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Punk, denso e violento: como a imprensa fez "Nevermind" já nascer clássico

Nirvana na época de "Nevermind": Kurt Cobain, Chris Novoselic e Dave Grohl - Divulgação
Nirvana na época de "Nevermind": Kurt Cobain, Chris Novoselic e Dave Grohl Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

24/09/2016 06h00

“Nevermind”, do Nirvana, que completa 25 anos neste sábado (24), é daqueles álbuns que se encaixam perfeitamente em uma categoria rara do rock: a dos grandes discos que já nasceram clássicos. E não há hipérbole aqui.

Lançado em 1991, o segundo trabalho da banda de Kurt Cobain rapidamente se transformou na nova menina dos olhos de jornalistas. E quem não prestou atenção de início logo teve de se render.

Nos Estados Unidos, "Nevermind" assombrou o mercado vendendo 46 mil cópias ainda na primeira semana. Com apenas oito, chegou à marca de 1 milhão, desbancando Michael Jackson.

No Brasil, jornais como a "Folha de S.Paulo" e o "Estado de S. Paulo" destacaram, ainda que com certo atraso (típico da era pré-internet), a originalidade do disco, capaz de unir tradição, peso e melodias assobiáveis.

“'Nevermind' é um daqueles discos fenomenais, que só aparecem de tempos em tempos”, escreveu o jornalista André Barcinski na "Folha".

Nas revistas, com mais ou menos destaque, o tom foi igualmente reverente. Se poucas ousaram cravar que o disco revolucionaria o rock, o comentário era de que ao menos havia potencial para isso.

“[As letras] são violentíssimas, negras, radicais mesmo (sem escorregar para o niilismo burro que impera no underground americano)”, escreveu o jornalista André Forastieri na extinta “Bizz”. "A década de 90 já tem seus Dead Kennedys e, desta vez eles estão no topo das paradas."

Veja a seguir o que a imprensa disse no lançamento de “Nevermind”.

Página do jornal O Globo, de 9/12/1991, com reportagem sobre o disco "Nevermind", do Nirvana - Reprodução/Acervo digital d'O Globo - Reprodução/Acervo digital d'O Globo
Página do jornal O Globo, de 9/12/1991, com reportagem sobre o disco "Nevermind", do Nirvana
Imagem: Reprodução/Acervo digital d'O Globo

"O LP 'Nevermind' (...) é a solução para quem está cansado da agressividade thrash e não se deixa embalar pelas guitarras dançamentes inglesas. Para usar mais comparações, já que a banda é desconhecida aqui, em algumas faixas eles soam como Pixies sem a voz de Kim Deal; em outras fazem o o outrora rock sônico do Sonic Youth soar velho. Mas, acima de tudo, possuem personalidade." (Tom Leão, O Globo, 9/12/1991)

 

 

 

 

 

Nirvana na capa da Ilustrada de 14 de dezembro de 1991 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

 "O que mais impressiona no LP é sua capacidade de agradar a todos os públicos, sem apelar para fórmulas fáceis. 'Nevermind' tem a dose certa de peso para encher de alegria fãs do Metallica, tem pitadas de hard rock que caem como uma luva no gosto de fãs de Guns N'Roses, e tem baladas que podem entrar na programação de qualquer rádio. O single 'Smells Like Teen Spirit' (...) é sim uma das mais bem-feitas colagens pop em muitos anos, uma canção que mistura agressividade, refrão fácil e que pega no ouvido à primeira audição (...) 'Nevermind' é um daqueles discos fenomenais, que só aparecem de tempos em tempos. Em 1990, os Cramps e Iggy Pop fizeram discos perfeitos (na ordem, 'Stay Stick' e 'Brick by Brick'. Em 1991, foi a vez do Nirvana." (André Barcinski, Folha de S. Paulo, 14/12/1991)

Primeira reportagem sobre o Nirvana publicada no "Estado de S. Paulo" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução


"Kurt Cobain sola o mínimo possível, jogando a distorção de suas guitarras no último volume, enquanto Chris Novoselic demonstra ser um maníaco no baixo, acompanhando o pique do baterista Dave Grohl, o sexto martelador a se juntar à dupla, recrutado no grupo Scream, hardcore de Washington, DC. Uma rápida audição é capaz de fazer o ouvinte sair chutando o ar com vontade de mandar tudo para 1977 de novo (...) New Kids sempre serão New Kids, mas se há um milhão de adolescentes americanos dispostos a ouvir Nirvana, nem tudo está perdido. Especialmente porque a alternativa de Nirvana não é o satanismo ou a pornografia do metal ou rap mais apelativos. O vocalista, guitarrista e compositor Kurt Cobain fala sobre a geração da apatia. Esta geração (...) Mas Cobain não está preocupado com letras. Ele não se importa. Letras são apenas um barulho a mais entre a explosão de guitarras e bateria. E sua voz estoura como uma Stratocaster atirada contra a plateia. Nirvana adora quebrar coisas. É por isso que seus shows nunca têm bis. Não sobra muito depois de sua passagem pelo palco."
(Marcel Plasse, Estadão, 16/12/1991)

