Rapper narra histórias de mulheres ao violão e manda recado para o machismo
No próximo dia 8 de março, no Dia Internacional da Mulher, uma cantora vinda da periferia do ABC Paulista vai celebrar a data entre a batida do rap e a bossa-nova de seu violão. Enquanto o mundo se desdobra em homenagens, Yzalú narra as verdades inconvenientes de tantas mulheres em seu primeiro disco, “Minha Bossa é Treta”.
A música-título fala, nas entrelinhas, sobre a revista vexatória à qual mulheres são submetidas nas visitas aos presídios. "Pra agachar de vinte em vinte / Desipe [Departamento de Sistema Penal] que não tem limite / Se fosse num filme de tropa de elite / Mas é a caminha, fica na sapata minha fia", canta Yzalú, com voz firme. “É a história de muitas mulheres negras que estão no morro e não sabem que tem a parada do orgulho crespo na [Avenida] Paulista rolando, sabe?”, explica a cantora.
Foi com o som suave e letra forte que a cantora de São Bernardo do Campo abriu os caminhos, involuntariamente, para a onda de empoderamento que tomou a internet em 2012. “Mulheres Negras”, poema contundente sobre o racismo e o machismo, traduziu o sentimento de uma geração que se encontrava em processo de conscientização.
O vídeo com Yzalú ao violão se alastrou por muitos grupos de discussão. “Não existe lei Maria da Penha que nos proteja / Da violência de nos submeter aos cargos de limpeza”, diz a letra.
A música ainda hoje ressoa para além do rap. “Hoje você vê muito mais mulheres negras se assumindo enquanto negras, mais mulheres negras empoderadas. Antes você tinha uma mulher que apenas atendia aos padrões da sociedade. ‘Se eu tenho o cabelo crespo, vou alisar’, saca?”, analisa.
Para a capa do primeiro trabalho, a ser lançado na data comemorativa, ela se inspirou em uma foto nua de Gal Costa, escondida atrás de um violão, em plena fase hippie dos anos 1970. O desbunde agora é a liberdade total da mulher. O instrumento também lhe serve como corpo, mas expõe, pela primeira vez, a prótese que carrega na perna direita.
Por dentro, uma canção inédita do rapper Sabotage [morto em 2003], musicada por ela, e o impulso em narrar os amores, dramas e o poder de cada mulher sintetizam o momento do rap. “Quem proliferar o machismo vai ficar para trás”, ela declara. “Já passamos do momento de preencher refrão e ficar atrás. Não dá pra ser como era nos anos 1990”.
O MIC é nosso
Yzalú é mais um exemplo de rappers mulheres que tem tomado o cenário sem pedir licença. Entre o pop (de Karol Conká) e o hip-hop (de Tássia Reis), a cantora segue outra direção, para uma nova MPB – a Música Periférica Brasileira --, cujo os representantes não-declarados são Criolo, Rael e Liniker. “Em poucos anos, essa cena vai ser muito grande”, aposta.
A mistura surgiu quando ainda criança sonhava em ter um violão. “Tinha 15 anos e vendia batom e perfume do Paraguai no meu bairro. Sempre tive lábia, né? Chegava nos bares: ‘Pô, compra para sua mulher aí’. Meu sonho era apenas tocar ‘Um Homem na Estrada’ [de Racionais MC’s] no violão”.
Aprendeu a tocar sozinha, ouvindo João Gilberto e Jorge Ben. Tentou a vida boêmia de cantora de barzinhos, mas não resisitiu por muito tempo. “É muito difícil ser mulher e preta, e ainda mais fazer música. Chegou um momento que me pagavam R$ 15 e ainda descontavam a água”, ela ri.
Foi com as releituras acústicas de clássicos de Racionais MC’s, Sabotage e Facção Central que começou a ser conhecida no YouTube. O beat que fazia no violão de cordas instigou o DJ Bola 8 (ex-Realidade Cruel), que a convidou para um show de gangsta rap. No palco, ficou receosa. “Se não rolar aqui, não rola em nenhum outro lugar”, disse pra si. Contrariando as previsões, rolou.
Conheceu seus ídolos e, com o rapper Eduardo (ex-Facção Central), compôs “Mulheres Negras”. A exemplo de tantas ouvintes, a música também lhe trouxe revelações. A prótese na perna direita, que muitos não sabiam que existia, aparece na capa pela primeira vez. “Sempre senti que os olhares das pessoas nem sempre correspondiam ao que eu era”, explica. “Eu sempre soube que falaria sobre isso na minha música. Em algum momento eu ia querer subir no palco e ser quem eu sou”.
Ela não disfarça o orgulho ao observar o levante de mulheres que têm engrossado as vozes. “A gente cresceu ouvindo muito o que era correto e o que era errado da mina fazer. Só que hoje a gente está em outro processo. A mina é o que ela quiser ser. Se ela quiser descer até o chão, é o lance dela. E ai se alguém falar alguma. Vai mexer com ela para você ver”, observa. “A gente não tinha voz, mas agora somos protagonistas. Temos o mic na mão”.
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