Topo

Show de Frank Sinatra no Brasil mudou paradigmas do entretenimento no país

Jotabê Medeiros

Do UOL, em São Paulo

10/12/2015 07h00

O centenário de Frank Sinatra, completado no próximo 12 de dezembro, guarda lembranças brasileiras. E todos os números e as histórias sobre a primeira vez do cantor norte-americano no país são superlativos e, não raro, inacreditáveis. "Assim que o show terminou no Maracanã, eu fui ao banheiro, me olhei no espelho e parte da minha cabeça tinha ficado branca", conta hoje o empresário Roberto Medina, responsável por trazer Sinatra para aquela apresentação frente a 175 mil pessoas no Maracanã, em 1980.

Medina jogara a cartada mais decisiva de sua vida --antes, já havia conseguido que Sinatra gravasse um comercial de uísque nos Estados Unidos. Trazia um dos maiores ídolos planetários para um ambiente inóspito aos grandes shows internacionais: amador, sem estrutura adequada (teve menos de dois meses para produzir cenário e palco), com má fama de mercado, e ainda sem cacife. O ramo do showbiz nacional teve que aprender ao vivo e sem pausas como manusear 25 toneladas de aparelhos em oito contêineres de 12 metros cúbicos, que lotaram um Boeing 747 de carga da PanAm.

O jovem empresário Medina temia por algum incidente. A noite chuvosa de 26 de janeiro de 1980 suscitava redobrada atenção. Mas, para seu alívio, correu tudo bem. "Ao final, Sinatra encostou a cabeça no meu ombro e me agradeceu, às lágrimas. Disse que tinha sido uma noite que levaria na memória pelo resto da vida". Sinatra ainda ajudaria Medina a iniciar aquele que seria um dos maiores êxitos da indústria da música ao vivo, o festival Rock in Rio.

Quem o viu naquele verão, nunca esquece. As memórias, quando a gente as invoca, vêm em torrente. O escritor e roteirista Renzo Mora (autor, entre outros, de "Sinatra, o Homem e a Música") tinha 18 anos quando foi vê-lo pela primeira vez. Ele lembra que era apenas um estudante durango em 1980. Viajara de ônibus de São Paulo para passar o dia na casa de uma prima no Rio e voltar imediatamente depois do show. Choveu o dia inteiro, ele recorda, e as rádios davam informações contraditórias sobre um eventual cancelamento do show.

Beijoqueiro

"Sinatra nunca tinha visto uma arena daquele tamanho e estava de fato emocionado. Disse para o público que aquele era o momento mais importante de sua vida profissional. Ao final de 'My Way', foi atacado carinhosamente pelo folclórico Beijoqueiro [José Alves de Moura, um motorista de táxi português que trabalhava no Rio e celebrizou-se por essas performances osculares]", conta Mora.

Mora teve a convicção de que Sinatra experimentava uma emoção nova. "Quando esqueceu parte da letra de 'Strangers In The Night', um coro de mais de cem mil pessoas o ajudou. Ele encerrou com uma música que ainda não havia sido lançada ('Theme From New York, New York') e depois parecia não querer sair do palco. Ficou correndo de canto a canto do palco, saboreando os aplausos. Eu já vi a gravação de dezenas de shows de Sinatra e nunca o vi tratar o público daquela forma. Debaixo de um calor provavelmente insuportável para um nova-iorquino, com um smoking ensopado de suor, ele sorria como uma criança e estendeu a despedida por um tempo enorme, acenando com um lenço branco".

Aversão a entrevistas

A passagem de Sinatra pelo Brasil foi um cometa fulminante também para diversas atividades profissionais. Como o jornalismo, por exemplo. A coletiva de imprensa no Rio Palace Hotel (hoje Sofitel) foi insana. Havia mais de 200 jornalistas e um Deus nos acuda civilizatório. Sinatra já tinha fama de odiar repórteres. "Não sabíamos se ele chegaria de carro por Ipanema, Copacabana, e podia vir pela Atlântica ou Nossa Senhora de Copacabana", escreveu a professora de jornalismo Rose Esquenazi, recém-formada que cobriu o evento para o jornal "Última Hora".

