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Com Coca-Cola e salto, Bibi faz 75 anos de carreira: "Estou começando agora"

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

06/01/2016 07h00

Minutos antes de uma passagem de som em São Paulo, Bibi Ferreira sorri e segura com as duas mãos o maior vício da vida, a quem chama de “meu grande companheiro”: um copo de Coca-Cola.

“Calhou de eu nunca fumar, nem beber. Minha irmã, poucos anos mais moça do que eu, começou a fumar aos 15 anos e continua fumando que nem uma doida, está doentíssima. Não consegue largar. Pra quê passar por essa agonia?”, se indigna.

Os lábios pintados de vermelho, o humor levemente ácido e os sapatos de salto alto também não lhe podem faltar. “Sempre fui baixinha. Tem que ser de plataforma”, ela ri.

É cercada de rituais antigos que Bibi se prepara para comemorar 75 anos de carreira em 2016.

Ela segue pelo Brasil com as apresentações de "Bibi Ferreira Canta Repertório Sinatra", em homenagem ao centenário de Frank Sinatra, e estreia em março, em duas únicas apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro, o espetáculo “Quatro Vezes Bibi”, onde repassa grandes momentos de uma trajetória que se iniciou em 1941, na peça “La Locandiera”, no antigo Teatro Serrador, no Rio de Janeiro.

É neste mesmo local que Bibi fará a primeira apresentação do ano, nesta quinta-feira (7), na reabertura do espaço, em uma apresentação apenas para convidados. O encontro com seu passado revela que Bibi ainda é aquela mesma garota com medo de subir no palco. 

“Eu não sou nem cantora, gente. Sou uma atriz que canta. A gente sempre sente receio de entrar no palco, seja ele qual palco for, onde for, com quem for. Precisa se sentir muito amparado com o maestro”. E confidencia: “Vou te contar um segredo: não é a orquestra que acompanha você, é você que acompanha a orquestra. É outra jogada”.

Mas não é clichê dizer que a atriz de 93 anos nasceu brilhando. Sua estreia, de fato, aconteceu com apenas 20 dias de vida na peça “Manhãs de Sol”, substituindo uma boneca que desaparecera horas antes do espetáculo.

O tempo, desde então, sempre correu em outro ritmo para Bibi, a ponto de ela guardar uma certeza (que nem mesmo o diagnóstico de infarto, no início do ano passado, lhe tirou): “Estou muito contente com a minha carreira, acho que ela está começando agora”.

Prova disso é o desejo em fazer um espetáculo dedicado ao compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008) e as malas prontas para se apresentar em Lisboa este ano, além de voltar a Nova York, lugar em que pisou pela primeira vez há quatro anos – sem deixar de causar certo frisson.

Não bastasse a emoção em cantar na Broadway pela primeira vez, Bibi foi comparada com Ella Fitzgerald pelo jornal “New York Post” e ganhou um dueto com Liza Minelli, filha de Judy Garland. Emocionada, a cantora e atriz de “Cabaret” se debruçou em lágrimas: “Me lembrei tanto da minha mãe”, disse a Bibi.

Durante a turnê com o repertório de Sinatra, Bibi também surpreendeu pelo vigor de suas interpretações para standards como “Fly me to the Moon”, “New York, New York” e “I Got You Under my Skin”. “A voz eu acho que está melhor do que nunca”, ela avalia. “Mas popularmente, a gente nunca sabe. De repente, o cantor tem o ápice, vai aos céus e de repente, o público acaba, sem mais nem aquela”.

“Sou samba-canção”

Filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina espanhola Aída Izquierdo, Bibi passou pelo colo de Carmem Miranda, tomou dicas de canto com Noel Rosa e estudou teatro em Londres em 1942, mas diferente das críticas e análises, não acredita que a cultura do Brasil esteja cada vez mais pobre com os modismos musicais.

“Eu acho que está sempre em progresso. Eu sinto o progresso, principalmente nos jovens, o interesse deles é maior. Se hoje você vai ao teatro, você não vê só cabecinhas brancas, como você via há pouco tempo. Você vê muito jovem, muito rapaz bonito, muita moça linda, nos teatros musicais ou não.”

Neste ano, Bibi também vai ganhar a primeira biografia, escrita pela sua ex-produtora e assessora Deolinda -- embora tivesse quem apostasse que a atriz não autorizaria o lançamento. “Vou esconder o quê?”, ela rebate. “Antes eu tivesse uma vida maravilhosa, escandalosa, cheia de surpresas agradáveis e desagradáveis”.

Ao contrário de seus ídolos passionais, como Sinatra, Amália Rodrigues, Carlos Gardel e Edith Piaf, Bibi avisa que sua vida tem outra cadência. “Sou muito contida. Não sou de escândalos amorosos, apaixonados, chorar, fazer escândalo. Ao contrário. Assim seria operística. Sou samba-canção”.