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Lançando disco biográfico, Djavan prega diversidade: "O que mais valorizo"

O cantor Djavan, que está lançando "Vidas pra Contar", 23° disco da carreira - Divulgação
O cantor Djavan, que está lançando "Vidas pra Contar", 23° disco da carreira Imagem: Divulgação

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

16/11/2015 06h00

Em divulgação de seu novo trabalho de estúdio, o disco autobiográfico "Vidas pra Contar", Djavan admite que falar com jornalistas não é lá "a melhor das coisas". Exposição não é com ele. Mas experimente jogar na roda o tema da arquitetura, uma de suas mais antigas e intensas paixões. A conversa voa. 

"Na arquitetura, você lida com forma, com proporção, textura, cor, cálculo etc. Afora o cálculo, são todas coisas ligadas ao universo artístico", diz o cantor, que, "sem estudo nem nenhuma noção didática", projetou a reforma da própria casa, no Rio, e o orquidário de seu sítio em Araras (região serrana na capital fluminense), onde cultiva cerca de 500 espécimes.

Essa pendência naturalista, que faz parte do dia a dia do músico, perpassa o novo álbum, a começar pelas vigas poéticas erguidas na faixa-título, em que canta sobre o amanhecer e os insetos: "Destemidos/ Vaga-lumes luz-sombreiam/ Semiescondidos/ Muitos morreram/ Puros/ Sem ver a manhã".

Ao longo do disco, a pureza percorre outros meios. Em "Vida Nordestina", Djavan aborda a terra natal, Maceió. Em "Dona do Horizonte", homenageia a mãe, figura decisiva na formação musical do garoto que queria ser jogador de futebol, mas partiu rumo à capital fluminense para buscar outro sonho.

Na conversa com o UOL, Djavan fala sobre seu curioso processo criativo, que só funciona quando está sob pressão. Segundo ele, é preciso ter data para entrar em estúdio. Admirador da diversidade, seja na arte ou na vida, ele critica a persistência do racismo e da homofobia na sociedade, o que chama de "distorção cultural".

Aos 66 anos, mais de 40 de carreira, Djavan pode se dizer realizado. Na próxima quinta-feira (19), vai receber o prêmio especial do Grammy Latino pelo conjunto de sua sempre popular obra. Para muitos, hermética e indecifrável. Para tantos outros, apenas Djavan.

"Talvez a coisa que eu mais valorize seja a diversidade. E o diferente, em geral, sofre rejeição. Eu sofri muita rejeição por ser diferente", afirma o músico, que concederia a láurea do Grammy a vários colegas. "Luiz Gonzaga. Tom Jobim. Caetano Veloso. Gilberto Gil. Chico Buarque. Milton Nascimento. Ivan Lins. O Brasil é coalhado de grandes autores."

UOL - Seu novo disco se chama "Vidas pra Contar". Que vidas são essas?

Djavan - Eu conto sobre várias vidas. Esse disco é até um pouco mais biográfico do que sempre fiz. Nunca me exponho todo. Desta vez coloquei a relação com minha mãe. Minha relação afetiva com o Nordeste. Em “Enguiçado”, falo sobre a vida do homem, nos âmbitos político, social. No caso de “Vidas para Conta”, falo do inseto. Achei bacana falar disso. Mas são vidas de pessoas. De mulheres de programa, odaliscas. Nas músicas de amor, falo da relação humana. Falo de vidas o tempo todo. O título, “Vidas para Contar”, é bem próprio.

Por que lançar algo tão autobiográfico neste momento?

Acho que isso não tem muito uma explicação, porque não houve um planejamento. Apenas, periodicamente, eu penso mais na minha mãe. Foi uma figura muito forte na minha vida, uma pessoa que sempre incentivou minha vocação para a música. Que me apresentou ídolos da época. Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Luiz Gonzaga.

Você já disse que não tinha nenhuma música até dez dias antes de entrar em estúdio. Gosta de trabalhar sob pressão?

Para mim, funciona, até porque a pressão não vai exercer uma influência significativa na qualidade do trabalho. Por exemplo, comecei a gravar o disco no dia 23 de fevereiro e terminei em meados de agosto. É um processo longo. Mas eu sempre gostei da história do “pão quente”, sabe? Aquela coisa de fazer e gravar. Se eu fizer uma música hoje eu não vou gravá-la daqui a um ano de jeito nenhum.

Em relação à feitura dos discos, eu nunca tenho antes o repertório que eu vou gravar. Gosto de ter três ou quatro músicas para dar o start da gravação, e fazer o restante do repertório durante esse período. É um período que eu estou envolvido com os músicos. Com o equipamento, o estúdio. Porque aí eu faço em casa a música e no dia seguinte já levo para gravar.

