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Doc resgata geração do rock nacional que se "recusou" a fazer sucesso

Lona montada para o festival Juntatribo, que aconteceu em 1993 e 1994 em Campinas - Adriano Moralis - Adriano Moralis
Lona montada para o festival Juntatribo, que aconteceu em 1993 e 1994 em Campinas
Imagem: Adriano Moralis

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

03/04/2016 06h00

Entre a explosão do rock dos anos 1980 e a aparição de bandas como Raimundos e Charlie Brown Jr, houve uma “geração perdida” na música jovem brasileira. Ela era feita por moleques de 20 e poucos anos que amavam guitarras distorcidas, só cantavam em inglês e que jamais foram capazes de trocar sua autenticidade por um contrato de gravadora.

Tamanho apego à causa teve suas óbvias consequências. Influenciados pelo grunge e pelo rock alternativo inglês, grupos de várias cidades do Brasil, como Pin Ups, Killing Chainsaw, Mickey Junkies, Second Come e Okotô, nunca conseguiram chegar às massas e fazer grande sucesso. Não que isso tenha feito grande diferença para eles.

Essa história de toques niilistas será contada no documentário “Time Will Burn” título do primeiro álbum dos Pin Ups, dirigido pelos produtores Marko Panayotis e Otavio Sousa. Em produção há quatro anos, o filme traz cenas raras de arquivo e entrevistas com músicos e jornalistas. Já está montado, restando apenas retoques na fotografia e áudio. A ideia é lançá-lo no segundo semestre deste ano em festivais como o In-Edit.

O orçamento da empreitada: R$ 10 mil, tão modesto e independente quanto as bandas mostradas no filme. “A cena teve grupos muito bons e que, de certa forma, não tiveram reconhecimento merecido”, diz ao UOL Panayotis, ex-diretor dos programas “Jornal da MTV” e “Yo! MTV”, que, produziu o filme com um projeto paralelo, em fins de semana e madrugadas.

“Muitos músicos não sabiam onde tinham as coisas guardadas. Muita coisa em VHS teve que ser digitalizada. O Killing Chainsaw tinha fitas em formato que não se usa há mais de 20 anos. Tivemos que achar um lugar em SP onde se converter esse material.”

A banda paulista Pin Ups, expoente da "geração perdida" do rock nacional - Reprodução - Reprodução
A banda paulista Pin Ups, expoente da "geração perdida" do rock nacional
Imagem: Reprodução

Pioneiros do indie

Entre o fim da década de 1980 e início da de 1990, tempos em que os fanzines tinham força de rede social, a primeira grande geração do rock independente brasileiro se notabilizou por lançar discos sem a estrutura e o dinheiro de uma gravadora. Algo raro para a época. Esse cenário começou a mudar aos poucos, com o relativo sucesso dos Pin Ups. Com letras niilistas e apresentações cheias de barulhos e microfonias, geralmente nos antigos Espaço Retrô e Aeroanta, em São Paulo, a banda provou que havia vida fora do circuito tradicional.

“Quando as gravadoras perceberam que o rock precisava se renovar, elas passaram a olhar e ir atrás desses grupos. Mas elas chegavam falando: ‘pô, a gente gosta do som, mas por que vocês não abaixam o volume dessa guitarra e começam a cantar em português?’. Era a praxe. Mas a diferença dessa geração é que ninguém ali aceitava isso”, diz Otavio Sousa, também ex-MTV.

No caso dos Pin Ups, essa postura anárquia e anticomercial impediu, por exemplo, que a banda abrisse shows dos Titãs na turnê do álbum ‘Titanomaquia’ (1993). A chance de estourar nacionalmente. "Eles chegaram a ter proposta para assinar com gravadora grande, mas não deu certo porque a banda não abria mão de cantar em inglês e ser do jeito que eles eram. Eles odiavam Legião Urbana, Paralamas. Era como se dessem um f*-se para o que era chamado de ‘mainstream’. Claro, todos pagaram caro por isso.”

Festival Juntatribo

Entre as histórias mais saborosas (e folclóricas) de "Time Will Burn" estão várias do festival Juntatribo, realizado em 1993 e 1994, no apogeu da cena. Uma delas conta sobre um incêndio que teve início na parte posterior do palco, montado precariamente sob uma lona de circo no campus da Unicamp, em Campinas. Sem água nem extintor por perto, as chamas precisaram ser apagadas improvisadamente por músicos e jornalistas que estavam no local... fazendo xixi.

“As bandas vieram tocar de graça no festival. Não houve cobrança de ingresso. Então, tem passagens em que a gente fala sobre o lugar em que elas se hospedaram. Era uma pousada que não tinha colchão, só camas com uma palha para dormir em cima. Não havia quarto para todo mundo, e tinha uma piscina turva e imunda lá. Um dos caras de uma banda pulou e começou a nadar nela. São histórias muito pitorescas.”

Segundo os diretores, todo esse espírito de 'porralouquice' e certa aura cult serviu também para deixar um importante legado às futuras encarnações indies. "Não havia concessões. Essas bandas, até por tentativa e erro, abriram portas para o que veio depois: todo um mercado de bandas independentes, lançando na internet ou por conta própria. Eles foram os primeiros a desbravar tudo isso no Brasil”, entende Panayotis.