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Rua da capa de Morning Glory, do Oasis, não é mais a mesma de 20 anos atrás

Berwick Street, rua no bairro de Soho, em Londres, eternizada pela capa do disco "What"s the Story (Morning Glory)?", do Oasis, em imagem recente - Sister London/Divulgação
Berwick Street, rua no bairro de Soho, em Londres, eternizada pela capa do disco "What's the Story (Morning Glory)?", do Oasis, em imagem recente Imagem: Sister London/Divulgação

Márcio Cruz

Colaboração para o UOL, em Londres

02/10/2015 06h00

A história se repete há anos. Já pela madrugada, uma parte da pequena Berwick Street, no bairro londrino do Soho, é ocupada por comerciantes e vendedores da feira livre. Um pouco mais tarde, por volta das 10h, há um constante trânsito de vans, carros e ciclistas. Nas calçadas, colecionadores de discos disputam espaço com hipsters e turistas. Localizada entre a Oxford Street e a Brewer Street, tornou-se famosa internacionalmente por figurar na capa de "(What's the Story) Morning Glory?", do Oasis, lançado há exatos 20 anos. A data também é conhecida mundialmente como Oasis Day, quando pipocam eventos com shows de bandas cover em bares e pubs.

Oasis - Reprodução - Reprodução
Capa do álbum "What's the Story (Morning Glory)?", do Oasis
Imagem: Reprodução

"Era domingo, por volta das cinco ou seis da manhã. E mesmo assim, eu nunca tinha visto aquela rua sem nenhum carro. Foi uma oportunidade inacreditável", contou, por telefone, o fotógrafo inglês Brian Cannon, 49. Responsável por toda as capas dos álbuns do Oasis lançados na década de 1990, incluindo o álbum de estreia, "Definitely Maybe" (1994), e "Be Here Now" (1997), Cannon transformou-se no queridinho de várias bandas, e ganhou fama por orçamentos virtuosos e por longas e preciosistas sessões fotográficas. Segundo ele, as lojas de discos, muito mais presentes na época, não influenciaram em nada a escolha do local. "Eu queria uma rua que fosse reta, ladeada por prédios e uma perspectiva que apresentasse um ponto de fuga. Visitamos várias ruas em Londres e encontramos a Berwick".

Com cerca de 5 milhões de cópias vendidas somente no Reino Unido, naquela época,"Morning Glory" fez da Berwick Street uma das ruas mais conhecidas do mundo e a cada hora é possível ver fãs com câmeras tentando reproduzir a imagem da capa do álbum. Uma veneração que ajudou a posicionar o Oasis como uma das maiores bandas da história da música britânica. Nada mal para os irmãos Noel e Liam, que nunca esconderam sua veneração pelos Beatles e por sua Abbey Road.

"Eu já havia feito capas para o Verve e conheci Liam [Gallagher, vocalista] no elevador do prédio onde trabalhávamos, em Manchester", conta Cannon. "Ele tinha uma outra banda [Rain, que deu origem ao Oasis], e ainda não estava assinado com nenhuma gravadora. Quando assinou, ele me chamou para trabalhar com eles", contou. Embora a festa no dia 2 de outubro seja dedicada a "Morning Glory", o álbum não é o predileto de Cannon. "'Definetely Maybe' foi o primeiro álbum e musicalmente contém tudo o que o Oasis fez depois", defende.

Uma exposição comemorativa dos 25 anos de seu estúdio, o Microdot, está em cartaz no subsolo da loja da marca de roupas Pretty Green, de Liam Gallagher, na Carnaby Street. Estão lá as capas criadas por Cannon ao longo da carreira (The Verve, Ash, Suede, entre outros), esboços dos projetos criativos, versões não aprovadas, bilhetes trocados com os músicos e uma pequena coleção de memorabilia. Depois de Londres, a exposição passa por Manchester e Leeds.

Apesar de ter ajudado a construir a imagem de bandas da chamada "cool brittania", Cannon já não recebe muitos convites do mercado fonográfico. Para ele, a indústria musical britânica permanece tão interessante e rica quanto duas décadas atrás, mas sem recursos ou o apoio necessário. "A música continua ótima, mas não há mais dinheiro, considerando que as pessoas não vendem mais discos e a primeira coisa a ser cortada foi o orçamento para a criação de capas. Naquela época, bandas como o Oasis vendiam muitos discos. Hoje em dia é tudo download. As bandas existem, mas você não consegue ouvi-las", disse. "É muito difícil para novas bandas. Sempre foi difícil, mas hoje é impossível viver disso".

Recentemente, a imprensa britânica especulou sobre uma possível nova turnê do grupo e um novo trabalho. Pelo menos por enquanto, Cannon nega a participação no projeto.

Discos, verduras e gentrificação

Assim como outras áreas da cidade como Brixton e Shoreditch, o Soho está sofrendo com a gentrificação, processo em que comunidades locais dão espaço a novos moradores e consumidores. Aos poucos, lojas independentes da Berwick Street estão dando espaço para filiais de grandes cadeias do varejo. Segundo Sophie Webb, que trabalha há nove anos na Reckless Records, a mudança não afetou o número de clientes, mas lembra-se que a concorrente The Music and Video Exchange fechou em maio, após 20 anos no bairro. "Eu não concordo com o que está acontecendo do lado de lá", diz, referindo-se ao trecho ocupado pelo mercado, onde está sendo construído um hotel.

Do outro lado da rua, uma obra ainda exibe na fachada a placa anunciando Fish and Chips (peixe e batatas fritas), refeição popular inglesa, mas, segundo um dos operários, dará espaço a uma loja da rede de fast food americana 5 Guys. Já na feira, as barracas de frutas e verdura foram substituídas por tendas de sanduíches de falafel, saladas e hambúrgueres artesanais.

Fã do Oasis e dono de uma barraca de produtos domésticos, Sam Coe, 33, frequenta a região desde que tinha 16 anos. "Eu tinha 13 anos quando 'Morning Glory' foi lançado e foi uma revolução. Naquela época, tínhamos apenas Take That, os conservadores estavam no poder e era horrível. Tony Blair trouxe uma coisa nova e 'Morning Glory' chegou quebrando tudo", relembra. "Mas a Inglaterra mudou, a cidade mudou e a Berwick também mudou muito", diz. "Aqui você podia ver astros do cinema, vendedores, mendigos, era tudo misturado. Agora, o dinheiro está entrando forte e as comunidades estão sofrendo".