Não precisa ser Beatles para gravar em Abbey Road: basta ter R$ 3,2 mil
Para George Harrison, o estúdio Abbey Road, onde os Beatles gravaram quase todos os seus discos, foi o seu "lar espiritual". Não à toa, o último álbum gravado pela banda foi homenageado com o nome do lugar, uma rua até então pacata em Londres. Lançado há 47 anos, no dia 26 de setembro de 1969, "Abbey Road" ajudou a criar também uma aura quase mística ao redor do estúdio homônimo, a ponto de bandas do mundo todo fazerem peregrinação até Londres só para ter um disco gravado lá dentro.
De fato, gravar algo ali pode significar um diferencial no produto final de qualquer artista, seja como marketing ou usando tudo o que o local oferece, desde equipamentos vintages de cem anos atrás que ainda funcionam até as mesas de som mais modernas já lançadas. Sem contar os premiados engenheiros de som que trabalham no estúdio. E não tem segredo. Para gravar em Abbey Road basta agendar o dia e horário --com antecedência de alguns meses-- e pagar o aluguel do espaço.
Do Brasil, artistas como Roberto Carlos, Roupa Nova, Skank, Cachorro Grande, Lobão e Júpiter Maçã já passaram algumas horas ali. Pink Floyd, Beatles, Oasis, Duran Duran, Tony Bennet, Amy Winehouse e Adele também já usaram aqueles estúdios.
Ao todo, o prédio abriga cinco estúdios. One, Two e Three são os maiores e os mais importantes. O Penthouse e o Studio 52 são menores e mais baratos. Para se ter uma ideia da relevância do Studio One, foi de lá que os Beatles fizeram, em julho de 1967, a primeira transmissão ao vivo via satélite, interpretando "All You Need is Love". A transmissão entrou para a história e foi assistida por mais de 400 milhões de pessoas em 25 países.
A fama ajudou a aumentar o aluguel: a diária de dez horas deste estúdio custa 3,5 mil libras (cerca de R$ 15 mil). Em comparação, a diária do Studio Two sai por 2 mil libras (R$ 8,3 mil) e as do Studio Three e Penthouse, por 1,5 mil libras cada (R$ 6,2 mil). O mais barato deles é o Studio 52, que não sai por menos de 750 libras (R$ 3,2 mil), e ainda oferece a possibilidade de mixar músicas remotamente. Basta o artista enviar a faixa pela internet, que os engenheiros de som fazem o resto.
É possível até contratar engenheiros de som como Simon Gibson, especialista em restauração de áudio e responsável pela remasterização do álbum "Beatles Album Remasters" (2009), vencedor do Grammy daquele ano. Ou Sean Mage, especialista em disco de vinis. Foi dele a missão, por exemplo, de remasterizar todo o catálogo da banda Rush. O portfólio de profissionais é grande, mesmo tendo perdido o nome de George Martin, o maestro e mais famoso de todos os engenheiros de som de Abbey Road, que morreu em março deste ano. Martin foi considerado por muitos como o quinto Beatle e trabalhou em praticamente todos os álbuns do quarteto.
No Abbey Road, fundado há 84 anos, dá ainda para usar o acervo de equipamentos vintages, alguns com mais de cem anos, boa parte deles usados em gravações originais dos Beatles e do Pink Floyd. A equipe do estúdio garante que todos eles ainda funcionam, inclusive em suas válvulas e diagramas originais, o que dá ao artista a possibilidade de reproduzir qualquer tipo de som gravado no último século.
O disco mais famoso
O ano de 1969 não foi fácil para os Beatles. Nenhum integrante conseguia concordar com o outro. John Lennon, por exemplo, queria um álbum de rock básico e Paul McCartney uma ópera pop. Mas eles colocaram as diferenças de lado e entraram em estúdio pela última vez. O resultado está em 46 minutos e 54 segundos de "Abbey Road".
O lado A do disco é uma pedrada com o rock cru de "Come Together" e a melhor música já escrita por George Harrison: "Something", além de "Maxwell's Silver Hammer", "Oh! Darling", "Octopu's Garden" (de Ringo Starr) e "I Want You (She's So Heavy)". A última composição do Lado A, "I Want You (She's So Heavy)", talvez seja a evidência mais clara de que algo no estúdio não estava tão bem. A faixa é formada por duas músicas, editadas juntas e se alternando sem nenhum tipo de transição. A palavra "heavy" (pesada, na tradução) foi usada na letra propositalmente, como a maneira encontrada por Paul e John para mostrar como o clima estava por ali.
O lado B vem guiado por Paul. "Here Comes The Sun", de Harrison, e "Because", de Lennon, abrem a segunda parte. Mas há muitas faixas de McCartney: "You Never Give Me Your Money", "She Came In Through The Bathroom Window", "Golden Slumbers", "Carry That Weight", "The End", além da vinheta "Her Majesty" com apenas 23 segundos e não creditada na contracapa.
A capa é uma fotografia de Iain Macmillan, feita em 8 de agosto de 1969. Nela, o quarteto aparece atravessando a rua Abbey Road. A famosa faixa de pedestres atualmente é um dos pontos turísticos oficiais de Londres. O estúdio até instalou uma webcam que transmite 24 horas por dia as pessoas atravessando a rua.
Muitos fãs apontaram o álbum como um prenúncio do fim dos Beatles, aliado ao título da última faixa "The End" e a fotografia deles atravessando a rua. Para o público, era uma mensagem clara de que a partir dali a banda seguiria por caminhos distintos. Infelizmente, os fãs acertaram. Seis meses depois, em 10 de abril de 1970, Paul McCartney anunciava o fim da banda.
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