Trilha mais vendida, "O Rei do Gado" alçou duplas sertanejas às FMs
Mais do que um estouro de audiência na época, a novela "O Rei do Gado", da Globo, explodiu também o sucesso das duplas sertanejas pelo Brasil. Era 1996 quando Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano ajudaram a tornar o primeiro volume da trilha sonora do folhetim, que completa agora 20 anos, o mais vendido de todos os tempos: 2.122.093 discos, de acordo com dados da gravadora Som Livre.
Para o especialista em teledramaturgia e blogueiro do UOL Nilson Xavier, o sucesso alcançado pelo primeiro disco da trama é o casamento de música e história. "Eu acredito que esse sucesso de vendas, pelo menos até o final da década de 2000, se devia a boa seleção de repertório associada ao sucesso da novela junto ao público. 'O Rei do Gado' foi uma explosão de norte ao sul do país. E o mérito da trilha estava em mesclar o som regional com a música que remetia às grandes cidades. Afinal, a história tinha frentes nas cidades de São Paulo e Ribeirão Preto, em fazendas do interior paulista e no Araguaia, no norte do país".
Nilson aponta como grande mérito o ecletismo da trilha, que trazia na capa a foto da atriz Patrícia Pillar como a boia-fria Luana, e trazia de duplas sertanejas até grandes nomes da música brasileira, como Renato Russo (cantando em italiano, "La Forza Della Vita"), Zé Ramalho ("Admirável Gado Novo", de 1979), Djavan ("Correnteza") e Jair Rodrigues ("Vaqueiro de Profissão"), além da regravação de "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo", de Roberto e Erasmo Carlos, na voz de Roberta Miranda, e uma faixa em inglês, "The Woman In Me (Need The Man In You)", com Shania Twain.
Mas, mais do que todas as faixas, o tema de abertura foi um verdadeiro marco, com a Orquestra da Terra, que tem como um dos integrantes Nill Bernardes, um dos autores da trilha e da canção: "Sou desse chão / Onde o rei é peão / Com o laço na mão / Laça, fere, marca / Deixando a ilusão / De que tudo seu / Com coragem de quem / Vive, luta, sonha".
Processo de criação
Filho do novelista Benedito Ruy Barbosa, Marcelo Barbosa já havia tentado, sem sucesso, realizar algumas trilhas de telenovelas até que conheceu Luiz Schiavon, na época ex-tecladista do RPM, durante a criação de uma campanha publicitária, e se deram tão bem que se tornaram sócios em um estúdio.
"Uma vez estávamos jantando na casa do Benedito", lembra Schiavon, "que começou a contar a história do Rei do Gado, ainda antes de escrever. Fiquei impressionado com a força da narrativa e então, conversando com o Marcelo, resolvemos escrever alguns temas. Alguns dias depois tínhamos três ou quatro canções que cobriam os principais personagens e núcleos. O Benedito ouviu, gostou, e tivemos luz verde para seguir adiante", ele lembra. Uma delas foi "Doce Mistério", composta também com Nill e gravada por Leandro & Leonardo, que se tornou uma das canções mais tocadas do ano nas rádios na época: "Quem será essa ilusão / Que eu vivo a buscar? / Diz pra mim se é você / Esse alguém que eu tanto quero / Eu preciso descobrir / Se é você meu doce mistério de amor".
A música sertaneja começou a ser tocada em São Paulo e no Rio a partir de 'O Rei do Gado'. Até então tocava em AM
Marcelo Barbosa
"Meu pai ouviu e disse: 'Isso serve'", conta Barbosa. "Ele ficou com isso na cabeça dois, três meses antes de começar a produzir, e ouvia toda hora. Aí quando a novela seria aprovada na Globo, ele levou junto as duas músicas ('Doce Mistério' e o tema de abertura), sentou com o Boni e disse: 'Tenho uma sugestão de abertura'. Ele é muito amigo do Boni, que falou: 'Não enche o saco. Vai querer dar palpite na música?'. Meu pai disse: 'Música sertaneja vocês não conhecem aqui no Rio'. Boni disse que estava pensando em colocar Caetano. 'Escuta, Boni, se você não gostar, tudo bem'. Daí ele gostou e aprovou", conta Barbosa, que assegura o privilégio de ser o único diretor musical que podia discutir as músicas com o autor da novela e garante que brigaram muito por causa das canções, o que resultaria na demissão de qualquer outro.
