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Com 30 anos, álbuns do rock nacional permanecem atuais; músicos comentam

Capa dos discos do rock nacional lançados em 1986 que permanecem atuais - Reprodução UOL
Capa dos discos do rock nacional lançados em 1986 que permanecem atuais Imagem: Reprodução UOL

Guilherme Bryan

Colaboração para o UOL

30/05/2016 06h00

O que há em comum entre os álbuns "Selvagem?", dos Paralamas do Sucesso; "Cabeça Dinossauro", dos Titãs; "Dois", da Legião Urbana; "Rádio Pirata Ao Vivo", do RPM; e "Longe Demais das Capitais", dos Engenheiros do Hawaii?

Todos foram lançados há exatos 30 anos, em 1986, e permanecem atuais e influenciando artistas de diferentes gerações e dos mais variados estilos. Eles também indicavam novos caminhos para o rock brasileiro e mostravam que este estava muito vivo um ano após o primeiro Rock in Rio, o grande festival de música da década no Brasil.

"Este foi um ano que viu lançamentos importantes e estes se viabilizaram comercialmente graças ao Plano Cruzado", garante o jornalista Arthur Dapieve, autor do livro "BRock: O rock brasileiro dos anos 80". O tal plano foi um conjunto de medidas econômicas lançado em 28 de fevereiro pelo ministro da Fazenda Dílson Funaro, no governo do presidente José Sarney, que, nos primeiros meses, provocou uma intensa onda de consumismo no país.

Discos nacionais que foram lançados em 1986

Capa do disco "Cabeça Dinossauro" - Reprodução - Reprodução
Capa do disco "Cabeça Dinossauro", dos Titãs
Imagem: Reprodução
Produzido por Liminha, Pena Schmidt e Vitor Farias, com imagens de Leonardo da Vinci na capa, "Cabeça Dinossauro" foi o terceiro álbum dos Titãs, marcou um amadurecimento da banda em estúdio - pela primeira vez os rapazes garantiam que haviam encontrado ali o mesmo resultado visceral que obtinham nos palcos - e foi resultante da prisão, no final de 1985, de Arnaldo Antunes e Tony Bellotto por porte de heroína.

Com direito a canções hardcore, como "A face do destruidor", e poesia concretista, "O que", o disco representa um ataque a instituições como a família, o Estado e a polícia, entre outras. E, se num primeiro momento as canções encontraram restrições nas rádios e televisões, caso de "Bichos Escrotos", por conta de "vão se fuder", que chegou a ter seu som apagado, rapidamente o LP tornou-se um importante e emblemático marco do rock nacional.

Inúmeros garotos, que adoravam um som mais pesado do que o que os Titãs fizeram nos dois primeiros álbuns, se viram maravilhados com um disco que misturava vários estilos e tinha canções agressivas como "Polícia". Entre eles, estava o paulista de São Bernardo do Campo, Andreas Kisser, então com 18 anos e que em muito em breve se tornaria guitarrista da mais importante banda de metal do país, Sepultura, que regravou justamente essa música no álbum "Chaos AD", de 1993. No ano seguinte, Titãs e Sepultura dividiriam o palco do festival Hollywood Rock para tocarem a faixa ao vivo.
 
"Eu escutei o 'Cabeça' com um amigo. Na época, eu era bem radical. Só escutava heavy metal, mas quando o escutei, comecei a ouvir coisas boas e com atitude em outros estilos. Posso dizer, então, que esse disco me deixou menos radical e me fez respeitar outros estilos", comenta o guitarrista que tocou com os Titãs o álbum na íntegra num show em Santos (SP). "O 'Cabeça' é uma obra prima e até hoje quando escuto me dá uma sensação boa, nova. Ele ainda é muito atual. Não só nas letras, mas na sonoridade também", acrescenta. E agradece: "Muito obrigado Titãs e Liminha por este disco maravilhoso que mudou a minha vida com certeza e para melhor. Ele é essencial para qualquer amante da música. Longa vida ao 'Cabeça'".

Capa do disco "Selvagem?", dos Paralamas do Sucesso, lançado em 1986 - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "Selvagem?", dos Paralamas
Imagem: Divulgação
Também produzido por Liminha, "Selvagem?" é o terceiro álbum de estúdio da banda carioca/brasiliense Paralamas do Sucesso, que, um ano antes, havia se consagrado no Rock in Rio, o que resultou numa intensa excursão pelo país, divulgando o badalado disco "O Passo do Lui", que emplacou vários hits nas rádios, mas, de certo modo, não desassociou a imagem do power trio dos britânicos Police, banda liderada por Sting.

A grande exposição só terminou quando o baterista João Barone sofreu um acidente automobilístico, que lhe deixou a perna esquerda fraturada.

