Santana pirou com Hendrix e já tomou fora de Zappa; leia histórias de bio
Quando mudou-se com a família do México para São Francisco, em 1964, Carlos Santana se deparou com o que chama de “epicentro da coincidência multidimensional”. Sua vida e música nunca mais foram as mesmas na Califórnia. As incríveis descobertas do guitarrista, considerado um dos mais originais da história, estão descritas na nova autobiografia “O Tom Universal” (editora Best Seller), lançada em parceria com Ashley Kahn e Hal Miller, que acaba de chegar no Brasil.
Entre os “causos”, experiências com drogas e shows --muitos shows--, Santana conta nas entrelinhas como conseguiu moldar um som diferenciado em plena era do flower power. As influências latinas, principalmente na parte percussiva, foram fundamentais, assim como as lições de célebres “professores” das seis cordas.
Em tempos em que gênios da guitarra conviviam sobre a Terra, o bom aluno tomou as melhores notas de gente como B.B. King, Jimi Hendrix, Eric Clapton e Wes Montgomery. O resultado pode ser conferido na histórica apresentação de Woodstock e em álbuns como "Santana" e "Abraxas": uma mistura democrática de rock, blues, jazz e do que viria a ser chamado de "world music".
Veja abaixo trechos do livro que sintetizam o que Santana aprendeu com guitarristas lendários, incluindo a epifania com a música de Jimi Hendrix e até um fora vindo de Frank Zappa.
B.B. King, o presidente do conselho
Fiquei muito empolgado com a possibilidade de vê-lo pela primeira vez em fevereiro de 1967. Finalmente o professor com que eu tinha começado e aquém eu continuava consultando estava vindo para o The Fillmore! (...) Então B. entrou no palco, e Bill Graham foi até o microfone apresentá-lo: “Senhoras e senhores, o presidente do conselho –o St. B.B. King”. Foi como se tudo tivesse sido planejado para chegar àquele estágio. Tudo simplesmente parou, e todos se levantaram e aplaudiram. Por muito tempo B. ainda não tinha tocado uma única nota sequer, e já estava recebendo uma ovação de pé. Em seguida começou a chorar (...) Ele ergueu a mão para enxugar os olhos, e reparei que ele estava usando um grande anel, com as próprias iniciais escritas em pedras de diamantes (...) Eu disse a mim mesmo: “Cara, é isso o que eu quero. É isso o que é ser adorado quando se faz as coisas de maneira bem-feita”.
Frank Zappa, encontro frustrado
No fim de 1976, tocamos em um programa duplo em Colônia, na Alemanha, ao lado de Frank Zappa (...) Até então, eu não estava achando que aquela seria outra situação como as que tivemos com Rahsaan Roland Kirk e Wilson Pickett, mas quando fui até o camarim de Frank para agradecer pela música, eu poderia dizer que ele não me deixaria entrar em sua consciência. Não lembro o que ele disse, mas fiquei com a sensação de que não deveria estar lá. Rapidamente, ofereci o meu respeito e a minha gratidão por sua música e saí (...) Eu não sabia o que desagradava Frank, mas isso ficou claro alguns anos depois, quando ele fez “Variations on the Carlos Santana Secret Chord Progression” (Variações sobre a Enigmática Progressão de Acordes de Carlos Santana), e bastou ouvi-la uma vez para saber que não se tratava de um elogio.
Pete Green, a guitarra protagonista
Na mesma época, John Mayall lançou o seu disco, “A Hard Road”. Peter Green tinha substituído Clapton, e suas notas se pareciam com as de B.B. King, mas ele tinha o seu próprio fraseado –legato. Ele simplesmente pendurava as notas umas nas outras. Seu som me prendeu como se fosse um golpe de gravata e não me deixou escapar. E o seu estilo! Em uma faixa chamada “The Supernatural” –que não deve ser confundida com o meu álbum Supernatural–, o som da guitarra de Green beirava a pergunta e resposta. Essa faixa deixou uma marca em mim. Acho que foi o primeiro blues instrumental que me mostrou que a guitarra poderia ser, realmente, a protagonista, e que algumas vezes não é necessário ter um vocalista. E eu adorava aquele estilo.
Wes Montgomery, remédio contra tuberculose
Eu sabia que tinha precisava ir até o fim –tomar a medicação e deixar meus pulmões repousarem [Santana estava internado com tuberculose]. Assisti a muitos programas de televisão –lembro que, depois do primeiro mês de internação, assisti ao show do Grammy Awards de 1967, com Liberace e Sammy Davis Jr.–, todas aquelas coisas de mau gosto. De repente, Wes Montgomery estava se apresentando. Foi a primeira vez que o vi tocar, e aquilo meu causou uma boa impressão. Comecei a ouvir as suas músicas –“Goin´ Out of My Head”, “Windy”, “Sunny”–, mais um cara do jazz trabalhando com as canções pop dos anos 1960. O som de sua guitarra era muito diferente, e ele tinha aquele tipo de voz profunda que me dava a sensação de que alguém estava passando a mão na minha cabeça, dizendo “Ah, tudo vai ficar bem”, e eu acreditava
Clapton, a TV colorida
Quando Eric Clapton e o Cream vieram até a cidade (São Francisco) em agosto para tocar no The Fillmore, também tive que me esgueirar para assisti-los. Precisava fazer isso –eu não tinha escolha. Ainda sabia como entrar furtivamente através da escada de incêndio. Eu queria comprovar se seu show ao vivo coincidiria com o som de seus discos, tão diferente das bandas de blues de Chicago pelas quais eles haviam se deixado influenciar. Um som mais potente e mais bombástico.
Coincidia. O Cream parecia enorme com seus sapatos de plataforma, e seu som era mais forte. Clapton tinha atrás de si uma fileira dupla de amplificadores Marshall, Jack Bruce soava como um trem de carga e Ginger Baker parecia algum tipo de criatura estranha com seu cabelo ruivo, tocando aqueles bumbos duplos. Em músicas domo “Spoonfull” e “Hey Lawdy Mama”, não se tratava apenas de blues elétrico ou de blues-rock. Eles estava tocando com a energia de Buddy Rich –o que fez todo o sentido quando descobri que Ginger e Jack já tinham experiência como instrumentistas de jazz. Assistir àqueles primeiros shows do Cream era como se alguém que só conhecesse a televisão em preto e branco visse um filme em CinemaScope pela primeira vez.
Hendrix, trilha sonora da revolução
O verão de 1967 foi o Verão do Amor para a maioria das pessoas. O poder da flor, o rock psicodélico e as garotas hippies. O Festival Pop de Monterrey. Todo mundo falava sobre Jimi Hendrix havia queimado a sua Strat e destruído no palco, e como ele pôde fazer isso? Em seguida, ele lançou “Are You Experienced”, e, de repente, o som da guitarra elétrica se assemelhava a um bombardeio aéreo, a jatos supersônicos, ao ronco das motocicletas, a terremotos retumbantes. Jimi fazia esculturas sonoras com a técnica da pergunta e resposta. O primeiro algum de Jimi transportou a músicas dos dias da pólvora para a época dos mísseis guiados por laser. Lembro que alguém me mostrou “Red House”, e eu percebi imediatamente que o blues elétrico se caminharia naquela direção –todo mundo seguiria Jimi. Para mim e para muitos músicos, também foi o momento em que começamos a sentir a ressonância de nossas convicções poderia mudar o mundo.
"O Tom Universal - Revelando Minha História"
Carlos Santana, Ashley Kahn e Hal Miller
Editora: Best Seller
Páginas: 608
Preço: R$ 69
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.