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Streaming de música se populariza no Brasil em 2015, mas ainda não dá lucro

Spotify, Apple Music, Tidal e Deezer disputam o mercado do streaming musical no Brasil - Montagem/UOL
Spotify, Apple Music, Tidal e Deezer disputam o mercado do streaming musical no Brasil Imagem: Montagem/UOL

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

09/12/2015 07h00

A frase pode soar clichê, mas nunca foi tão fácil ouvir música quanto hoje. Isso porque 2015 marca o ano da popularização do streaming no país, em um movimento que começou em 2013 com a chegada da Deezer, se aprimorou em 2014 com o Spotify e se consolidou neste ano com o Google Play, Apple Music e Tidal.

Essa palavrinha “streaming” ainda não é totalmente conhecida dos brasileiros, mas seus efeitos já são. Se, em vez de baixar um disco no seu computador ou celular, você prefere ouvir as músicas pelo YouTube, por exemplo, está fazendo streaming. No Brasil, cerca de 73% das pessoas que têm acesso à internet usam o YouTube para ouvir música. Se, nos últimos três anos, você ouviu música em alguns dos serviços citados acima, também fez streaming. O fato é: ouvir música pela internet em 2015 se consolidou como um comportamento social que remunera o artista (ainda que pouco) e evita a pirataria.

“Vimos importantes concorrentes chegarem ao país e isso mostra que o segmento é promissor”, diz Mathieu Le Roux, diretor-geral para a América Latina da Deezer, que em 2015 juntou-se à Rádio UOL e deu origem à UOL Música Deezer.

“A Deezer, bem como outros serviços de streaming, são soluções eficazes na luta contra a pirataria (...) o streaming ainda não é um produto de massa, mas estamos fazendo um grande trabalho para ensinar as pessoas a usar o serviço. É um processo de evangelização. É nosso dever mostrar para o público que é possível consumir conteúdo legal de uma maneira simples”, analisou Le Roux.

Procurada pelo UOL a filial brasileira do Spotify preferiu não comentar a reportagem. Google Play e Apple Music também foram procuradas, mas não responderam até a publicação deste texto.

Segmento cresce no país
Em 2015, pela primeira vez, a renda da música digital superou a física no Brasil. De acordo com dados divulgados pela ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco), o mercado de streaming movimentou em 2014 cerca R$111 milhões. Os números de 2015 ainda não estão fechados, mas a renda foi um um pouco maior do que o valor dos discos físicos. Segundo a IFPI (International Federation of the Phonographic Industry) a música digital movimentou em 2014 US$ 6,9 bilhões, sendo que deste valor, US$ 1,6 bilhões vieram apenas das assinaturas em serviços de streaming. Para o Brasil, a IFPI concorda com a ABPD e estima que 50% da receita já venha do digital.

É nosso dever mostrar para o público que é possível consumir conteúdo legal de uma maneira simples
Mathieu Le Roux, diretor-geral da Deezer para América Latina

Embora as notícias sejam animadoras, o formato ainda está longe de dar lucro. O Spotify, por exemplo, teve um faturamento de 1,1 bilhão de euros no ano passado, mas amargou um prejuízo de 165 milhões. Já a Rdio, outra empresa de streaming, fechou as portas por não ter conseguido lucrar durante o seu período de atividade. A Deezer, por sua vez, desistiu de tentar arrecadar 300 milhões de euros com a venda de ações na bolsa após investidores hesitarem diante do valor de mercado da empresa.

Neste bolo, o Brasil tem se destacado como importante player internacional. “O Brasil está entre os cinco mais importantes países para a companhia. Apostamos em conteúdo local”, disse Le Roux. Já Arthur Fitzbbon, diretor da ONErpm, distribuidora de música digital, concorda com Le Roux. “O Brasil responde por mais de 80% da movimentação da ONErpm no mundo inteiro. Entre o primeiro trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2015, só no streaming, tivemos um crescimento de mais de 500%”, revelou.