O vocalista Herbert Vianna e o baixista Bi Ribeiro instalaram-se, então, com uma bateria eletrônica e um gravador de quatro canais na casa da vovó Ondina (tema de uma canção do primeiro disco da banda). A partir da audição de um disco de reggae, Herbert recordou-se de um riff de baixo e compôs "Alagados", que, no início, lhe trouxe vergonha por considerar "samba demais", mas depois tornou-se um dos maiores sucessos da carreira dos Paralamas e que, junto com "A Novidade", parceria com Gilberto Gil, fez com que "Selvagem?" ultrapassasse a marca de um milhão de cópias vendidas.

Também tocaram muito a regravação de "Você", clássico do Tim Maia e que entrou na trilha sonora da novela "Roda de Fogo", e "Melô do Marinheiro", uma das duas canções compostas apenas por Bi Ribeiro e João Barone, e cantada pelo segundo.

Um dos jovens que rapidamente se sentiu estimulado pelo novo álbum dos Paralamas do Sucesso foi Pedro Luís, então integrante da banda punk Urge e que se tornaria conhecido já nos anos 2000, graças aos grupos Monobloco e Pedro Luís e a Parede, que, aliás, regravou a canção "Selvagem?".

"Já havíamos, eu e a Parede, experimentado ela ao vivo, em um show acústico que fizemos no saudoso Hipódromo UP, no Rio. Quando fomos gravar nosso DVD no Circo Voador e convidamos o Herbert, veio de imediato a ideia de resgatar a canção e, nesse caso, já com a diferença de estar colada em uma canção minha, 'Chuva de Bala', e vir também definida por uma grande sonoridade percussiva, diferente da versão original, em power trio", conta Pedro Luís.

"Acho que ali Herbert, Barone e Bi se aproximam de uma maneira curiosa e instigada de elementos mais reconhecidos pelo público em geral como 'brasileiros' e também firma parceria com o que se chama de MPB, aqui definida pela canção 'A Novidade', de Herbert e Gil, que já nasce um clássico. É um encontro brilhante e definitivo para a história fonográfica nacional", avalia. "Acho que as incursões por temas de cunho político também fazem a diferença e, quando se vive um impasse político, como o que estamos vendo agora, muitos desses temas se atualizam automaticamente", finaliza.

Capa do disco "Dois", da Legião Urbana, lançado em 1986 - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
A capa de "Selvagem?" foi criada por Ricardo Leite e mostra o irmão do baixista Bi Ribeiro, Pedro Ribeiro, em um acampamento numa área de cerrado na capital federal, Brasília, de onde vinha outro álbum importante daquele ano – "Dois", da Legião Urbana, produzido por Mayrton Bahia e com direção artística de Jorge Davidson.
O álbum começava simulando alguém "passeando" pelo dial de um rádio, que passasse pela música "Será", a primeira do disco anterior, e chegasse em "Daniel na Cova dos Leões", a primeira do novo. Era a abertura para o desfile de vários hits imediatos que alçaram a banda a uma das mais vendidas – chegou  a 800 mil cópias –, tocadas e amadas do país. Entre elas, "Eduardo e Mônica", "Tempo Perdido", "Música Urbana 2" (dos tempos de Aborto Elétrico), "Índios" e "Quase Sem Querer".
Esta última canção recebeu décadas depois uma regravação, só com voz e violão, da cantora Maria Gadú, feita especialmente para o filme "Desenrola" (2011), de Rosana Svartman, e que depois tornou-se também tema da "Malhação".

"A diferença entre as duas gravações é abissal. Não sei nem como comparar a versão original do Renato Russo e a minha pequena contribuição para essa música, a qual eu sempre tocava nos shows. Alguém, anos atrás, viu e me chamou para gravar essa versão para o filme. Foi uma encomenda, mas que nasceu de uma apresentação de voz e violão", comenta a cantora, que não se lembra ao certo quando ouviu o álbum "Dois", da Legião Urbana, mas garante que foi muito tempo depois do lançamento e junto com todos os outros da banda. "Esse disco é muito icônico. É tanto que eu nem sei falar", assegura.

Capa do disco "Longe Demais das Capitais" - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "Longe Demais das Capitais", do Engenheiros do Hawaii
Imagem: Divulgação
Outra banda que chegava ao estrelato vinda de longe do eixo Rio-São Paulo era a gaúcha Engenheiros do Hawaii, liderada por Humberto Gessinger e que havia se destacado no pau-de-sebo (tinha esse nome pois só sobreviviam aquelas que chegassem mais alto nas paradas de sucesso) "Rock Grande do Sul", com as canções "Sopa de Letrinhas" e "Segurança".