Para Barbosa, as duplas sertanejas ainda não eram muito conhecidas nacionalmente, o que aconteceu graças à novela. "As três duplas sertanejas ainda não eram as três duplas sertanejas que são hoje, apesar de o Chitão existir há muito tempo, mas era conhecido dentro do mercado sertanejo. A música sertaneja começou a ser tocada em São Paulo e no Rio a partir de 'O Rei do Gado'. Até então tocava em AM. Para o público, eles eram fenômenos, mas para a mídia não era do jeito que se tornaram a partir daí", garante.
Outro mérito da trilha foi o sincronismo entre gravadora, artista e novela. "Dentro da Globo, os diretores de novela não consideram o disco dela um produto, para eles é pouca coisa. Eles não conseguem entender que tudo soma para a novela. Acham que é só botar qualquer coisa lá e tudo bem. O João Araújo adorava trabalhar comigo, porque tinha essa coisa de trabalhar o material. Eu ia na gravadora e pedia o artista e que ela o trabalhasse, assim como a música. Então as músicas de trabalho passaram a ser as músicas da novela. Assim, a música aparecia na novela, em tudo o que era programa de televisão e tocava na rádio", conta, garantindo que nunca mais viu isso acontecer na Rede Globo e que esse foi o motivo do grande estouro da trilha.
Casamento de música e imagem
Também é importante que as canções sirvam à novela, que elas façam sentido para a trama e casem bem com personagens e situações, o que Nilson garante ter acontecido nesse caso. "São músicas tão marcantes que fatalmente remetem à novela, à trama e seus personagens. Quando isso acontece, é sinal de que a trilha cumpriu seu papel, de ambientar a produção dramatúrgica. 'O Rei do Gado 1' foi um golaço de Marcelo Barbosa e Luiz Schiavon".
Barbosa destaca a inserção de "Coração Sertanejo", com Chitãozinho & Xororó, para o tema de Bruno Mezenga (Antônio Fagundes): "Andei, andei, andei até encontrar / Esse amor tão bonito que me fez parar / Nesse pedaço de chão / No coração do sertão encontrei meu lugar / Tem peão de boiadeiro que vive a laçar / Tem tanto amor verdadeiro que nunca vai faltar". Outro grande sucesso foi "À Primeira Vista", tema do casal Liliana (Mariana Lima) e Marcos (Fábio Assunção), composto por Chico César e interpretado por Daniela Mercury: "Quando me chamou, eu vim / Quando dei por mim, estava aqui / Quando lhe achei, me perdi / Quando vi você, me apaixonei".
Novo recorde?
O segundo volume da trilha, que conta com uma maioria de músicas interpretadas pela dupla sertaneja da trama, Pirilampo (Almir Sater) e Saracura (Sérgio Reis), ultrapassou as 900 mil cópias, o que faz com que esta novela seja a que mais vendeu discos na história, um recorde que dificilmente será quebrado.
É o que acredita Nilson Xavier: "Nunca mais. O panorama musical mudou drasticamente de 20 anos para cá. A internet causou uma revolução no mercado fonográfico em geral e, por consequência, nunca mais uma trilha de novela venderá como vendia nos áureos tempos do vinil e do começo da popularização do CD, até meados dos anos 2000 com sobrevida até o final da década".
"Se isso vai acontecer de novo? Fisicamente, não se vende mais 5 milhões de CDs, que foi a venda somada dos dois discos da novela", diz Marcelo Barbosa. "A mídia mudou. Então o que devemos hoje encontrar é qual é o formato. As músicas devem ser mais ouvidas, mas elas vendem menos". Luiz Schiavon, que também assina a criação, torce para que o recorde seja quebrado. "Espero que outras trilhas tenham tanto ou mais sucesso, porque isso fortalece a importância da música nas obras de TV ou cinema".
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