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"Roots": dez curiosidades do disco brasileiro que mudou o metal mundial

Igor Cavaleira, Andreas Kisser,  Paulo Jr. e Max Cavalera durante turnê em 1996 - Divulgação
Igor Cavaleira, Andreas Kisser, Paulo Jr. e Max Cavalera durante turnê em 1996 Imagem: Divulgação

Maurício Dehò e Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

20/02/2016 06h00

Há 20 anos, completados neste sábado (20), o Sepultura entregava sua maior ousadia em uma década de carreira: um disco ultrapesado, de 72 minutos de duração, com guitarras afinadas tons abaixo e, para a surpresa geral, trazendo uma música feita em parceria com índios do interior do Mato Grosso.

Produzido por Ross Robinson, artífice da sonoridade moderna do Korn, o álbum “Roots” apresentou ao mundo não apenas uma nova leitura do estilo da banda, já a milhas do death/thrash de seus primeiros anos, mas do próprio heavy metal.

Para a tortura dos puristas, a banda mineira passou a cadenciar ainda mais sua sonoridade, jogando pela janela qualquer resquício do virtuosismo. Em estúdio e ao vivo, instrumentos como berimbau, tambores africanos e até o indiano sitar foram usados em levadas mais experimentais, quase tribais, que abarcavam parcerias com um DJ e até com o baiano Carlinhos Brown.

Como reza o clichê (aqui poucas vezes tão verdadeiro), o gênero nunca mais foi o mesmo depois de "Roots". Sob aplausos da crítica e do público em geral, as inovações ajudaram a tirar o metal extremo do gueto, pavimentando o caminho do nu metal percorrido por Limp Bizkit, Slipknot e pelo próprio Soulfly, banda que o vocalista Max Cavalera formou após deixar o Sepultura.

Com depoimentos de Max Cavalera, Adreas Kisser e Carlinhos Brown, o UOL Música separou neste aniversário dez curiosidades sobre o álbum brasileiro que mudou o curso do metal mundial. Entre elas, o fato de o disco ser influenciado por um filme dirigido pelo cineasta Hector Babenco e que "Ratamahatta", na verdade, foi inspirada nos ratos de rua que povoam Nova York.

Cena do filme "Brincando nos Campos do Senhor", dirigido por Hector Babenco - Reprodução - Reprodução
Daryl Hannah (esq.) em cena de "Brincando nos Campos do Senhor", de Hector Babenco
Imagem: Reprodução
Inspirado em Hector Babenco

O desejo do Sepultura de falar sobre suas raízes já existia, como já apontava a música "Kaiowas", de “Chaos AD” (1993), mas, segundo Max Cavalera, virou uma missão por influência de um filme. “Um dia eu estava bebendo vinho em casa e fiquei meio chapado, mas não muito, me sentindo bem pra caramba. Assisti a um filme underground chamado “Brincando nos Campos do Senhor”.

Dirigido por Hector Babenco, com John Lithgow e Daryl Hannah no elenco, o longa conta a história de mercenários presos na Amazônia e se passa em diversos momentos numa aldeia. “A parte do filme em que Tom Berenger se lança de paraquedas na aldeia me deu a ideia para ‘Roots’. Pensei: 'vamos lá gravar um disco com a tribo. Seremos a primeira banda a fazer isso'." Além disso, os integrantes Sepultura já vinham ouvindo muita música brasileira, como Chico Science e até Raimundos, e usaram essas novas influências para investir em padrões de bateria e percussão mais “tribais”, que deram direcionamento ao álbum.

“Suicídio comercial”

Ao ouvir as primeiras demos de “Roots”, com “Roots Bloody Roots” e “Dusted”, o então chefe da gravadora Roadrunner soltou a pérola: “Eu acho que vocês estão cometendo suicídio comercial”. Errou a mosca. “Eles passaram por uma mudança de estilo absurda. Eu fiquei chocado e preocupado. Achei que o som era completamente anticomercial. Depois de ouvir melhor, obviamente, acabei captando a ideia e dei todo o meu apoio.”