Você descobriu recentemente uma letra censurada nos anos 1970, "Negro", que fala de racismo e que você compôs após ser preso na ditadura. Pensa em regravá-la neste momento em que se discute muito o tema?

Esse é um tema que está impregnado na alma do povo. Uma questão cultural. Vem desde o começo da nossa sociedade. Acho que qualquer momento é momento de falar de distorções como essa. Assim como a homofobia. A população está exposta a isso o tempo inteiro, a esse mundo adverso em que vivem as minorias.

Regravaria "Negro"?

Eu não saberia te dizer agora. É provável até que, se quiser falar de racismo, eu faça algo agora. Não tenho um subsídio mais forte para poder te responder. Essas músicas foram descobertas no Arquivo Nacional só com a letra. Estou começando a buscar a música nas editoras da época. Eu gostei da letra de “Negro”. Se eu gostar da música tanto quanto, por exemplo, pode ser que em algum momento eu grave.

O racismo está impregnado na alma do povo. É uma questão cultural. Vem desde o começo da nossa sociedade. Acho que qualquer momento é momento de falar de distorções como essa. Assim como a homofobia.
Djavan sobre a atualidade da letra de "Negro"

Você projetou sua casa e orquidário. Como surgiu esse amor pela arquitetura?

Sempre fui apaixonado. Não tenho nenhuma noção didática, nunca estudei. Meu negócio é o olhar. Porque na arquitetura você lida com forma, com proporção, textura, cor, cálculo etc. São coisas ligadas a um universo artístico. Afora os cálculos, tudo que envolve a arquitetura é dado à visão artística. Eu gosto muito de ver as coisas através de suas nuances, pelos seus detalhes. A arquitetura é algo que busco no mundo inteiro. Procuro ver logo a arquitetura em todos os lugares a que vou. Assim como a botânica, que é minha outra paixão.

Quais são seus arquitetos favoritos?

O arquiteto que mais amo, por sua ousadia impressionante, sobretudo considerando o tempo em que ele atuou, é o Gaudí. A arquitetura dele não tem conexão com o passado nem com o futuro. Quando você vai a Barcelona, você vê a obra do Gaudí ao lado de outra e percebe que não há nenhum parâmetro. É um homem que ousou demais. Ele deve ter sofrido muito com a imprensa na época (risos).

E ele impôs uma rigidez enorme na sua capacidade de mexer com o concreto, com ferro. Com as cores, as formas, as texturas. Niemeyer também é um grande arquiteto que eu admiro muito. São vários. O mundo está cheio.

Alguns criticam a arquitetura moderna, afirmando que houve uma ruptura muito forte e que pode ser sentida até hoje. Você concorda?

Acho que a arte, de modo geral, obedece ao olhar do seu tempo. Cada tempo tem uma arte que está mais em voga. Mexer com as artes, com os estilos, é mexer com o próprio ser humano. Eu acho que às vezes a mexida é mais feliz do que em outras. Tem coisas que ficam bem quando você mexe. Por exemplo, os estilos híbridos, as misturas. Isso pode resultar em um monstro, mas pode acabar virando outra arte distinta. Uma coisa tão boa quanto a original. É uma coisa tão boa quanto pessoal.

O que significa para você ser homenageado pelo conjunto da obra no Grammy?

O que mais significa para mim é exatamente o conjunto da obra. Minha relação com o Grammy é antiga. Recebi primeiro em 2000, com a música “Acelerô”. Depois, em 2010, com o disco “Ária”. Agora, pelo conjunto da obra. Isso ratifica uma obra, sobretudo porque mostra que ela está ganhando asas, que está viajando o mundo inteiro e sendo conhecida cada vez mais. É um prêmio que me interessa muito.

A quem você daria o Grammy pelo conjunto da obra?

Vários. Para Luiz Gonzaga, totalmente. Para Tom Jobim. Caetano Veloso. Gilberto Gil. Chico Buarque. Milton Nascimento. Ivan Lins. O Brasil é talhado de grandes autores, grandes criadores. São muitos. Óbvio que estou esquecendo vários.

Você gosta de dar entrevista, Djavan?

Acho que é uma coisa necessária. Você precisa divulgar o trabalho. Fora desses momentos, eu não faço muito. Apareço pouco em televisão. Sempre fui assim. Nunca fui de estar muito exposto na mídia. Acho que tudo tem seu tempo. Mesmo neste momento, em que eu acho que aparecer é necessário, eu faço isso com uma certa parcimônia. É meu jeito de ser.