Revista "Bizz" número 80 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"A questão fundamental é, como sempre: vale a pena desembolsar aquela suada bufunfa para comprar Nevermind? Se você gosta de Pixies ou Damned ou Stooges ou Kinks/Who ou Gang Of Four fase Entertainment! ou Mudhoney ou rock de garagem sessentista ou qualquer tipo de hard rock áspero, puto e sem polimento, vale. Principalmente, se você gosta de punk californiano politizado, vale a pena. Vale vale vale. Compre três, dê um para o seu amor e outro para o seu melhor amigo. (...) É, o Nirvana é punk, sim, punk paca ainda que seu vocalista-letrista-guitarrista Kurt Cobain, 24, seja muito novo para ter curtido punk na época. E punk não só na avalanche animalesca de distorção e hormônios que jorra dos instrumentos. As letras também são violentíssimas, negras, radicais mesmo (sem escorregar para o niilismo burro que impera no underground americano). Falam de amor, sexo, preconceito, inteligência; do estado das coisas e do sentido da vida. Confira "Smells Like Teen Spirit", sobre a apatia teen, que está traduzida nesta edição... mas a melhor mesmo é "Breed". É, segundo Cobain, sobre "Ser de classe média, casar jovem, ter filhos, assistir TV toda noite e detestar tudo isso". A década de 90 já tem seus Dead Kennedys e, desta vez, eles estão no topo das paradas."
(André Forastieri, "Bizz", março de 1992)

Capa da "Rock Brigade" de fevereiro de 1992 - Reprodução - Reprodução
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"Rock'n'roll pesadíssimo com fortes influências do estilão anos 70 e até mesmo algumas doses homeopáticas de thrash, fazem este trabalho bem sujo e bem característico da atual vanguarda underground americana. Kurt Cobain, Chris Novoselic e David Grohl provam que com criatividade pode-se criar coisas novas e muito boas em cima de fórmulas aparentemente gastas. A versátil voz de Kurt é incrível tanto nas partes que quase sussurra quanto nas que urra como um urso (...) Além do hit 'Smells Like Teen Spirit', não dá para ficar sem babar com 'Lithium', a balada 'Polly', ou as pancadarias-quase-thrash 'Breed' e 'Territorial Pissings'. Em 91 eles surpreenderam todo mundo, em 92 eles explodem!"
(Fernando Souza Filho, "Rock Brigade", fevereiro de 1992)

U2 na capa da "Rolling Stone" número 618 - Reprodução - Reprodução
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"Contendo alguns ocasionais (e provavelmente intencionais) erros de gravação, a maioria das canções (como “On a Plain, “Come as You Are” e Territorial Pissings”) mostram a habilidade da banda em introduzir a sutileza em um contexto denso e barulhento. Num outro extremo do disco, “Something in the Way” flutua numa nuvem translúcida de guitarras acústicas e violoncelo, enquanto “Breed” e “Stay Away” são puro barulho; esta última, ainda, termina com uma impactante explosão sonora. (..) Frequentemente, as bandas do underground gastam seus esforços em discos que não estão preparadas para fazer, e logo dilapidam suas forças e inspiração em árduas turnês. “Nevermind” põe o Nirvana numa encruzilhada: são operários gladiadores do rock garageiro que põem seus olhos em uma terra de gigantes."
(Ira Robbins*, "Rolling Stone", novembro de 1991)

Capa da revista "Spin" de dezembro de 1991 - Reprodução - Reprodução
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"Depois do mais refinado em um dia de sol em Nova York, 'Nevermind' soa como uma explosão vinda de uma pequena caixa de som na minha mesa. O Corpo de Bombeiros ao lado da sede da 'Spin' provavelmente terá de trabalhar... Mas e daí? Esqueça o novo duplo do Guns N´ Roses. Esqueça 'Roll the Bones', do Rush. Nirvana fez este aqui à base de velocidade —com 'V' maiúsculo— e é evidente que ele é bom para dirigir. Um pouco punk, um pouco metal, um pouco country, um pouco rock'n'roll. Que diabos você poderia querer mais? 'Nevermind' oferece um intenso ataque roqueiro em 'Pissings Territorial', uma bela harmonia em 'On a Plain' e uma música muito legal chamada 'Breed'. De qualquer forma, juro que você estará cantarolando todas as faixas para o resto de sua vida —ou, pelo menos, até que  seu CD/cassete/álbum se desgaste. Estou plena com este disco, e você também ficará."
(Lauren Spencer, "Spin", dezembro de 1991)

Capa do semanário "NME" de 21 de setembro de 1991 - Reprodução - Reprodução
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“Nevermind” é um disco para gente que gostariam de gostar do Metallica, mas não tem estômago para a falta de melodia, enquanto, por outro lado, pega emprestado a inteligência dos Pixies e dá à essa ideia um novo músculo. Um choque ao sistema. Músicas como a excelente “In Bloom” e a melhor de todas, “Come As You Are”, mostram destreza em combinar tensão e descontração, produzindo algo “cool” (...) É uma continuação natural do álbum de estreia, “Bleach”, mas explorando caminhos diferentes. Eles são menos líricos que o Sonic Youth, e às vezes isso irrita, mas ainda assim produzem climas vivos como em “Drain You”, “Polly” e no encerramento mais calmo, 'Something In the Way'. 'Nevermind' é o grande disco alternativo americano do outono. Mas, melhor ainda, vai durar até o próximo ano.
(Steve Lamacq, "NME", setembro de 1991)

*Apesar do tom elogioso, a crítica avaliou o disco em 3 de 5 estrelas possíveis