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O microfone também é delas: Drags e trans encabeçam onda colorida no pop

MC Xuxu Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

28/03/2016 17h32

Cabelo esvoaçante, batom rosa e pernas de fora. Quem vê Gloria Groove sequer imagina que ela integrou a nova formação do Balão Mágico em 2001 e foi calouro no programa Raul Gil com o nome de Daniel Garcia. “Guardo a mesma cara daquela época. Só estou maior, mais comprido e agora sou uma mulher linda”, se diverte a cantora de 21 anos.

Ela encabeça uma onda colorida e cintilante no pop brasileiro. São drag queens e transexuais que deram os primeiros passos para fora das pistas LGBT com um som autoral, proposta dançante e discurso politizado.

Desde que soltou o clipe de seu primeiro single, “Dona”, com irresistível batida de hip-hop, Gloria viu a agenda de shows triplicar e seu som chegar aos ouvidos de quem gosta de Anitta. “Quando descobrem que é um cara vestido de mulher, eles ficam sem graça”, observa.

O embaraço é maior quando alguém avisa que ela também dublou Justin Bieber no último documentário do cantor, “Believe” (2011), e foi ator mirim na novela da Record “Bicho do Mato” (2006). Mas é apenas agora que Daniel se sente um artista.

“A Gloria é tudo o que eu pensei em ser quando criança e achava que nunca seria possível. É tudo que eu idealizei. Acontece repressão quando criança, quando se é afeminado. Existe um movimento de se negar a aceitar isso. Agora é uma coisa me move.”

Figura essencial na cultura gay, as drag queens estiveram por muito tempo restritas às performances de dublagem (o famoso lip sync) e à arte de gongar (gíria gay para quando se zomba alguém). Um leque colorido de talentos, no entanto, se abriu com o programa “Ru Paul’s Drag Race” (exibido no Brasil pelo canal Multishow).

Capitaneado por Ru Paul, a drag mais famosa dos Estados Unidos, a disputa popularizou artistas de diferentes personalidades que se apresentam no Brasil com frequência. Principalmente as que sabem cantar.

Fernanda Lima (centro) posa com as drag queens Gloria Groove (de macacão colorido), Aretuza Lovi (com dreadlocks), Sarah Mitch (com colares prata) e Pablo Vittar (de rosa) Imagem: Reprodução/Instagram/gloriagroove
De olho nessa versatilidade, o programa “Amor & Sexo”, comandado por Fernanda Lima na TV Globo, agora conta com participações esporádicas não apenas de Gloria, como a brasiliense Aretuza Lovi, a cuiabana Sarah Mitch e a maranhense Pabllo Vittar. Todas com clipes e músicas no YouTube.

Com nome unissex, mas o appeal completamente feminino, Pabllo deu outra cara para “Lean On”, lançado por Major Lazor. De voz aguda e aveludada, ela jogou um tempero abrasileirado e relançou o maior hit de 2015 com o nome de “Open Bar”. Ganhou elogios do produtor Diplo: “Clássico!”, resumiu o americano.

Aos 21 anos, ela prepara o primeiro álbum, com produção de DJ Gorky, do Bonde do Rolê e produtor da Banda Uó (cuja carismática vocalista Mel é transsexual). “Vai ser um trabalho mais autoral, em cima das harmonias. Estou até compondo”, conta, enquanto vê o clipe da canção ultrapassar 1 milhão de visualizações. “Acho que a diversidade cultural está com força total, e deve trazer -- porque não? -- esse trabalho para o meio da sociedade”, acredita.

Entre o funk e a militância

A TV pode facilitar, mas essas novas divas têm abusado do YouTube e das plataformas de streaming para se lançar. Um fenômeno parecido com o funk, que também não gozava do mesmo espaço na convencional indústria musical. Não à toa, muitas delas têm se voltado para o ritmo.

Aos 24 anos, Lia Clark escolheu a cidade onde nasceu, Santos, no litoral paulista, para rebolar como uma legítima funkeira no clipe de “Trava Trava”. A música tocou bem no carnaval e é hit nas baladas gay friendly. “Onde mais eu passaria esse clipe se não fosse no YouTube?”, questiona.


"Quando eu cantei no [programa] ‘Esquenta’, tive a impressão que seria o único lugar que eu poderia me apresentar, sabe? Para mim, a igualdade só virá quando eu ver travesti no Luciano Huck e no Faustão

 

 

MC Xuxu também reconheceu o funk carioca como o veículo mais eficiente para passar sua mensagem, justamente no momento mais pesado de sua vida. “Depois que eu assumi minha orientação sexual, tive que sair de casa e conheci a prostituição no Rio de Janeiro”, ela conta.


O dinheiro que ganhava no Rio era mirrado, e já chegava separado entre as despesas com a mãe e as gravações caseiras que fazia.

Com um desses vídeos, “Pantera Cor-de-rosa”, concorreu ao extinto VMB em 2009 na categoria webclipe. É dessa época também que ela escreveu “Desabafo”, com críticas aos homofóbicos. “Aprendi que a gente precisa cantar por algum motivo. Escolhi a militância”, salienta.

Aos 27 anos, ela celebra a onda queer no pop, mas reclama que a igualdade vai demorar para dar as caras. “Quando eu cantei no [programa] ‘Esquenta’, tive a impressão que seria o único lugar que eu poderia me apresentar, sabe? Para mim, a igualdade só virá quando eu ver travesti no Luciano Huck e no Faustão.”

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