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Droga, jabá e maracutaia: ex-executivos dizem o que é real na série "Vinyl"

Bobby Cannavalle, que vive o executivo de gravadora Richie Finestra na série "Vinyl" - Niko Tavernise/HBO
Bobby Cannavalle, que vive o executivo de gravadora Richie Finestra na série "Vinyl" Imagem: Niko Tavernise/HBO

Leonardo Rordrigues

Do UOL, em São Paulo

25/04/2016 06h00

Os bastidores da American Century Records, a gravadora da série “Vinyl”, cuja primeira temporada acaba de chegar ao fim, são tão loucos e intensos que fariam inveja até ao cocriador da história Mick Jagger. Capitaneado pelo executivo mau-caráter dos anos 1970 Richie Finestra, o seriado do canal HBO mostra que trabalhar em uma gravadora era conviver o tempo todo com um nefasto submundo de maracutaias e atos ilícitos.

Apenas alguns exemplos: para maquiar as contas, os sócios da Century Records fazem manobras contábeis, chegando a jogar no mar discos que encalham nas lojas. Jabá? Não só é institucionalizado como feito da maneira mais "ostensiva" possível, por meio de doses de cocaína. As drogas rolavam forte dentro da empresa. E isso sem falar de outras contravenções, legais ou morais, que incluem despedir sem motivo aparente o guitarrista de uma nova banda e até se envolver com a máfia em um caso de assassinato.

Para atestar se tudo isso era real e se acontecia no Brasil, o UOL conversou com executivos e produtores de gravadoras brasileiras dos anos 1980 e 1990, auge da indústria brasileira, décadas que provavelmente corresponderiam aos anos 1970 de "Vinyl".

Segundo os entrevistados, existem diferenças claras nas condutas, como fazer o artista contratado arcar com os custos de produção do disco, expediente comum dos Estados Unidos mas dificilmente aplicado por aqui. Mas há também semelhanças. Tanto cá como lá, "drogas e putas" eram parte do cotidiano de músicos, empresários e artistas, principalmente na década de 1980.

Veja abaixo algumas histórias de “Vinyl” e como (ou se) elas de fato aconteciam no Brasil.

1. Moldar o artista para ele ser palatável às rádios e ao público

Wilson Souto, ex-diretor da Warner - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Wilson Souto, ex-diretor da Warner
Imagem: Reprodução/Facebook

Acontecia. Mas era mais comum em gravadoras grandes e/ou multinacionais.

“A multinacional agia forte para que o artista correspondesse culturalmente à estética que eles queriam. Nos anos 1980, era algo meio carioca, que era onde o mercado estava. Em caso de artistas pop, como o Barão Vermelho, a gravadora lançava um expediente de pagar uma grana para o cara fazer o acompanhamento artístico da banda, o chamado ‘tour support’. Isso muitas vezes significava interferência direta no 'produto’ deles. Era o nicho que eles chamavam de ‘mercado de prestígio’, onde havia a MPB e depois entrou o rock”, diz Wilson Souto, ex-diretor artístico da Continental e da Warner no Brasil.

2. Jabá com cocaína e/ou produtos “alternativos”

1.out.2014- Nelson Motta prestiigia lançamento de filme sobre Joãozinho Trinta no Rio - Felipe Assumpção/AgNews - Felipe Assumpção/AgNews
Nelson Motta, ex-Warner e Polygram
Imagem: Felipe Assumpção/AgNews

Acontecia. Mas, no caso das drogas, só começou a rolar forte com o fim da ditadura, em 1985.

“Desde que eu entrei no disco, lá por 1968, eu ouço falar em jabá. Quando trabalhei em gravadora, vi muito bem como tudo isso funcionava na prática. Muitas coisas eram feitas em dinheiro mesmo. Outras eram fechadas por meio de eletrodomésticos, para o cara, por exemplo, sortear no programa dele de rádio. Outro caso era o de viagens de fim de semana para não sei onde. Havia putas, claro. A partir dos anos 1990, também começou a entrar cocaína na jogada. Putas e cocaína são um clássico”, afirma Nelson Motta, ex-diretor artístico da Warner e produtor da Polygram.

3. Gravadora convencendo artista a arcar com custo de produção do disco

Carlos Eduardo Miranda, da Banguela Records - Cláudio Augusto/Foto Rio News - Cláudio Augusto/Foto Rio News
Carlos Eduardo Miranda, da Banguela Records
Imagem: Cláudio Augusto/Foto Rio News

Não acontecia. É uma prática mais comum nos Estados Unidos

“Isso nunca foi aplicado no Brasil do jeito que mostra na série. Sempre aconteceu o contrário: a gravadora bancava tudo. Os caras botavam artista em hotel cinco estrelas, com todo o luxo. Mas, no fim das contas, isso onerava o disco e comprometia os artistas. Eu morava com o Skowa [cantor dos anos 1980], que estava na EMI, e tinha muitos amigos em gravadoras grandes. Eles gastavam R$ 400 mil para fazer um disco. Depois, o cara vendia só 30 mil cópias e era tratado como um fracasso. Paravam de investir”, lembra Carlos Eduardo Miranda, criador do selo Banguela Records, que lançou Raimundos e Mundo Livre S/A.

4. Fraudes na contabilidade, com a gravadora jogando fora discos encalhados nas lojas

Provavelmente acontecia, e era consequência de mau planejamento no lançamento do álbum.

“Nas grandes gravadoras, havia uma prática de botar muito disco nas lojas, em consignação, para mostrar para matriz de fora que havia vendido tudo no fim do ano. Eles recolhiam os discos que encalhavam e os mandavam para uns galpões, onde vendiam tudo mais barato. Sempre tentei evitar que meus discos caíssem nesse exagero de forçar venda. Para que o artista novo não fosse desvalorizado, indo parar numa liquidação e virando um renegado. Essa questão da distribuição equivocada foi um dos motivos pelos quais me afastei das gravadoras grandes”, diz Miranda.

5. Reuniões na gravadora com artistas regadas a álcool e drogas.

Zeca Fernandes, ex-Sony - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Zeca Fernandes, ex-Sony
Imagem: Reprodução/Facebook

Acontecia. Mas não com todas as bandas e menos a partir dos anos 1990.

“Isso tem a ver com a época e o lugar onde a série é retratada, nos anos 1970 e nos Estados Unidos. Na década de 1990, quando vim trabalhar nesse ambiente, os artistas eram mais garotada, uma galera com cabeça diferente da dos anos 1970 e 1980. Eles gostavam, sim, de fumar e tomar cerveja. Não vou dizer que não havia drogas, isso seria uma hipocrisia. Mas isso não era comum nas reuniões e audições que eu participei. No máximo, tinha uma cerveja ou um cigarro normal, quando era permitido fumar em ambientes fechados", contemporiza Zeca Fernandes, ex-produtor da Sony Music.

6. Um(a) assistente dedicado(a) a fornecer drogas para o escritório.

Acontecia. Mas não era alguém fixo e geralmente vinha de fora da gravadora.

"Brasil não é Estados Unidos. Nos anos 1970, eles tinham uma política muito liberal. Era escancarado em Nova York e Los Angeles. 'Nevava' todo dia, e ninguém ligava muito para isso. Aqui havia muito mais repressão. Na ditadura, se você fosse pego com cocaína, era enquadrado na lei de segurança nacional. Claro que sempre havia os fornecedores. Um cara que ia lá na gravadora e fornecia para a diretoria, músicos e divulgadores. Mas eram figuras temporárias. Nunca soube de nada como é mostrado na série. Teria sido bem prático se tivesse uma garota ali com sua gaveta de drogas", diz Nelson Motta.