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Elza Soares exorciza dores em novo disco: "Música é o sedativo da alma"

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

08/10/2015 07h00

Uma das maiores cantoras do Brasil, Elza Soares encontrou no cenário apocalíptico o caminho certo para seu grito rascante. Em seu novo disco, "A Mulher do Fim do Mundo", uma profusão de ruídos e acordes dissonantes se emaranham e refletem um mundo em colapso, enquanto ela resiste ao caos e suplica: "Me deixem cantar até o fim". "Coloquei muita coisa para fora. Faz dois meses que eu perdi um filho e tudo isso pesou", revelou a cantora, em entrevista ao UOL.  "A música, para mim, é o sedativo da alma. E eu precisava desse sedativo".

Aos 78 anos --segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, já que ela mesma nunca oficializou a idade--, Elza fez um dos trabalhos mais joviais e pesados do ano, sem as regravações que marcaram os seus mais de 60 anos de carreira. Pelo contrário: ela ganhou composições inéditas para seu novo trabalho.

Os temas íntimos às suas dores estão lá, desde a canção-título, um samba-enredo elétrico ("Na chuva de confetes deixo a minha dor / Na avenida deixei lá / A pele preta e a minha voz") até "Maria da Vila Matilde", sobre uma mulher que reage ao ser agredida pelo marido ("Eu quero ver você pular, você correr na frente dos 'vizim' /  'Cê' vai se arrepender de levantar a mão pra mim"). "A mulher é muito calada, sofre abuso toda hora e não grita, não denuncia. Essa música é uma denúncia. De alguma maneira, fui uma dessas mulheres. Tive que gritar também", comenta a cantora.

Punk samba

Da combustão registrada no disco e no show, lançados no último fim de semana, participou um time de músicos vanguardistas que vem dando uma nova cara à cena paulistana, unindo a música brasileira com distorção e guitarras punk: o grupo Passo Torto (de Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Romulo Fróes e Marcelo Cabral), além de Celso Sim na direção artística e Guilherme Kastrup na produção. No espetáculo, a obra ganha reforço de músicos do grupo Bixiga 70 e do quarteto de cordas Quadril.

Elza, que vinha de um projeto mais clássico de releituras de Lupicínio Rodrigues, topou o novo desafio de imediato. "Não teve choque. Ela tem uma sede do novo. A gente compôs os arranjos em uma semana, cheio de dissonância e barulho. Na hora de mostrar para ela, pensei: 'É agora". Que nada, ela adorou tudo", comentou Kastrup, no primeiro ensaio antes do lançamento do show. Para a cantora, o peso do álbum revela belezas. "Acho lindas todas aquelas guitarras. É punk samba. Eu tenho muito disso".

A aspereza da vida urbana encontra na vibração da voz de Elza seu melhor alto-falante. É por ela que ganham vida a travesti que sofre violência em "Benedita", o sexo como metáfora do caos em "Pra Fuder" e o tango sobre a morte de "Dança". “Eu canto a morte, mas não penso nela", observa Elza. "Não adianta, ela está aí de qualquer jeito".

Ao exorcizar suas dores, a cantora diz que agora está renovada. "Tem tanta coisa que a gente quer gritar, mas tem coisas que a gente tem que gritar para dentro. Tem coisas que você consegue botar para fora, tem outras que canta e joga lá dentro, no coração, no pulmão, num cantinho".

O que lhe faz resistir e continuar gritando? "Não sei", responde. "Existe essa força, existe desejo, essa vontade. Eu quero saber onde eu estou que eu ainda não sei, o que eu devo encontrar que eu não sei. Vou buscando, mas não sei o que é".