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Opinião: Som do órgão da Jovem Guarda foi contribuição ao rock mundial

Gabriel Thomaz, vocalista da banda Autoramas e do grupo Lafayette & os Tremendões - Andre Muzell / AgNews
Gabriel Thomaz, vocalista da banda Autoramas e do grupo Lafayette & os Tremendões Imagem: Andre Muzell / AgNews

Gabriel Thomaz*

Especial para o UOL

22/08/2015 06h00

Quando eu era bem moleque, eu só gostava de punk rock, mas daí as bandas começaram a misturar o punk rock com metal, eu achei chato e fui procurar as raízes do rock. Sempre ouvi falar que os Sex Pistols e os Ramones idolatravam as bandas dos anos 50 e 60, que resgatavam a pureza do rock que as bandas antigas faziam. Assim, comecei a correr atrás do Eddie Cochran, do Little Richard, do Jerry Lee Lewis e também dos Trashmen, dos Surfaris, dos Troggs, dos Kinks. Acabei caindo no rock dessa época também feitos no Brasil. A era do CD estava começando e era difícil conseguir os discos, e quando se achava, custava uma fortuna. Informação sobre os artistas, então, só se fosse lançado algum livro novo.

Quando o CD entrou na moda, as pessoas surpreendentemente começaram a jogar seus velhos LPs fora, alguns verdadeiros tesouros desvalorizados. Eu achava incrível, mas era maravilhoso ir a um sebo e achar discos do Erasmo Carlos, da Wanderléa, do Ronnie Von, dos Jordans, tudo a R$ 1. Foi aí que eu realmente descobri a riqueza do rock brasileiro dos anos 60, do iê-iê-iê, ou, como todo mundo chama hoje, da Jovem Guarda. Adorava os temas das letras, as gírias antigas, e muitas músicas tinham guitarras com distorção --o fuzz, o ritmo quente, o som chorado do órgão.

E, com o passar do tempo, eu ia conseguindo ler e ter mais informação sobre esses artistas. Até hoje sou chocado com a história da passeata contra a guitarra elétrica e o preconceito que o povinho playboy da bossa nova tinha com a galera do rock. Até hoje tenho implicância com a bossa nova por isso, comprei uma briga que rolou muitos anos antes mesmo de eu nascer.

Quando me mudei para o Rio de Janeiro, eu e outros amigos apaixonados pelas músicas de Roberto e Erasmo, que todo mundo sabe cantar, montamos uma banda meio de brincadeira só para tocarmos essas canções. Fizemos tudo direitinho, mas ficou faltando um ingrediente muito especial: o órgão. Percebemos a importância desse som, desse timbre que é a marca registrada da Jovem Guarda.

Gabriel

  • "Percebemos a importância desse som [o órgão], desse timbre que é a marca registrada da Jovem Guarda. Descobri que o rock brasileiro era o único naquela época a ter aquele som, uma contribuição nossa ao rock mundial"

Na época, eu li no site de cultura pop SenhorF uma entrevista do Lafayette, o mestre dos teclados da Jovem Guarda, que tinha gravado com todo mundo, de Roberto Carlos à Joelma, passando por Jerry Adriani e os Jovens. Liguei para o Fernando Rosa, editor do site, e pedi o telefone do Lafayette. Começamos a tocar juntos, e isso só fez me aprofundar mais no assunto.

Descobri que o rock brasileiro era o único naquela época a ter aquele tipo de som, uma contribuição nossa ao rock mundial. Até hoje temos o projeto Lafayette & Os Tremendões, tocamos com casas lotadas e acabamos de lançar um CD só de músicas inéditas, com Lafayette interpretando as músicas que nós criamos.

A partir disso começamos a conhecer todos os nossos ídolos: Erasmo, Wanderléa, The Pop's, Ed Wilson, Leno & Lilian, Renato Barros (do Renato e Seus Blue Caps), Getúlio Côrtes, Jerry Adriani --só não conheci Roberto Carlos. Todos eles sempre ficaram impressionados com o nosso interesse e amor pelo gênero e pela história deles. E o Lafayette sempre ficava boquiaberto com a plateia jovem que ia aos nossos shows, totalmente encantada e interessada.

Quando minha banda, o Autoramas, começou a fazer turnês internacionais, comecei a entender que aquele som tinha uma leitura diferente em cada país do mundo, e que a leitura brasileira era, sim, uma das melhores: melhores músicos, grandes compositores e um repertório que todo o Brasil sabe cantar. Mais divertido ainda é descobrir as versões feitas em outras línguas dos originais brasileiros. A Jovem Guarda, sempre acusada de copiar os gringos, foi copiada e versionada pra caramba. É uma brasa, mora?
 

* Gabriel Thomaz é guitarrista, vocalista e compositor da banda de rock Autoramas e líder do grupo Lafayette & os Tremendões, que faz releituras de clássicos da Jovem Guarda. Antes disso, no final dos anos de 1980, formou a banda Little Quail & The Mad Birds, que durou até meados dos anos 90