Filho de Bezerra da Silva prepara tributo ao pai: "Ele era um personagem"
Dez anos após sua morte, Bezerra da Silva ainda está muito vivo no imaginário popular –principalmente para aqueles que tiveram pouco contato com o sambista. Como um ser mitológico, representante de uma espécie rara da malandragem das favelas cariocas, o sambista é sempre lembrado com causos inéditos que chegam aos ouvidos dos filhos. "Tem gente que vem e fala: 'Entrei em cana com seu pai em Ilha Grande' ou 'Ah, fumei um baseado com seu pai'. Eu nem nego mais, só respondo: 'ah é?'", conta o filho mais velho do artista, Ytallo Bezerra, 41 anos.
Acontece que o personagem criado por Bezerra, o malandro que vive à margem da legalidade e da sobrevivência, ficou maior do que o pernambucano, que foi pedreiro, morador de rua e que se converteu à Igreja Universal alguns anos antes de morrer, em 17 de janeiro de 2005.
"Meu pai era um personagem, criado nas canções dele, no jeito que ele dava entrevista, no modo como se portava e conversava. Muitas pessoas acham que ele era um cara porra-louca, drogado da vida, e não era nada daquilo. Era um personagem para que pudesse ser debatido esse estilo de vida", observa Ytallo, que prepara um álbum e um evento em tributo ao pai.
Até o fim de 2015, a roda de samba deve acontecer no morro do Cantagalo, onde Bezerra morou muitos anos. A ideia é que o evento dê origem a um documentário sobre a trajetória de Bezerra. Em paralelo, Ytallo prepara um disco especial para setembro. O álbum será feito com os parceiros de Bezerra e terá regravações de sucessos que marcaram sua carreira, além de inéditas.
Ytallo
Ele veio me explicar: 'você pode cantar, mas não me vá fazer besteira com meu nome'. Deu uma lição de como escolher repertório, e aí comecei
Não devem faltar exemplos de como Bezerra era astuto em sua irreverência com temas-tabu, como consumo de drogas (“Malandragem Dá um Tempo”, “Se o Leonardo dá Vinte”, “Tem Coca Aí na Geladeira”, “A Fumaça Já Subiu pra Cuca”), homossexualidade (“Minha Sogra Parece Sapatão”), briga entre classes (“Reunião de Bacana”, “O Vírus da Corrupção”) e truculência policial na periferia ("Violência Gera Violência").
"Na irreverência de suas crônicas do subúrbio, ele era um artista político. Ele falava da favela, do político, do caguete, do falso pai de santo, do falso pastor", observa Ytallo.
"Filho du homi"
Ytallo caiu no samba quando o pai ainda era vivo, chegando a ser percussionista de Beth Carvalho. Lançou-se como cantor por acaso em 2000, em um evento em que participava no Rio de Janeiro. Acompanhava a apresentação de Beth quando ficou sabendo que a bateria da Mangueira, a próxima atração, estava desfalcada devido ao atraso do cantor. Ytallo se ofereceu para ajudar.
O pai ficou sabendo da história. "Você está falando sério?", retrucou. "Ele veio me explicar: 'você pode cantar, mas não me vá fazer besteira com meu nome'. Deu uma lição de como escolher repertório, e aí comecei", relembra.
O "filho du homi", como é chamado por amigos e sambistas, hoje é conhecido nas rodas de samba. Embora já tenha lançado dois discos de forma independente, ele confessa que o trabalho em tributo ao pai será sua verdadeira estreia. "Na verdade, eu dei início a esse projeto para que eu pudesse me adaptar, verificar a aceitação do público e estar disponível e preparado."
Com o conselho de Bezerra ecoando na cabeça, Ytallo resolveu estudar a fundo sua herança. "Fui pegando cada disco e investigando." Desse estudo, saiu “Samba na Favela”, seu primeiro single, dedicado ao pai, e “Políticos Coniventes”.
Escrita junto com Gil de Carvalho, parceiro de seu pai no sucesso "As 40 DPs", a música certamente deixaria Bezerra orgulhoso: "Quem diria, doutor, quem diria / um par de governantes coniventes dessa covardia / eles estão vendendo nosso patrimônio para o estrangeiro / ninguém vê a cor desse dinheiro / nem onde ele se extravia", canta.
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