Nov.1995 - Integrantes da banda Sepultura na aldeia dos índios xavante, no Mato Grosso - Arquivo Folha - Arquivo Folha
Integrantes da banda Sepultura na aldeia dos índios xavante, no Mato Grosso
Imagem: Arquivo Folha
Gravando com índios

A princípio, o Sepultura queria gravar com os índios caiapós. Mas, não havia como. “Eles são muito violentos: odiavam os brancos.” A banda já trabalhava com Angela Pappiani, que faz projetos com povos indígenas, e ouviu músicas dos xavantes em um festival que apresentou músicas deles em Nova York. Angela contatou o líder de uma tribo de Mato Grosso, Cipassé, e a banda embarcou para os arredores de Camarana para passar três dias com os índios. Lá, fizeram o arranjo e gravaram a música “Itsári”, um tradicional cântico de cura da comunidade.

Êxito de vendas

O álbum chegou à 27ª colocação nas paradas da “Billboard”, algo notável para uma banda de metal extremo, e ao 4º lugar na Inglaterra. Ganhou discos de ouro nos Estados Unidos (passando da marca de meio milhão de discos vendidos), Austrália, Canadá, França, Áustria, Holanda e Reino Unido. Estima-se que o álbum tenha ultrapassado 2 milhões de cópias comercializadas no mundo –o maior sucesso comercial do Sepultura.

Parte de trás da antiga nota de 10.000 cruzeiros, usada na capa de "Roots" - Reprodução - Reprodução
Parte de trás da antiga nota de 10.000 cruzeiros, usada na capa de "Roots"
Imagem: Reprodução
Nota de mil cruzeiros na capa

Max Cavalera: “O design da capa saiu da fotocópia que fiz de uma nota de dez reais [na verdade, é a nota de mil cruzeiros]. Tinha uma roda com motivos tribais nela, que acabou estampada no próprio CD. O rosto do índio na capa também foi tirado da nota. É uma imagem de domínio público, qualquer um pode usá-la. Depois, a enviamos para Michael Whelan, que trabalhou sobre ela. Não precisou fazer muito. Ainda tenho a nota com a imagem original”.

Nova sonoridade

Desde o “Chaos AD”, o Sepultura se distanciou do death metal mais puro. Passou a soar um pouco mais thrash, mas mantendo uma identidade particular. Os riffs velozes deram vez a passagens ainda mais pesadas, por vezes cadenciadas, que se tornaram memoráveis pelo groove, e não pela técnica. Como se ouve na abertura “Roots Bloody Roots”, de riff hipnótico, “Roots” foi além. Igor Cavalera, no auge da forma, acrescentou batidas “tribais” ao trabalho e deu um tempero especial às composições. E, além disso, o som sujo e a afinação baixa redefiniram o padrão do metal, pavimentando o caminho do nu metal. A culpa, em parte, é do Korn, que lançou a moda em seu primeiro disco, de 1994, e “emprestou” seu produtor, Ross Robinson, que assina os dois discos.
 
Max Cavalera: "Acho um disco superlegal. Um trabalho bem feito, original. Uma das coisas legais é que fizemos o disco sem ter medo do que ia acontecer e sempre tentamos ser diferentes. Então, se olhar o trabalho do “Arise” para o “Chaos AD”, e deste para o “Roots”, são todos bem diferentes. O “Roots” é meio primitivo na parte musical. “Roots Bloody Roots” é quase um riff só. Essas coisas deixaram nossa música mais pesada. Surpreendemos muita gente. Houve um choque quando o disco saiu, mas o resultado final valeu a pena. Abriu muitas portas”.

Mike Patton, do Faith no More, Carlinhos Brown e Jonathan Davis, do Korn - Reprodução/Divulgação/Montagem - Reprodução/Divulgação/Montagem
Mike Patton, Carlinhos Brown e Jonathan Davis, alguns dos convidados de "Roots"
Imagem: Reprodução/Divulgação/Montagem
Convidados

As participações especiais mais exaltadas em “Roots” são as de Carlinhos Brown, entrando não só na percussão, mas na criação de sons como “Ratamahatta”, e dos índios xavantes, criadores de “Itsári”. Mas eles não foram os únicos. Duas estrelas da cena rock/metal mostraram como foram de influenciados a influências. A faixa “Lookaway” conta com Jonathan Davis, do Korn, banda que ajudou na concepção do som de “Roots”, e Mike Patton, do Faith No More. A música é uma das mais experimentais e barulhentas do álbum e traz ainda o DJ Lethal nos scratches. Outro convidado foi David Silveria, que ajudou na percussão de “Ratamahatta”.