O streaming também está ajudando as gravadoras, que amargam prejuízos com a pirataria desde o início do século 21. O presidente da Sony Music Brasil, Paulo Junqueiro, acha que o streaming é um dos caminhos para a comercialização de música. “É um formato que está se instalando e que vai ficar por muitos anos até uma nova revolução acontecer”, disse. “Todos os serviços de distribuição por via legal são alternativas a pirataria”.

Para o produtor musical e dono da gravadora Trama, João Marcelo Bôscoli, uma das vantagens do streaming é a possibilidade de o artista não precisar gravar um disco inteiro para lançar uma música. “Se eu tenho R$ 100 mil, eu posso apostar tudo isso em um álbum ou dividir e gravar cinco artistas diferentes. Uma coisa é apostar em 12 faixas de uma mesma pessoa, outra é apostar em 12 faixas de músicos diferentes”, explica.

Remuneração

Muitos músicos não estão satisfeitos com os valores pagos pelas empresas de streaming, que dizem ser muito baixos. As empresas, por sua vez, justificam afirmando que, com a pirataria, ninguém ganhava nada e que, pelo menos agora, algum valor está sendo pago. Em média, as empresas pagam R$ 0,002 a cada reprodução, sendo que metade disso vai para a mão dos artistas.

“Não é o suficiente”, diz Bôscoli. “Mas sempre foi assim. A fonte de renda dos artistas são os shows. Se uma banda ganha R$ 100 mil por show trabalhando apenas nos finais de semana, ganhou R$ 800 mil no mês. Nenhum serviço de streaming vai pagar isso”, analisou.

Para o Le Roux, da Deezer, ainda estamos na fase de evangelização do usuário. “No streaming, os artistas têm a oportunidade de continuar sendo remunerados não só no lançamento de um álbum, por exemplo, mas durante toda a vida”, explica. “No passado, você comprava um disco, pagava um valor definido, e podia ouvi-lo milhões de vezes sem que o artista recebesse qualquer valor adicional pelo número de execuções. O streaming está testando um novo modelo.”

Se uma banda ganha R$ 100 mil por show, trabalhando apenas nos finais de semana, ganhou R$ 800 mil no mês. Nenhum serviço de streaming vai pagar isso
João Marcelo Bôscoli, produtor musical

O vocalista do Capital Inicial, Dinho Ouro Preto, não concorda. “Não acho que o streaming é o futuro da música. Você paga uma mensalidade microscópica e pode rodar o quanto quiser. Eu não faço streaming, eu compro os discos. As contas não batem”, reclama o cantor. Para ele, uma maneira mais justa seria funcionar como na TV aberta com anunciantes. “O valor da publicidade seria proporcional ao número de downloads que é feito. Se o artista tem um milhão de downloads, custa mais caro anunciar ali”, finalizou.

Crise
Todos os entrevistados, no entanto, concordaram que, mesmo com a crise, o mercado de streaming vai continuar crescendo, embora sem dar lucros. João Marcelo Bôscoli, está otimista. “Sempre achei o preço uma coisa importante. Alguns economistas dizem que a melhor maneira de arrecadar impostos é baixá-los”, disse. “Como o valor absoluto da mensalidade é baixo, as pessoas continuam pagando. É possível pagar R$ 15 por mês sem comprometer muito o orçamento. Mas não é 100% imune a crises.”

Na contramão, Taylor Swift e Adele, duas das artistas que mais venderam no ano, decidiram ficar de fora do streaming. Taylor Swift, se recusou a colocar as suas músicas no Apple Music porque a empresa disse que não pagaria os artistas nos três primeiros meses que oferecesse o serviço de graça aos usuários. Após a recusa de Taylor, a Apple voltou atrás e está pagando todos os músicos. Taylor, por sua vez, também voltou atrás e liberou as faixas.

Já Adele lançou recentemente, primeiro em formato físico, "25", o disco mais vendido desde o início do século 21. Analistas creditam o sucesso de venda dos álbuns físicos à decisão de Adele em não disponibiliza-lo nos serviços de streamings. Porém, a decisão é vista como fato isolado, já que muitas pessoas que compraram o álbum dela, não compraram nenhum outro disco durante o ano inteiro. Recentemente, Adele liberou o álbum apenas no Pandora, que não funciona no Brasil e é líder de mercado nos Estados Unidos.