Pará, toca muito mais. Lá, eles não sabem mais o que é carimbó, guitarrada. A série traz essa mistura da galera antiga com a nova. O Wanderley Andrade (do sucesso 'Conquista') é um exemplo. Ele canta tecnobrega pela primeira vez”, compara.

Com quatro episódios divulgados, o Sampleados tem apenas mais um vídeo para ser lançado. A previsão é que entre no ar em agosto, com participação de Viviane Batidão, Rebecca Lindsay e Marcos Maderito, da Gang do Eletro. Leonardo já tem sido cobrado pela segunda temporada. “Não importa se você é pobre, rico, empregada ou empresário, essa música sempre esteve próxima da gente aqui. Vamos ver como podemos continuar esse resgate.”