Influência do enteado de Max

O Sepultura teve não só criatividade, mas perspicácia de observar uma cena que já vinha surgindo ao redor do Korn. O detalhe é que quem apresentou a banda a Max foi seu enteado, Dana, morto pouco depois do lançamento de “Roots”. “Ele adorava descobrir novos tipos de som. Foi ele a primeira pessoa a me dar uma cópia demo dos Deftones. Era completamente novo. Nunca tinha ouvido aquilo. Também me deu a demo do Korn. Perguntei: ‘Que tipo de nome é esse?’, mas a música era fantástica e inovadora.”
 
“As bandas da época estavam começando a fazer um som assim. Clutch, Deftones, Biohazard, Korn, e a gente se amarrou nelas. Ficamos muito amigos deles. E a parte da percussão já estava bastante com a gente. Ouvíamos muito Chico Science. Fazíamos nos shows um trecho da ‘Monologo Ao Pé do Ouvido’, e sem saber um do outro, ele também tocava um pouco de “Territory” nos shows dele. Estávamos bem ligados na música brasileira. Fizemos uma turnê com os Raimundos. Eestávamos ouvindo muita percussão e levamos a ideia mais pra frente”.

A banda americana Llimp Bizkit; geração nu metal teve forte influência de "Roots"  - Reprodução - Reprodução
A banda americana Llimp Bizkit; geração nu metal teve forte influência de "Roots"
Imagem: Reprodução
Pedra fundamental do nu metal

Não se pode dizer que o Sepultura criou o nu metal (ou new metal), mas a influência de “Roots” para a explosão da cena mais moderna do gênero foi fundamental. O fato é que o álbum, além de não ser puramente nu metal, não é o primeiro disco a explorar os elementos deste estilo. O Korn lançou seu primeiro disco em 1994, autointitulado. A ênfase nas batidas, o som sujo e o groove já estavam lá, e é impossível ouvir a faixa de abertura, “Blind”, e não a comparar ao que se ouve em “Roots”. O nu metal explodiu, de fato, a partir de 1997, com nomes como Limp Bizkit, Deftones, Papa Roach, o terceiro disco do Korn e outros lançamentos, já como uma nova (e polêmica) cena, execrada pelas alas mais radicais dos “headbangers”
 
Andreas Kisser: “Sem dúvida, é bom ter essa importância. Bandas como Slipknot, Korn, Deftones, Limp Bizkit, todos nos citam como influência. E o Ross Robinson estava em todas as bandas, produzindo e dando uma cara para cada banda. Ele foi fundamental para essa sonoridade mais grave, mais cheia de groove. E nós tínhamos a influência brasileira. Então era algo totalmente novo, algo muito orgânico, vivo. Foi todo um processo ‘roots’ mesmo, de buscar raízes. É um orgulho ver a geração de bandas que ainda estão aí até hoje”.

Cena do clipe de "Ratamahatta", composta em parceria com Carlinhos Brown - Reprodução - Reprodução
Cena do clipe de "Ratamahatta", composta em parceria com Carlinhos Brown
Imagem: Reprodução
Origem de Ratamahatta

Um dos mistérios de "Roots" está em “Ratamahatta”. Composta com Carlinhos Brown, trazendo Mike Patton e Jonathan Davis nos backing vocals, a música é cheia de palavras soltas em português. Até Max diz que não sabe ao certo do que se trata. Ao UOL Carlinhos Brown explicou: "Eu tinha na cabeça esse título ‘Ratamahatta’ e precisava terminar. Max me ajudou. Quando estive em Manhattan, fiquei impressionado com os ratos deles. Parecem com os sariguês [gambás] daqui da Bahia. E sariguê aqui vai para a panela! Só que o pessoal dizia que os ratos de Manhattan não eram bons para comer, porque eram mais sujos. Por isso na letra há as palavras 'garagem', 'biboca' e 'favela'. O rato não está apenas nos grandes centros. Ele está por todos os lugares. Ele está na fubanga, maloca, bocada. Quem é o rato? É o chefe da reciclagem. Isso que quer dizer a música. Fala de um rato de Manhattan que percorre o mundo e se conecta com todos".

Os 20 anos do álbum "Roots", do Sepultura

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