Foi o suficiente para, em novembro de 1986, os garotos lançarem o primeiro LP, "Longe Demais das Capitais", que vendeu 50 mil cópias apenas na primeira semana de lojas – número que quase triplicou. Ali estavam, além dos dois sucessos da coletânea e da faixa-título,

"Toda forma de poder", que entrou na trilha sonora da novela "Hipertensão". Essa era a canção preferida de garotos como Marcelo Gross, que, anos mais tarde, se tornaria vocalista e guitarrista da banda gaúcha Cachorro Grande. "A que mais gosto é aquela que diz 'eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada...'. Isso dizia muito para um adolescente rebelde de 13 anos numa época de reviravolta política", garante.

Tratava-se de uma abertura nacional não só para a banda, mas também para vários grupos conterrâneos que se sentiam longe demais das capitais. Não é à toa que até hoje muitos gaúchos tem aquele álbum como um verdadeiro divisor de águas, como indica Marcelo Gross. "Das bandas que tínhamos no sul na época, eles eram quem tinham a verve pop mais definida e estavam mais preparados para invadir as FMs tanto de lá como do resto do país”, observa. Para ele, o próprio título já é bastante indicativo de algo que é vivido até hoje, mas era mais intenso na época pré-Internet. "Eles foram os primeiros e abriram as portas para muita gente. Poucas bandas conseguiram derrubar essa barreira e menos bandas ainda permaneceram nesse circuito", complementa. 

Engenheiros do Hawaii e Cachorro Grande se apresentaram algumas vezes no mesmo palco e na mesma noite. "Sempre foi legal dividir o palco com eles. O alemão é um queridão e é sempre bom trocar uma ideia com ele. Sabe muito! Mas nunca chegamos a tocar juntos. Mas nunca é tarde para isso acontecer. Eu adoraria e seria uma oportunidade para aprender algo com aquele alemão guasca gremista!", torce.

Capa do disco "Rádio Pirata - Ao Vivo", do RPM, lançado em 1986 - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "Rádio Pirata - Ao Vivo", do RPM
Imagem: Divulgação
Mas nenhum álbum do rock nacional dos anos 80 vendeu mais do que "Rádio Pirata Ao Vivo", que saiu com 250 mil cópias vendidas antecipadamente e ultrapassou a marca de 2,5 milhões.

Registro de dois shows realizados no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, o disco foi fruto da pressão gerada por uma versão pirata – nada mais condizente para uma banda que levantava a bandeira da rádio pirata – da regravação de "London London" que foi gravada no Festival Atlântida Rock Sul, realizado em outubro no Gigantinho, em Porto Alegre, e atingiu em cheio diferentes emissoras do país.

A gravadora CBS ficou enlouquecida e tratou de exigir que a banda colocasse a versão ao vivo em disco para agradar aos milhões de fãs ávidos por ela.  

Estavam ali os hits "Revoluções Por Minuto", "A Cruz e a Espada", "Olhar 43" e "Rádio Pirata", com a inclusão da incidental "Light My Fire", do Doors.

De novidade, além da canção de Caetano Veloso composta no exílio londrino, a regravação de "Flores Astrais", sucesso da banda Secos & Molhados, de Ney Matogrosso, diretor do show do RPM, e as inéditas "Alvorada Voraz" e a instrumental "Naja". Foi um sucesso tão avassalador que atingiu as diferentes faixas etárias e classes sociais, gerando uma espécie de beatlemania à brasileira.

Um dos atingidos por aquele fenômeno sem precedentes no rock nacional foi o garotinho Vinicius Fernando Karlinke, então com 6 anos e que, anos mais tarde, formaria a dupla sertaneja João Bosco & Vinicius. Nascido em Naviraí, no Mato Grosso do Sul, ele se lembra de ter ficado encantado ao ouvir "Olhar 43" nos programas de televisão. "Foi uma das primeiras bandas a trazer um som mais agressivo, não digo em letras, mas em suas apresentações, no sentido de enaltecer os solos de guitarra e as batidas fortes. As canções eram muito vibrantes e as pessoas se identificavam de imediato", conta.

No DVD e CD "Coração Apaixonou – Ao Vivo", de 2010, a dupla regravou "A Cruz e a Espada". "Essa música foi sugerida na época pelo Serginho Bittencourt, diretor da nossa antiga gravadora. Nós ouvimos e gostamos muito da letra e da melodia. A maior diferença entre a versão original e a nossa é que criamos um arranjo mais voltado para o nosso estilo musical e com uma levada mais dançante", avalia.
           
Portanto, depois de 1986, o rock brasileiro nunca mais seria o mesmo e suas influências podem ser sentidas até hoje nos mais diferentes estilos. E para quem acha que apenas esses cinco álbuns foram lançados naquele ano, está muito enganado. Foi também quando Capital Inicial lançou seu primeiro disco, o Ira! veio com o segundo, "Vivendo e Não Aprendendo", Marina Lima emplacou "Todas Ao Vivo", Lobão gritou que "O Rock Errou" e o Barão Vermelho seguiu carreira sem Cazuza e com Roberto Frejat nos vocais, em "Declare Guerra".