O assessor de Sinatra, contam, bufou: "Ele não precisaria vir ao Brasil para ser tratado como animal", desabafou. Em determinado momento, uma meia dúzia de jornalistas foi dar uma olhada na sala de imprensa, enquanto o resto continuava de plantão do lado de fora. Foi quando a segurança baixou uma regra instantânea: os que estavam fora, não entrariam mais; os que estavam dentro, não poderiam sair. "De repente, eu estava de cara com Frank Sinatra. O que perguntar para ele? Meu inglês estava bom. Gostaria de saber detalhes da máfia, se ele queria abrir um cassino no Brasil, sobre a cartomante que disse que ele morreria se pisasse no país. Mas não tive coragem. Perguntei se ele se considerava uma pessoa especial", ela contou, em carta a um blog.

Na própria coletiva lotada, minutos depois, Sinatra se irritaria após uma pergunta e sairia da sala. No final, deu uma breve entrevista para Glória Maria, da Rede Globo. Para os primeiros plantonistas da área, aquela vigília foi árida: quatro dias de plantão na frente do hotel e só carão e pouca declaração para os jornalistas.

Troca de gentilezas

Já a baiana Ines Carvalho entrou para a crônica da época pelos valores que despendeu para acompanhar a vinda e o show de Sinatra. Saiu com amigos de Salvador e ficou no mesmo hotel do ídolo. No final, guardou como souvenires fotos com Sinatra e uma história de gentilezas recíprocas. Ela e mais dois acompanhantes (Joca Góes e Rogério Carvalho Jr.) deram sorte. "Na véspera do show que iríamos assistir, fomos jantar no restaurante Le Pré Catelan, que era o restaurante VIP do momento". Lá, encontraram algumas personalidades, entre elas Paulo Marinho, empresário carioca de quem eram amigos. Marinho lhes soprou que Sinatra estava a caminho, viria jantar ali mesmo após o show de estreia.

"Joca sugeriu que esticássemos o jantar até a chegada de Frank Sinatra para ver se conseguiríamos nos aproximar e trocar algumas impressões com ele, e tranquilizá-lo em relação à sua apresentação no Maracanã". Sinatra chegou com Barbara Marx, a mulher, e Bob, seu afilhado. "Não me lembro bem, mas acho que o Marinho contou a Frank Sinatra a nossa história. Disse que éramos jovens vindos da Bahia para assistir ao seu show, e ele nos convidou para cumprimentá-lo. Ele contou que sabia pelos jornais que havia uma queixa em relação aos preços do seu show, e perguntou se não era caro para nós. Nós lhe falamos da nossa admiração pela sua música e pela sua trajetória de vida. E lhe dissemos que para nós o que importava é que estávamos realizando um sonho".

Não houve outro tema no Rio naqueles dias. A bajulação em torno da presença de Sinatra, "The Voice", no Brasil, inspirou até o poeta Carlos Drummod de Andrade a escrever uma crônica sobre um sujeito que não suporta mais ouvir sobre o norte-americano e quer comprar por 20 mil cruzeiros a sua não-entrada para o show.

No palco do Maracanã

No show, Sinatra cantou "Corcovado", de Tom Jobim, ao lado do Cristo Redentor (Tom Jobim, seu amigo desde os anos 1960, não foi; consta que alguns empresários queriam que ele aparecesse de graça "porque seria bom para sua carreira" e Jobim, ofendido, sumiu do Rio). Segundo Renzo Mora, Sinatra, então com 65 anos, provavelmente imaginava já ter visto de tudo na vida, mas o Maracanã mostrou que ele estava errado. Foi possivelmente uma das maiores e melhores surpresas de sua carreira, avalia o roteirista. "Quer dizer, ele casou com a Ava Gardner, então não deve ter sido o maior momento de sua vida pessoal. Mas da profissional, eu acredito que sim", brinca o escritor.

Um ano depois, Sinatra voltou ao Brasil e se apresentou em São Paulo. Hospedou-se no Maksoud Plaza, a convite do então proprietário, Henry Maksoud. Contam que a ideia do empresário era que Elis Regina abrisse o show do norte-americano. Elis topou, mas o pessoal de Sinatra não. E escalou na abertura a orquestra de Don Costa. Ficou célebre a troca de animosidades entre Sinatra e Maksoud naquela passagem. Após o empresário ter oferecido seu avião para as viagens do cantor pelo país, Sinatra retrucou: "só se for sem o dono".

Encontro de Medina com Sinatra é recontado em filme

UOL Entretenimento