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Desbocado e irreverente, funkeiro Nego do Borel vai do morro à Globo

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

05/11/2015 09h05

Há pouco mais de quatro anos, a fama de Nego do Borel estava restrita apenas ao seu nome de batismo. Inspirado em John Lennon e Michael Jackson, Leno Maycon era um menino pobre e franzino que assistia "Malhação" diariamente. Diante dos dramas de adolescentes da classe média, distantes da sua realidade no Morro do Borel, zona norte do Rio de Janeiro, ele pensava positivo. "Sentia que algum dia eu ia vencer, que um dia eu estaria lá, que um dia eu poderia ir ao shopping", relembra.

Hoje, aos 23 anos, o funkeiro tem pinta de superstar. E, como muitos ídolos pop, saiu do morro para invadir as regiões as classes abastadas. Contratado pela multinacional Sony, Nego trabalha para ser o equivalente masculino de Anitta, de quem é amigo e parceiro musical, mas mais irreverente e desbocado.

Se antes lhe faltavam dentes e roupas, ele agora ostenta carrão, um guarda-roupa de dar inveja em fashionistas e amigos globais. O desejo de estar do outro lado da telinha se realizou: ele está na trilha (com a música "Não Me Deixe Sozinho") e no elenco de "Malhação", no papel de um descolado chapeiro de lanchonete. "Eu falei para a gravadora que queria atuar e sugeriram a 'Malhação'. [Disseram]: 'Você zoa para caramba, é jovem'. E eu: 'É mesmo?'", conta, rindo escandalosamente.

Seu primeiro disco completo, "Nego Resolve", será lançado nas próximas semanas e o show de lançamento está marcado para esta quinta-feira (5) no Barra Music, no Rio, com participação de LudmillaValesca Popozuda, Henrique & Diego e Belo. O álbum investe forte na música pop, sem perder a essência. Até mesmo o refrão ousado de "Os Caras do Momento", no qual ele canta "quem nasceu c*, nunca vai ser pica", foi mantido. "Ninguém quer tirar o Nego do Borel do Nego do Borel, do tipo 'vamos colocar o neguinho para virar o Alexandre Pires'".

E isso nem daria certo. A espontaneidade é o que o torna especial em um mercado cada vez mais fabricado. Nas redes sociais, ele tem o domínio: só no Instagram, seus vídeos nonsenses e as fotos de caretas são seguidos por 1,4 milhão de pessoas. Basta apontar uma câmera para seus olhos virarem, ele emular sons grotescos, uma gargalhada descabida ou imitar uma travesti. Foi assim que ele, noivo da empresária Crislaine Gonçalves, cumprimentou a reportagem do UOL na entrevista: "Oi amor, querido".

Tão inerente quanto sua paixão por bundas e a persistência em sair da pobreza, Nego gosta mesmo é de desconcertar. Ou, como ele diz, atuar. "Eu tinha 12 anos, me vestia de mulher, trancava minha mãe em casa e ficava: 'Olha só, Roseli, hoje vou arrumar um bofe. Hoje eu quero um Paraíba para me arrebentar to-di-nha'. Na escola, eu era ainda mais maluco, cara". A personagem gay já é famosa e ganhou o apelido de Nega da Boreli. 

Em uma entrevista recente para uma rádio, Nego deixou no ar que teria tido relações homossexuais "para conseguir show no início da carreira". "Só fiz 'meinha' [brincadeira sexual entre meninos, o famoso 'troca-troca']", disse. Mas ali, segundo ele, também estava atuando. E declara, à sua maneira, seu amor pelo público LGBT: "Eu amo viado para c****, viado é muito maneiro". Os famosos, os novinhos, os gays, os cariocas, os pobres e os ricos, todos adoram, se amarram no Nego.

 

Momento surreal

Olhando para o passado, ele se recorda de quando trabalhava em uma kombi, aos 16 anos, transportando os moradores do Morro do Borel para o Centro do Rio. Ali, ele soltava a voz e cantava ao anunciar o destino da viagem. Foi assim que os amigos incentivavam a carreira no funk. Contratou o grupo Bonde das Maravilhas no seu aniversário e tentou compor um funk para as dançarinas. "Elas me cobraram R$ 400, e na época eu só tinha R$ 250. Elas dançaram, mexeram o bumbum, parárá. Falei: 'Eu posso fazer uma música para elas'. Fiz 'Super Poder'".

A segunda colaboração, "Eu Adoro, Eu Me Amarro", estourou em 2012. A partir dali, os contratantes começaram a pedir que Nego estivesse presente no show das Maravilhas. "Comecei a ganhar R$ 100 por baile. Juntei R$ 1 mil e fui na Uruguaiana [centro de compras popular do Rio], comprei roupa para meus dançarinos. Nessa época, a música do MC Guimê tava estourando com a parada da ostentação. 'Os Caras do Momento' e comecei a ganhar R$ 400". Atualmente, ele fatura por volta de três dígitos a mais. O clipe do seu hino da ostentação soma sozinho 42 milhões visualizações.

Os primeiros salários foram destinados à mãe e serviram para arrumar os dentes. "Eu morava em frente a uma lixeira, minha casa era a última do morro. Estou vivendo o momento mais surreal. Eu achava que ia chegar até certo ponto, mas passei desse ponto faz tempo", diz. "Hoje minha música toca nas melhores baladas. Faço dois shows de qualidade por noite, chego e está tudo bem no meu camarim. Quero dar minha barrigada e o banheiro está limpinho".

Isso lhe traz outra lembrança: o segurança que o seguia no shopping, quando ainda sonhava com a fama. "Eu tinha dente podre, roupa feia, pereba na perna. Mas eu era super do bem. O cara ficava me seguindo o shopping todo. Fiquei um tempo sem aparecer. Voltei agora com meu carrão, ele me seguiu e pediu para eu tirar uma foto para a filha dele".