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Hino contra a ditadura, "Caminhando", de Vandré, perdeu festival em 1968

Público de 30 mil pessoas consagrou Geraldo Vandré e a canção "Caminhando (Pra Não Dizer que não Falei das Flores)" - Revista Manchete/Divulgação
Público de 30 mil pessoas consagrou Geraldo Vandré e a canção "Caminhando (Pra Não Dizer que não Falei das Flores)" Imagem: Revista Manchete/Divulgação

02/12/2015 12h17

Leia, em primeira mão, trechos do capítulo "A Vida não se Resume a Festivais" da biografia "Geraldo Vandré - Uma Canção Interrompida" (Ed. Kuarup), em que o jornalista Vitor Nuzzi reconta o anúncio dos vencedores do Festival Internacional da Canção em 1968:

"O público, estimado pela imprensa da época em 20 mil a até 30 mil pessoas, queria a vitória de "Pra não Dizer que não Falei das Flores". E se manifestou com veemência após conhecer a decisão dos jurados. O áudio é inequívoco. Mas, infelizmente, não há imagens conhecidas daquele momento. O Centro de Documentação da TV Globo diz possuir alguns poucos takes do festival, mas nenhum em que apareça Vandré. Mesmo a interpretação disponível de Sabiá, com Cynara e Cybele, já é a da fase internacional.

Quando foi entrevistado para a GloboNews, em 12 de setembro de 2010, Geraldo chegou a pedir ao jornalista Geneton Moraes Neto que localizasse as imagens do festival. “Lá na sua estação deve ter”, afirmou. Mas elas não foram encontradas, assim como as da entrevista forjada de 1973, na volta do artista ao Brasil. Ao pesquisar para o documentário Uma Noite em 1967, sobre o festival da Record daquele ano, os diretores Renato Terra e Ricardo Calil também não acharam uma única imagem de Vandré. O “sumiço” de Vandré nos arquivos foi tema de uma reportagem publicada em abril de 2011 pelo jornal Brasil de Fato.
Os nomes foram sendo anunciados. (...)

A tensão cresce. E aumenta quando o apresentador Hilton Gomes anuncia que o segundo lugar é de "Pra não Dizer que não Falei das Flores". As vaias tomam conta do ginásio. É preciso que se saiba que não estamos vaiando "Sabiá", mas a decisão do júri, afirmou um espectador ao jornal Última Hora.

Luiz Roberto, parceiro de Vandré em Tristeza de Amar e Ninguém pode mais Sofrer, também estava no Maracanãzinho. E ficou impressionado. “A ideia de entrar sozinho no palco foi genial. Aquilo foi arrasador. Se pusesse aquela orquestra acompanhando – e era uma orquestra muito boa –, não ia ter o mesmo impacto, porque ele foi na essência, foi incrível.”

Como as vaias não paravam, o próprio Vandré decidiu interceder, defendendo os vencedores do festival, que ainda nem haviam sido anunciados.

Olha... Sabe o que eu acho? Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem o nosso respeito (aplausos e vaias). A nossa função é fazer canções. A função de julgar, neste instante, é do júri que ali está.

Vaias, muitas vaias, para o eclético júri, formado por Alceu Bocchino, Ary Vasconcelos, Bibi Ferreira, Billy Blanco, o maestro Carioca (Ivan Paulo da Silva), Carlos Lemos, Donatello Grieco, Eli Halfoun, Eneida Costa Martins, Isaac Karabtchevsky, Justino Martins, Nilo Scalzo, Paulo Mendes Campos, Ricardo Cravo Albin e Ziraldo.

Vandré continua: Pra vocês... Pra vocês que continuam pensando que me apoiam vaiando... O público começa a gritar “É marmelada” repetidas vezes, enquanto Vandré, parecendo aflito, tenta falar. Gente! Por favor! Por favor!

A intensidade das vaias diminui, e ele completa, pausadamente. Tem uma coisa só mais. A vida não se resume em festivais. E começa a dedilhar o violão. Enquanto cantava, a multidão agitava lenços brancos – “caloroso adeus ao artista cuja canção vai ser cantada por muito tempo”, descreveu o jornal O Globo na edição de 30 de setembro. (...)

Vandré deixou o Maracanãzinho em seu Galaxie e foi para o hotel Plaza, em Copacabana, onde outros artistas estavam hospedados. Depois, saiu para a noite carioca. O desenhista Ziraldo fazia parte do grupo – ele conheceu Vandré exatamente naquela noite. “Ficamos, um bando de amigos, flanando por Copacabana, na madrugada. Pareciam-me, todos, muito despreocupados”, conta Ziraldo, que recorda ainda de uma rápida conversa com Vandré. “Ele me disse: Precisava ganhar esse festival. E, com um jeito de mistério: Eu tinha exatamente o que fazer com o dinheiro. Os companheiros precisavam dessa ajuda. Nunca soube que companheiros eram esses. Naquela noite a frase me pareceu qualquer coisa meio parecida com bravata. Soube mais tarde que jovens militares andavam rondando a gente naquela noite com a pior das intenções.”

Talvez o receio de Vandré fosse justificado. (...)

Na autobiografia escrita em 1991 com o auxílio do jornalista Gabriel Priolli, o ex-diretor da Globo Walter Clark conta que recebeu uma “ordem” para que Caminhando ou América, América não vencesse. O recado, segundo ele, partiu do ajudante de ordens do general Sizeno Sarmento.

Não era um recado qualquer. Comandante do I Exército, Sizeno havia sido major da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na 2ª Guerra Mundial – é citado várias vezes pelo escritor Rubem Braga em seus relatos de guerra para o Diário Carioca. No início do governo Castello Branco, após a derrubada de João Goulart, foi chefe de gabinete de Costa e Silva quando este era ministro da Guerra. De acordo com o relato, a tal ordem foi ignorada e sequer chegou ao conhecimento dos jurados.

Boni assegura que o júri não sofreu qualquer tipo de pressão. “Não houve nenhuma interferência, nem a mais leve sugestão. O júri foi soberano.”

Sobre o relato de Clark relativo ao episódio com os militares, ele conta que não foi informado. “O Walter, talvez para não me preocupar, nunca mencionou esse fato. Quando conversávamos sobre consequências, a gente pensava no endurecimento da censura com nossos telejornais, novelas e outros festivais, mas estávamos acostumados com isso e a só agir quando surgiam problemas. O risco do endurecimento era permanente e não apenas uma consequência do festival.”

Serviço:
Lançamento - "Geraldo Vandré - Uma Canção Interrompida"
Data: 2 de dezembro, 20h
Local: Biblioteca Mário de Andrade. Rua da Consolação, 94, Consolação, São Paulo – SP
Entrada gratuita

Bate-papo e noite de autógrafos com Vitor Nuzzi
Data: 11 de dezembro, 19h
Local: Livraria da Vila . Rua Fradique Coutinho, 915, Pinheiros, São Paulo - SP
Entrada gratuita